Viagem ao Porto

Crônicas de viagem: sobre liberdade, em junho de 2009

Cristina Hélcias
CRÔNICAS
3 min readJun 16, 2017

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E não é que eu descobri que liberdade tem gosto de cereja fresca e vinho verde; cheiro de mato e sensação de vento batendo no rosto? E mais, liberdade tem vista para o Douro entrecortando montanhas e o som dos risos de amigos se encontrando.

Porque liberdade é estar onde se deseja estar, mesmo que, para isso, se cruze um oceano, pegue mil aviões, percam a sua mala, achem a sua mala e você recupere, em tempo, o vestido que usará no casamento. Um dos mais lindos que verá.

Liberdade é acordar numa Quinta secular, cercada por vinhas; pegar um carro e subir uma serrinha sem fim, só para encontrar uma vista, também sem fim, no topo de uma colina, com uma Igrejinha ao lado. É ficar sem ar e sorrir, agradecendo a visão.

É tomar vinho, conversar sobre um tudo, olhar para Renata, dar um risinho cúmplice e perguntar: “Rê, por que a vida é tão boa!?” e receber como resposta: “Não sei, amiga, mas é muito boa mesmo!”, confidenciando e ouvindo a confissão de que tanta bondade assim gera até desconfiança, mas logo mudar de ideia e concluir que, se a bondade vem, algum merecimento existe, então sorrir de novo e brindar: a essa vida doce!

É acordar, no sábado, cedinho, ou cedo demais para a hora que fui dormir, e empacotar a felicidade dos noivos. Quero fazer isso sempre: embalar felicidade em pacotinhos e distribuí-los por aí! Felicidade fantasiada como arroz de açúcar em forma de coração. Para ser jogada na saída da Igreja, num dia lindo de primavera e Santo Antônio, com pétalas de rosa e amor de verdade.

É comemorar até não ter mais fim, como a estrada e a vista. Comer delícias e beber além da conta, com muita água no meio. Claro. Porque liberdade é poder ser sacro e, ao mesmo tempo, profano. Por isso fiquei arrepiada na hora que Santo Antônio adentrou no recinto ao som da música em que tudo acontece: sim, Fê, Santo Antônio entrou dançando Viva la Vida!, enquanto eu e a Rê nos olhávamos, falando ao mesmo tempo: “Auspicioso!”.

E a liberdade continua num dia de ressaca e viagem, descendo até o Porto, para, lá chegando, esquecer-se do cansaço e sair pela cidade adentro, revisitando suas belezas. Encontrar o restante dos amigos, jantar o que de melhor havia e estender a noite num Pub, sinistro, na frente do mar. Voltar para o hotel em tempo de apenas atender o telefone-despertador: “6:00”; tomar um banho, abraçar uma por uma daquelas pessoas queridas, e seguir até o aeroporto. Não sem antes ter abandonado o carro alugado em um estacionamento público e deixado a chave com o amigo para resgate, tudo isso sem dormir, iniciando a jornada de volta, com direito a uma paradinha…

Em Madri, e sentir novamente a liberdade para largar malas, pegar o metrô e almoçar jamón serrano com outra amiga querida. Passear pela cidade com tempo de encontrar sua majestade, El Rey de España, acompanhado por seu séquito real, seguido por batedores e carros pomposos cheios de bandeirinhas. Fazer uma mesura interna e sumir pelo metrô. Hora de voltar para…

Resgatar malas, fazer check-in, sentar em alguma mesinha do saguão de embarque, ouvir milhões de línguas diferentes, sentir as olheiras pesando, suspirar e sorrir, assimilando aqueles quatro dias e esperando o cafezinho chegar. Até que chega o tal do café e me oferecem açúcar ou adoçante: “Non gracias!”, respondo no meu espanhol tosco, “Eu não adoço!”, o que causa uma careta no garçom e me faz pensar: liberdade, amigo, é escolher não adoçar, porque de doce basta a vida!

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Cristina Hélcias
CRÔNICAS

Relatos de uma vida pelo mundo e pitacos de uma personal stylist .