Sex and Candy

Ivan Bonillo
CRÔNICAS
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3 min readApr 4, 2017

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Foi então que aquela música do Allen Stone começou a tocar em um pequeno player ao lado da mesa de madeira que ficava ao lado da janela do quarto. O primeiro acorde foi o suficiente para que os olhos dela já se arregalassem e estralassem como fogos de artifício, e alguns segundos depois se fechavam lentamente enquanto ela seguia sem pressa a estrada de cada tom. De ondas suaves e lembranças fortes, como se a passarela da vida por alguns minutos fosse apenas uma escadaria em forma tablatura, sem tristeza nem amargura, era só som, só um acorde, era só uma lembrança, um momento de sorte, de coisa boa que sai do coração e voa pra se espalhar por aí. E abraça o primeiro que vier, em alma e em cosmos eles são sempre os eternos opostos, até mesmo em momentos póstumos. Se lembrou de Marley dizendo para que não fizéssemos guerra, e olha só, até hoje o bicho homem não aprendeu. Constrói arranha céu, inventa robô que fala, dança e pula e se orgulha em dizer que inventou. Mas até hoje, não aprendeu a viver em paz. Nem consigo mesmo e nem com os outros. Ah, ela só queria apenas que tudo fosse paz. E tudo fosse mais do bem, nem que fosse só um pouquinho. Já estava bom.

Allen continuava a arrastar seu blues meio choroso misturado com um folk generoso, e ela fazia questão de acompanhar. Sua boca já sabia cantar cada verso sozinha e navegava junto em todas as ondas sonoras. Passava por cima e completava a rima. Eyes like honey, my dear. Aquela música era feita pra ela, pensava. Até cogitou se esticar na rede com os pés pra fora e a vista serrada dum cantinho de mar. Não, é melhor levantar e dançar. Vira, pula, canta e dança. Cause i’ve been sex and candy, baby. Era um dueto de longe, um perto do gueto, o outro do lado do monge. A distância que a separava da música era a mesma de Polaris, a estrela mais brilhante da constelação Ursa Menor — conhecida como Estrela do Norte. Surely is a dream, oh mamma, this life is a dream. Ela torcia para que não fosse just a dream, mas apenas sex and candy. Para alguns, a festa nunca tem fim. Ela torcia para que o botão de replay fosse apertado exaustivamente, para que seu corpo continuasse a seguir fielmente os gemidos chorosos daquela canção manhosa. Seus pés acompanhavam a batida da parte ôca do violão, like a disco lemonade. Os pés estavam descalços, como sempre. Era menina de cachoeira, nascida na Cidade das Estrelas. A alegria de seu olhar conseguia ser mais bonita do que um pôr do sol. Mamma, this surely is a dream. E como toda canção ou boa festa, acompanhada da fé que nos resta, uma hora deve acabar. Uma pena. Para ela, a vida deveria ser apenas sex and candy. Ah, Allen.

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Ivan Bonillo
CRÔNICAS

Mineiro, viajante, narniano, sonhador e cronista de fatos aleatórios dessa vida nada alheia.