Obliquidades

Anderson Carvalho
CRÔNICAS
Published in
2 min readMay 4, 2018
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“Se tu fosse mais direto ajudaria.” Ela disse.

Ah se ajudaria, me pouparia muito tempo definitivamente. Mas de quer serviria toda essa poupança? Aliás, ser direto ou indireto é uma escolha da mesma natureza que em qual prateleira do armário do banheiro colocamos a escova de dentes, é uma repetição impossível de saber como começou.

Sim, existem os metódicos, os que conhecem suas razões… não sou desses. Também não posso me julgar direto ou não, não tenho base de comparação, sou. Apenas isso, sou. Sem adjetivos. Sou, um dia de cada vez. Mas faz sentido que não seja direto, analiso tudo, tanta meditação me faz questionar se realmente quero o quero ou se estou querendo automaticamente.

“Tu é legal. Mas é confuso.” Ela também disse.

Tu nem imagina o quanto pensei, mas não falei nada. Se falasse eu seria direto, mas sou oblíquo. Efeitos colaterais, ossos do ofício. Toda a literatura, a filosofia, a psicologia, todos essas planícies que desbravo, colinas, corredeiras e estradas sem fim me fizeram assim. Com mais interesse pelas curvas do que pela retidão.

A menor distância entre dois pontos é uma reta, dizem os exatos. Mas sei lá eu se é aquele ponto mesmo; a menor distância é a melhor escolha, afinal de contas? Não sei, não sei… ando em círculos, rodopio em torno de mim mesmo, olho embaixo de uma pedra, olho as estrelas (as estrelas!) um som me atrai para leste, um cheiro para oeste, um desconhecido me faz recuar dois passos, mas como saber se recuo se não sei onde é adiante? e a novidade cheia de magnetismo me atrai.

Vou por aí, despreocupado com os pontos. Não quero a menor distância, quero o caminho inteiro. Não quero ser direto, quero ser completo. Mas como explicar isso que não sei o nome que tem? Não é confusão, é querer a curiosidade, quero querer o que não sei o que é.

“Tu só quer trepar né, é isso?” Ela disse.

Bom, sim e não. Ao mesmo tempo. É isso, mas não é só isso. Talvez por um tempo seja só isso, mas não, não é só isso. Mas como explicar? Como?

“É” Eu respondo.

“Então tá. Assim fica mais fácil.”

Uma noite que é, mas que não é. Cheia de vazio e com muito pouco de verdade. Dois corpos unidos e duas mentes com uma vastidão de distância entre elas.

Esses encontros com cheiro acre e gosto de mofo.

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