Ressuspensa

mark cardoso
CRÔNICAS
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2 min readMar 8, 2018

Nanda,

Como vão as coisas? O Vento Sul já sopra na ilha? Por aqui, o ar já desce mais seco, porém fresco. Mas é sempre sol, como você deve imaginar.

insolação

Por falar nele… Dali da sala de estar, com a bunda colada aos tacos velhos e descascados, mirei o sol que entrava, o verde e o azul que coloriam a vidraça. Sorri. Senti que o dia amanheceu bonito. Meiosegundodepois, tive um estalo. Uma daquelas conclusões de vida inteira. Entendi, então, que os dias apenas estão e que nós é que somos. E se amanhecemos lindos ou feios, é isso que veremos pela janela. “Descansar a vista / até onde a vista alcança / de uma zona temperada / até onde o sonho te leva”.

É custoso e infinito, esse negócio de se perceber. É como tirar música teimosa que acorda na cabeça, frase pronta e ditado que martela e martela; cortina de fumaça. É trabalhosa, essa história de fazer-se entender-se que, na maioria das vezes, é você-se e não o outro — — mas nesta vida, somos treinados, por anos e anos, a pensar o inverso. De reverso. Assim como entender, enfim, que o “por/pra mim” não precisa anular o “pelo/para o outro”. Nem vice nem versa. Ô, estupidez!

Me diga, Nanda, por que diabos o Vento Sul sopra para todas as gerações insulanas? O incompreensível orbita até as certezas mais óbvias. “Quando ele vem, meu bem / eu viro um mar / eu viro um mar para lhe curar”.

Um beijo, um abraço e umas interrogações exclamativas,
Mark

[carta escrita em 10 de maio de 2016]

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mark cardoso
CRÔNICAS

“As mais belas historias têm começo, medo e sim” ~ literatura, branding, psicanálise e palavras. Autor de "Posta-Restante": www.postarestante.com.br