um lampejo; uma centelha

mark cardoso
CRÔNICAS
Published in
3 min readJan 1, 2017

30.12 ~ 21h36 BRA / 3h36+1 ITA

— o devir —

O mostrador diz que estou a 6.000 km da escala ibérica, antes do destino final. Pelo mapa, cruzaremos Teresina logo mais. Daí, adentraremos o Atlântico, e já espero pelas clássicas turbulências ao passar pela Linha do Equador.
O jantar acabou de se finalizar, servido após eu ler algumas páginas iniciais de um livro que comprei para as pesquisas do mestrado que se iniciam no ano que já vem lá. E é sobre ele que eu quero falar…

Passava um filme bobo — nacional, inclusive (Denise Fraga, te adoro!) — quando dei aquela golada final no vinho branco que me foi servido em copo plástico. Com o “sobe som” no roteiro do filme, a música da trilha me levou para uns pensamentos bons e leves — que é o resumo, em duas palavras, de TUDO o que eu desejo para o 2017: coisas boas e leveza (por favor!). Eu não pude evitar, portanto, de sacar o computador da mochila e escrever esse registro. Esses votos, sei lá.

No pôr-do-sol de um 30 de dezembro, me vi, então, a caminho de Roma, enfim. A capital de um país que eu adoro, no qual já estive por duas vezes, mas nunca lá, no palco do Coliseu, do Vaticano, daquela gente italiana bonita que jura que é carioca no meio do Mediterrâneo, ma che!

Fui tomado por um sentimento talvez tolo, talvez simplesmente esperançoso (parece que tenho conseguido voltar a ser), de quem sabe que algo bom está para acontecer — o devir: de índio velho que prevê a passagem da manada com filhotes; de sertanejo, na secura do interior de um Pernambuco ou de um Rio Grande do Norte, que sorri ao levantar da cadeira de balanço, no alpendre da casa, por sentir cheiro de chuva a caminho; de mãe que vê os tracinhos no teste do xixi; de mãe que, de súbito, sente que a bolsa vai estourar; de filho que lê seu próprio nome na lista de aprovação do vestibular; de filho que vê o pai sorrir com seu gol; de gente que sai da sala de desembarque e sabe que vai encontrar ali, esperando, alguém de quem gosta; de quem vê a primeira neve da temporada em Nova York; de quem vê a primeira chuva da temporada em Brasília.

Pode ser fantasia e pura tolice. Pode ser fantasia, sim…
Mas fato é que sinto os pêlos eriçados, até agora, por essa sensação. Um prenúncio de ano bom, de virada, de retomada nos trilhos, de astronave se preparando para a reentrância na atmosfera. Atmosfera essa, inclusive, que contempla uma enorme satisfação pessoal de ter puxado o leme com gosto e causado aquela guinada de 180º na nau — e você sabe: não há guinada como tal que não derrube, aqui e ali, alguns dos marinheiros do convés. E esse leme, parece, me trouxe ao porto que eu desejava, quando me vi em meio à tempestade: ser dono do meu tempo, retomar os estudos, encontrar alguém com quem seja possível alguma troca e conexão — entre tanta gente chata, sem nenhuma graça.
Tive audácia e coragem, capitão! E colhi, sim, o sofrimento que, inevitavelmente, emana e brota do chão quando se entende que é melhor mudar o status quo.
Mas agora, “tá tudo bem”.

Nesse recorte de 360 e tantos dias que se encerrou, eu me propus a sentir. E foram várias as experiências: choro, cicatrizações, ansiedade, medos, sensibilidade e sensitividade, chegadas, partidas, mais medos, hiperconsciência, exageros, prazeres, tesão até no último fio de cabelo…

E contra tantos medos, usei o entendimento de que cada novo começo não é a fatal chance de repetir erros e traumas, mas a oportunidade de fazer melhor — soa bobo e auto-ajuda, eu sei… mas quem é que vive sem clichês, quando a água bate na bunda?

No mostrador, vejo o aviãozinho cruzando o Equador, bem agora, e a sensação é de linha de chegada, sabe?

É meio naive acreditar que o romper de um novo ano fará tudo novo de novo — eu também acho. Mas as cartas estão na mesa. É só termos os colhões necessários aos apostadores.

Comer, Rezar e ‘Amar’, em Roma, servirá de rito de passagem (e eu adoro ritos de passagem). Isso, em alguém que quer voltar de lá novo e pronto pra o que estiver por vir.

--

--

mark cardoso
CRÔNICAS

“As mais belas historias têm começo, medo e sim” ~ literatura, branding, psicanálise e palavras. Autor de "Posta-Restante": www.postarestante.com.br