Como o fascismo compreende a linguagem?

Emerson Teixeira L
Cronologia do Acaso
5 min readJun 7, 2020

Esse artigo visa uma contribuição ao entendimento da linguagem como fator crucial para o desenvolvimento do fascismo, talvez o mais problemático quando comparado com a urgência de informações na contemporaneidade e, principalmente, confusão sobre a diferença entre informação e conhecimento. Será feito, por meio de uma inspiração direta do livro “Como funciona o fascismo?”, um início de uma discussão sobre a linguagem como elemento para questionarmos em meio a uma devastação social que passa, sobretudo, pelos desencontros de diálogos, onde o ser humano — estritamente ligado ao medo e ao ódio — passa a acreditar no que quer, se abstendo de qualquer ciência em troca de valores enraizados com as emoções, embora muito válidas no campo artístico, quando unimos emoções puras à política transformamos o palco da democracia em uma plataforma de demagogos que, por meio dela, desestruturaram sua máxima virtude.

No livro “A República” de Platão, Sócrates argumenta que as pessoas, não por acaso, se direcionam a um autogoverno, guiados por uma psicologia vinda da fragilidade, por sentimentos curados, ilusoriamente, pela procura de um líder forte. Diz ainda que “a democracia abre espaços para que um homem desponte como símbolo de proteção, usando a demagogia”.

O ressentimento, o medo, a amargura e ignorância são as portas de entradas para movimentos quase tão naturais quanto a luz do sol, a democracia não opera em estado nato, é uma dialética contínua entre o indivíduo e sua realidade, desde que os fatos não sejam trocados subliminarmente justamente por quem um dia assegurou a confiança do seu povo. Confiança e esperança não podem significar valores próximos à religião quando diz respeito ao âmbito político, tem mais a ver com a prática do que com a inércia; na política nada se figura imóvel, não basta apenas um voto e “deixa que siga”. A história não é cíclica, mas há algo cíclico que facilita o seu entendimento.

O homem forte, usado como escudo de um conjunto movido por medo, ódio e, muitas vezes, fome, sobe ao poder, por ele negligência justamente o sistema que o permitiu despontar: a democracia; ele assume a sua tirania. Ainda em “A República” é dito que “a democracia é um sistema autodestrutivo, cujos ideais levam a sua própria destruição”. Portanto ela é fadada ao fracasso? evidentemente não, mas democracia montada no lombo do anti-intelectualismo gera exatamente uma superfície fascista — vide símbolo forte e inabalável.

A educação fora muito usada durante regimes fascistas, o espaço acadêmico regido para enaltecer valores e compreensões que cabem aos interesses do governo, reforçando seus ideais hierárquicos, pois no fascismo a liberdade é trocada por classificações. Mas mais do que a educação — anti-intelectualismo operado dentro da maior instituição de poder social — o fascismo adora e necessita compreender a linguagem como elemento crucial para o seu desenvolvimento. É tão somente através dela que símbolos inabaláveis rejeitam a ideia do diálogo com a intelectualidade e procuram justamente o imediato, as emoções.

Em “A Linguagem do Terceiro Reich” é estudado o capítulo da obra Mein Kampf — escrito por Hitler — onde o autor se dedica a escrever a sua visão sobre a propaganda. Reflete sobre a urgência em transmitir uma ideia que se adapte ao nível intelectual do menos favorecido dentre os quais a que se destina o recado. A linguagem é popular, desse modo, compreendendo que você deve atingir o que tem mais dificuldade de compreensão da realidade e, com o mesmo recado, afetar as outras camadas com um discurso certeiro, mas acima de qualquer coisa, simples. Simples não na ideia, mas na forma, é sabido que Hitler possuía um apreço por slogans de modo que registrava as frases principais para fisgar a atenção do povo ou descartar a possibilidade de questionar.

