Porta trancada

SantosJr
CRÔNICAS
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2 min readJul 21, 2016

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Primeiro, um som distante vem do átrio. Encucado, caminho em direção à porta, encosto o ouvido nela, e nada ouço. Regresso ao lugar que estava. Entretido em minhas leituras, regozijo-me com Schopenhauer, Nietzsche, Sartre.

Num repente, novo barulho usurpa-me a atenção. Inerte, de mãos firmes nos braços do sofá, olho ao redor o recinto. Tudo parece em seu lugar. Respiro fundo, volto às minhas distrações. Eis que chega uma pancada mais forte. E mais uma. E outra. O som crescente parece vir rumo à porta central. Fico assustado. Soa como invasão. Mas, subitamente, as pancadas cessam. Seria mera visita indesejada? Se fosse, indesejada ainda seria. Para cá, tenho convidado ninguém.

Tento ocupar-me. Perambulo ajustando coisas.

Porém, o tormento retorna. A intensidade é amplificada. Agora parecem usar um aríete para forçar a entrada. O que podem querer aqui? Não há nada de valor neste local. Paraliso. Sinto um tremor em meu corpo, o ar me arrepia, as mãos gélidas em suor, a tez ruboriza, pupilas dilatadas, e uma sensação estranha na barriga. Será desta vez? Não! Não quero isto. Reforço a segurança. Dou mais uma volta na fechadura, encosto a mesa junto à porta, e o sofá a esta, vedando ao máximo o acesso. A crescente batida parece tomar o ambiente. Percebo-me atordoado, assustado. Não desejo conhecer-lhe. Resolvo resistir em silêncio, aguardar que o outrem desista e se afaste da turbação.

Em tempo, a quietude se reapresenta. Respiro, ainda inconstante, entretanto, aliviado. Estou só, outra vez. É assim que quero. Não cederei tão facilmente. Continuarei seguro. Ponho um blues em alto som para acompanhar-me. Sento, relaxo, divago. E uma estranha sensação de vazio e curiosidade me acerta. Deveria eu ter aberto o portal e permitido o ingresso em qualquer das vezes? Não! Pro inferno com isto. Urro em voz alta: hoje não! Hoje não! E já está decidido. A porta continuará lacrada. Tentaram a primeira, a segunda, a terceira, e parei a contagem. E se manterá, assim, ao meu modo. Insistirei em meu sossego. Se precisar, afugento quem for. A paz que pretendo reinará neste espaço, enquanto puder resistir. E não será hoje que abrirei a entrada. Permanecerá trancado meu coração.

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SantosJr
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