Esse texto passa rápido.

Dinho Lima
crónicas sem vista para o mar
2 min readJul 4, 2020

O pior nisso dos anos é que eles passam.
Os melhores cães morrem antes das piores pessoas.
Os filhos começam a andar, perdem os dentes, ganham pentelhos e começam a pagar contas — as deles.
Tudo está sempre mais caro; até o jornal, que tem ficado mais fino.
Gente é sempre mais grossa: nada de bom dia.
Já é dia. Nem dormi. Trabalhei a noite toda.
Preciso pagar as contas. São mais contas e menos dinheiro.
São só 24 horas. São menos os anos que me restam. Comemoro, mas perco sempre mais um ano. Se não comemoro, perco na mesma, aqueles 365 dias. Aliás; há anos em que nos dão um dia a mais para perder; então o perco.
Perco mais tempo nas filas. Há mais tecnologia, é verdade. Dizem que há lugares que já não contratam balconista. Não há filas, portanto. Mas aqui há. Talvez as pessoas não lidem bem com os códigos dos produtos. Melhor acabar com as pessoas. Pensando bem, melhor não. Melhor acabar com os códigos, ou com os produtos. Esses produtos ainda vão acabar com as pessoas. Há mais produtos, sempre. E mais códigos.
Tenho de lembrar da password para entrar no website. Tenho de lembrar que passoword é o mesmo que palavra-passe. E palavra-passe é o mesmo que senha. Tem coisa que é diferente, em cada lugar. Os jovens são todos iguais. Não são, mas eu acho. Talvez eu não os entenda.
Há uma porção de coisas que eu não entendo. Tem gente que entende de tudo. Comentam em tudo o que é notícia. Lembram de todas as passwords, palavras-passe, senhas. Eles têm todos os apps; deve ser isso. Eles vêem o Tik-Tok. Eu só leio. Leio Borges. É coisa velha. Até o nome é velho: Borges. Que burro, esse Borges: não sabe nada do Tik-Tok. Aposto que tem poucos seguidores. Devem pensar. Isso eu até entendo: livro demora, o Tik-Tok passa rápido. Bem rápido. Como passam os anos.

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