Sessões de terapia e inquietações de feriado

Gabriel Martins
CRÔNICAS
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3 min readNov 24, 2017
Mal ela sabia que mal eu sabia…

Eu devia pedir que ela pegasse leve comigo. Minha terapeuta. Nova e aparentemente sem o tato necessário para perceber que eu preciso de um desconto. Afinal de contas, foi por isso que troquei de terapeuta, foi por isso que peguei indicação com (novos) amigos nessa cidade que eu já moro faz um ano mas que não me parece casa ainda. Se é que um dia parecerá. Vamos para nossa quarta sessão e eu continuo com a sensação de que ela deveria pegar leve comigo.

Porque? Porque refletir sobre porque sou como sou e faço o que faço é exaustivo. E eu faço isso o dia inteiro. Mesmo quando não quero. Característica reconhecida e absorvida. Eu até advogo a favor desse meu lado autoconsciente, que sabe triangular os problemas, identificar as origens e os gatilhos e, consequentemente, trabalha-los de forma particionada, minimizando assim os danos potenciais que problemas dessa ordem podem causar na vida de qualquer um. E eu coloquei essa característica peculiar minha num display quando sentei no consultório da minha terapeuta pela primeira vez. Coloquei com orgulho. Como se fosse um passaporte para um trabalho fácil que ela teria pela frente.

Que engano mais primário.

Mal ela sabia que mal eu sabia que saber triangular os problemas não significa limitá-los. Mal ela sabia que mal eu sabia que identificar as origens não significa mitiga-las. Mal ela sabia que mal eu sabia que trabalhar problemas de forma particionada não significa tranquilidade a medida que você vai desenrolando o novelo de lã que as sessões de terapia se tornam quando você descobre que há caminhos para entender seus conflitos mas um único espelho pra reconhecer o facilitador dos seus conflitos.

Para as perguntas difíceis eu tenho todas as repostas na ponta da minha língua. Sei triangular, como disse. Mas porque você não consegue dizer não, ela retruca. E as respostas somem. Me sinto na sala de aula diante de um professor semi tirano (pelo menos aos meus olhos) que me pergunta exatamente sobre o tema que decidi não estudar na noite anterior para ver um pouco de TV. Mas preciso responder, não é? Que horror seria dizer “Eu não sei”, aceitando a incompetência da incompreensão como solução temporária a um questionamento simplista como esse. Então respondo com piada para lidar com a simplicidade de algo tão complexo quanto o acumulo de preocupações que a vida moderna (quando a vida não foi moderna pra mim?) propõe a qualquer um. Eu consigo dizer não, respondo com pouca segurança. Não porque estou mentindo, mas porque de fato eu não sei a resposta para uma pergunta simples. Eu consigo dizer não, prossigo, mas eu digo sim nos vinte minutos que procedem esse não, concluo, rindo, nervoso e sem jeito.

E porque é que eu rio, fico nervoso e sem jeito mesmo se eu sei triangular tudo mesmo? Se eu procurei ajuda para um problema que eu já conheço? Se eu reconheço que, sozinho, não consigo solucionar? Se eu passo dias refletindo, aplicando e colhendo frutos da clareza que as sessões com minha terapeuta me proporcionam? Eu não sei.

Talvez na próxima sessão, eu comece a descobrir.

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Gabriel Martins
CRÔNICAS

um mineiro míope tentando ver o lado bom da vida.