Urbanismos

Anderson Carvalho
CRÔNICAS
Published in
3 min readJul 30, 2017

Paredes de vidro, lâmpadas brancas e o contraste delicado da arquitetura moderna com o lusco fusco do fim do dia. O céu em degradê, do vermelho do sol ao violeta da noite, antecedendo a escuridão do espaço pontilhado de estrelas em combustão, queimando o próprio núcleo e se extinguindo na ópera infinita dos dias.

Ventos sopram as nuvens para a vastidão dos oceanos e o céu de Porto Alegre adquire uma textura lisa e suave que emoldura nossas confusões. Passam os carros no sinal vermelho, passam os ônibus buzinando, passam pessoas apressadas para chegar em casa. Elas brotam de prédios mudos, caminham sob as árvores que resistem ao inverno e não percebem os gatos deslizando silenciosos por cima dos muros, por entre grades e cercas elétricas.

Um filme sem trilha sonora, coalhado de coadjuvantes entrando e saindo de fábricas, protagonistas sem roteiro anestesiados por químicas sintetizadas usam óculos escuros para esconder o vácuo da íris e o vazio da alma enquanto esperam alguma ordem do diretor. Todos almejam o prêmio da academia, o reconhecimento dos pares e dos ímpares, ou pelo menos um pouco de atenção. A vida vivida na esperança que a vida, de uma hora para a outra, comece a dar sinais de vida.

Ecoa pela avenida a sirene histérica. Rostos se viram em direção ao barulho na esperança de uma ambulância, um paramédico, um desfibrilador. Outros em paranoia temem que seja a polícia, o senso comum, a lei e seu toque de recolher para os desajustados, pronta para transformá-los em sabonetes e detergentes que vão limpar todos esses nomes impressos em muros feitos para ser monocromáticos.

Vem a noite de mãos dadas com a lua minguante, a neblina se instala e a madrugada se desenrola sem pressa. Com os raios de sol soam os alarmes, de casas fechadas saem seres sonolentos. Olhos semi abertos e ônibus lotados. Correm por entre currais de concreto e asfalto para chegar onde não querem estar.

Café preto e fofocas. Alguém nasce, alguém casa, alguém é demitido, alguém morre e alguém some no mundo. Os políticos vão fazer promessas, juízes em transe psicografam a decisão de quem viverá com decência e quem serão as ratazanas forçadas a viver em celas imundas em nome de uma justiça cega. E surda. E muda. O mundo segue firme e cortejando o sol enquanto os filósofos se isolam nos próprios raciocínios acerca de perguntas sem resposta e os artistas são chamados de lunáticos.

Porto Alegre e sua gente. As cidades e suas criaturas. Uma ficção tão longa quanto o tempo. Um palco tão grande quanto o planeta. Ensaiamos sem parar protegidos pela cortina de estrelas e cometas. Nenhum ruído na plateia, nenhuma ideia do que está do lado de lá. Cada um de nós transbordando de ansiedade e tremendo de medo que chegue o dia da estreia. Crianças envelhecidas fazendo amizades com monstros embaixo das camas.

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