Observando a ampulheta do pânico

Gabriel Martins
CRÔNICAS
Published in
2 min readDec 22, 2017
Poucos minutos se transformam em segundos milimetricamente arrastados.

Quando a gente é mais jovem, a sensação de pânico é minimizada àqueles momentos de resultado inevitável: quando o freio da bicicleta estraga e você sabe que vai dar de cara com um monte de brita, quando duas argolas da cortina da sala da sua casa soltam depois de você brincar horas passeando pelas cortinas e você não consegue colocar no lugar antes de sua mãe chegar ou até mesmo quando aquele VHS pornô francês fica misteriosamente preso no aparelho videocassete que fica no quarto dos seus pais. Você já sabe que coisa boa não sairá de nenhuma dessas situações.

Eu sou prova viva de todas elas.

Agora, a medida que crescemos, o pânico cria ramificações mais extensas que ruas mal planejadas numa cidade que cresceu rápido demais. Pânico que se disfarça de ansiedade, pânico que prefere ser chamado de insegurança, pânico que se manifesta em surtos e pânico que te paralisa por impotência. Para essa etapa da vida, um só exemplo serve para ilustrar: andar de ônibus. Uma ação simples, corriqueira e automática que, supostamente, desafia qualquer investida do pânico em suas diversas modalidades.

Acontece que depois de dois assaltos a mão armada no caminho de volta pra casa, as certezas são diferentes, as seguranças não são as mesmas e a repetição corriqueira do dia vira pânico. Puro, simples e esmagador. Nada te faz desligar e aproveitar (já que a viagem é longa). Todo mundo é um suspeito em potencial, o acaso não é mais uma circunstância bem vinda e o efeito é traduzido no relógio.

Poucos minutos se transformam em segundos milimetricamente arrastados, que ganham equivalência de horas. Como se sua casa fosse mais que o normal. Ou será que o itinerário desse ônibus mudou? Na verdade, não sei bem porque tem esse ponto nessa rua que ninguém entra e ninguém sai. Pensando bem, eu não passaria por isso se tivesse um carro! Mas é um absurdo pensar que não posso usar um serviço público em paz. Será que quem assalta ônibus não sabe que quem utiliza ônibus é trabalhador cheio de duvidas e pouco para si? Ai meu Deus, pensando assim, eu estou justificando o crime contra pessoas financeiramente privilegiadas? Ixi, será que é por isso que, como castigo, eu fui assaltado duas vezes em menos de seis meses? Tudo bem, chegou a hora de descer.

Sai de casa dos meus pais as 09:34.
Embarguei no ônibus as 09:42.
Viajei por 6 pontos.
Cheguei na minha casa as 10:04.
30 minutos de possibilidades inimagináveis.

--

--

Gabriel Martins
CRÔNICAS

um mineiro míope tentando ver o lado bom da vida.