“Brasil acima de todos e Deus acima de tudo”

Pra Frente, Brasil

Brasil, ame-o ou deixe-o

Tirando a primeira frase, que possui impasses religiosos, as outras duas parecem extremamente dóceis em uma visualização rápida, despida de entendimento da realidade e do passado, todos nós, brasileiros, que amamos nosso país, queremos que o Brasil ande para frente. Mas se colocarmos todas elas dentro do contexto que foram e são utilizadas, simples frases em partes inocentes passam a significar um perigo imenso para o tecido social.

O objetivo da propaganda fascista é bloquear qualquer possibilidade do debate público, “o sentido central da oratória não é convencer o seu intelecto, mas influenciar a sua vontade”.

Tenho que articular essas reflexões de modo que não elitizem mais seus significados, pois esses conceitos atravessam a sociedade e afetam drasticamente qualquer indivíduo, independente da sua classe social. É mania de professor buscar três ou cinco formas diferentes para se dizer a mesma coisa, mas é fundamental descartar urgentemente o erro de confundir a linguagem simples com estupidez. Steve Bannon direcionou a campanha do Trump sob essa demanda da comunicação, lidando de maneira suja com as redes sociais, disseminando mentiras, e esse mesmo homem esteve próximo de figuras centrais do atual governo do Brasil.

Os jornais anunciam tudo. Verdades, mentiras, dados sem comprovação, movimentos e atitudes como fatos isolados, descontextualizando o jogo sujo da politica, enfim, basta uma notícia vender que estará sendo exposta por alguém. É papel do jornalismo propagar, ainda que em uma democracia doente, a mente por traz dela possui o campo aberto para jogar de todos os modos, usando as notícias para fins próprios. Diz um dos mandamentos dos historiadores, que aquele que não diz a história tal como ela é, comete o erro de transformar história em propaganda. Penso que jornalismo que se distancia do seu criador, a verdade total, vestiu o uniforme do monstro domesticado pelo fascismo ao longo dos anos.

A notícia pura seja do que for e como quer que seja dito, é atraente, o problema é que incute no receptor — povo — a banalização dos fatos, onde ele se apega ao atraente a sua posição e fragilidade psicológica, descartando a perspectiva total dos fatos, a ciência, para compreender a vida e o outro como ele desejaria. É no meio de uma pandemia que percebemos isso, visto que muitos propagam justamente contra os seus principais princípios, chegando ao cúmulo de descuidar-se de si de modo que agrida o outro, ora, são valores Cristãos sendo deturpado por Cristãos.

Nesse aspecto, sinto-me encorajado a expressar esse recorte sobre linguagem e como fora e é compreendido pelo fascismo, pois de maneira imperceptível o usam como elemento transformador da sociedade, enquanto a oposição se prepara para o embate com falta de inteligência. É necessário, antes de tentar mudar, perceber-se como errante e frágil enquanto comunicador, até o ambiente acadêmico está deslocado de onde o povo está, nas escolas públicas, nas praças, todos esses lugares se encontram gente de verdade, cujos sofrimentos são transmitidos nas estatísticas, mas essas almas estão cansadas de significarem apenas números; por inocência esperam o diálogo mas servem como receptores; de um lado a notícia surge sem contexto, por interesses dos barões, enquanto o movimento de luta elitiza o diálogo. Enquanto nós conversamos coisas importantes com o nosso clube já formado, o fascismo devora a benevolência em base às frases que provocam não o intelecto, mas o seu desejo enquanto vítima.

Referências

PLATÃO. A República. [S. l.]: Martin Claret, 2011. 320 p. ISBN 8572323987.

STANLEY, Jason. Como funciona o Fascismo: A Política do “Nós” e “Eles”. [S. l.]: L&PM, 2018. 208 p. ISBN 9788525438201.

KLEMPERER, Victor. LTI — A Linguagem do Terceiro Reich. [S. l.]: Contraponto, 2009. 425 p. ISBN 9788578660161.

--

--