Por que escrevo quando viajo?
No aeroporto de Zurique, fazendo uma conexão para Londres:
Em ingles meio alemao, o federal pediu para ver meu passaporte. Entreguei. Ele olhou, abriu um sorriso e comecou a falar um portugues perfeito (perfeito para um suico, e importante explicar). “Eu deveria dizer bom dia, nao?”. Achei aquilo bizarro, mas respondi as perguntas que ele fazia. “Vai pra onde?” “Londres” “Ficar quantos dias?” “Cinco”, mostrando minha reserva. “Vai fazer o que la?” “Turismo” “E depois vai para onde?” “Hamburg”… “Ok, era so isso mesmo. Boa viagem!” Agradeci e quando ja estava indo embora, ele falou: “Tomara que em Londres o tempo esteja melhor do que aqui em Zurique. Tem chovido muito esses dias”. Olhei pela janela do portao de embarque, que tinha um belo sol invadindo todo o saguao, com pouquissimas nuvens no ceu e temperatura de 20 graus Celsius marcando na tela, e falei: “Sim”.
Já em Londres, após chegar ao hostel:
Fiz o check in, peguei minha chave em forma de cartao, peguei a senha do WiFi e, quando subo para o quarto, encontro uns caras vestidos de soldados alemaes da segunda guerra. Um estava caido no chao, outros encostados nas paredes do corredor, outro de pe perto da porta. E dentro do quarto tinha um cara com uma filmadora e outro soldado. Fiquei sem entender nada. Eles pediram para terminar a gravacao, aceitei e fui embora. Deixei minha mala na recepcao e sai.
Comecei a viajar sozinho em 2013. E há uma prática que me persegue desde então que é escrever e-mails para os meus pais contando o que fiz no dia. Não que eles realmente precisem saber das minhas andanças por aí, mas porque é um jeito que achei para me forçar a escrever regularmente, como em um diário de viagem capenga. É a melhor maneira que encontrei para guardar vividamente minhas lembranças, já que as fotos podem dizer muita coisa e nada ao mesmo tempo — ao menos, as que eu costumo tirar.
O lance é que quando eu viajo, faço tantas coisas em um dia que há toda uma história para contar, uma narrativa de acontecimentos inteiramente nova se desenrolando na minha frente e, ora bolas, preciso registrá-la. É um trato que eu faço comigo mesmo: “Você está sozinho pelo mundo, cara. Compartilhe sua experiência com alguém. Nem que seja para você no futuro”.
Num hostel em Hamburgo, na Alemanha:
Ontem à noite, esses dois japoneses (um casal, que na verdade sao amigos de viagem), que devem ter por volta 60 a 70 anos, estavam no lounge quando eu fiz o check in. Eles falaram alguma coisa em japonês e eu logo disse que era brasileiro e nao estava entendo nada. Algum tempo depois, fui a recepcao saber se tinha água mineral. Nao tinha. Mas esse casal ouviu minha conversa e, muito solicitos, perguntaram se eu queria pegar o resto da garrafa de 1 litro deles. Eu falei que nao precisava, mas eles insistiram e eu peguei e agradeci profundamente.
Entao, hoje, logo após a janta, encontrei-os novamente no lounge e fui retribuir o favor, mas eles tinham acabado de comprar outra garrafa, e me convidaram para conversar com eles. A Noriko é de Sapporo, Hokkaido, e gosta de falar. Já Yoshio é de Tóquio. Fala pouco, mas é um cara divertido. Segundo a Noriko, eles sao apaixonados por música clássica e todo ano fazem um tour para assistir concertos na Europa. Daqui eles vao para Berlim e Praga.
Enquanto conversávamos, Yoshio pegou uma garrafa de shochu na geladeira e me convidou para beber.
Um outro motivo para eu voltar a ler esses textos de tempos em tempos é por que eles são divertidos, modéstia à parte. E não porque eu seja um escritor talentoso, veja bem. Até porque quando escrevo esses relatos eu preciso ser rápido, então costumo basicamente olhar para o teclado e esmurrá-lo freneticamente, sem tempo a perder com erros de digitação e o diabo, o fluxo de consciência dando o ritmo da narrativa pelo bem ou pelo mal e seja o que deus quiser.
O resultado é um texto solto e descompromissado, livre das amarras do consciente opressor, e isso me inspira a escrever melhor. Porque há dias que escrever simplesmente não acontece. Você cai num ciclo de digitar e apagar eterno, quando na verdade você só precisa de uma voz que te diga: “Olha lá, cara, você era bom. O que aconteceu com você?”
Num bar com fliperamas de Chicago, assistindo à uma das partidas da final da Stanley Cup entre o time da cidade e o Tampa Bay Lightning.
Estava numa mesa de pinball quando os momentos finais do jogo estavam se desenrolando. Larguei a maquina e fui ver. A galera do bar estava ensandecida, tinha uma galera cantando alguma coisa, o hino, talvez. E quando o cronometro zerou e a partida acabou, o bar veio abaixo. O DJ botou uma musica e o pessoal bebado cantou junto. Bom, nem todos. Eu fui pra maquina de Donkey Kong ver se conseguia passar da primeira fase.
Em Nova York, após meu primeiro dia na cidade:
Manhattan e um formigueiro humano. A todo momento, em praticamente qualquer rua e esquina tem gente a beca. A maioria e claro, sao turistas. Eles estao por todo o canto, tirando fotos, batendo papo. Pelas ruas se ve gente comendo e andando, comendo e falando no celular, e andando e falando no celular. Alem disso, o centro tem seus problemas de cidade grande: muitos pedintes, muita sujeira nas ruas, motoristas que nao respeitam a sinalizacao. Esse, alias, foi um grande choque em comparacao com Washington e Chicago. Achava eu que poderia atravessar na faixa numa boa e estava completamente enganado. As ruas de Nova York sao frias e movimentadas.
Sempre falo para meus amigos quando viajam para que eles escrevam ou gravem áudios diários ou desenhem alguma coisa que aconteceu no dia. Mas sei que é difícil pra cacete. O tempo é curto, às vezes corpo e mente estão exaustos e, afinal, cada um faz suas próprias escolhas na vida. Sinceramente, não sei se alguns deles seguiu meu conselho, chuto que não.