A crise do maior crowdfunding recorrente do Brasil e o relacionamento apoiador e realizador

Felipe Caruso
Crowdfunding Brasil
4 min readApr 1, 2016
Hangout de prestação de contas do Jogabilidade

A relação entre apoiador e realizador de um projeto de crowdfunding de recompensa é um dos pontos mais importantes do modelo. Apesar de não haver uma regulamentação que descaracterize a relação de consumo, as plataformas são unânimes em afirmar que não são uma loja, e sim o ponto de encontro para uma nova maneira de fazer ideias acontecerem, como no clássico post “Kickstarter is not a store”. Como costumo dizer nas oficinas, ao apoiar um projeto de financiamento coletivo, você está colocando seu dinheiro numa ideia. E entre a ideia e sua realização estão todos os problemas que a realidade é capaz de gerar, o que tende ao infinito.

Essa semana o maior crowdfunding recorrente do Brasil sofreu uma crise justamente por conta dessa relação. Criado em 2011, o Jogabilidade é um blog que produz conteúdo em áudio e vídeo sobre videogame. Há sete meses, eles criaram um Patreon para tentar realizar o sonho de morarem juntos na mesma casa e viverem do site.

Em sete meses, eles se tornaram a maior arrecadação de um financiamento coletivo recorrente no Brasil, com mais de 460 apoiadores e quase R$ 10 mil por mês, um raro caso de sucesso nesse modelo ainda incipiente no país. Para convencer tantos fãs a se juntarem ao sonho, prometeram mais do que duplicar a produção de vídeos e podcasts do site.

Nesse período, entre fazer a campanha do Patreon, manter a produção de conteúdo, encontrarem uma casa e se mudarem, foram prometidas 85 entregas de conteúdo, mas 66 foram de fato realizadas.

“Já é muito melhor do que era antes, cerca de três vezes mais do que a gente entregava, mas é menos do que a gente prometeu. E esse ponto é o maior problema que a gente teve. Na época da campanha, a gente tinha esperança de que fosse muito mais fácil.”, Rick Dias, um dos criadores do Jogabilidade.

O atraso na entrega está longe de ser uma exclusividade do Jogabilidade. Apesar de apenas 9% dos projetos falharem totalmente na entregas das recompensas, segundo estudo da Universidade da Pensivâlnia publicado no blog do Kickstarter, 75% das 48.500 campanhas analisadas em outra pesquisa da mesma instituição entregaram as contrapartidas depois do previsto.

A pequena e compreensível falha na entrega levou alguns apoiadores a questionarem como o dinheiro estava sendo gasto. A discussão aumentou, textões foram escritos e alguns patronos afirmaram terem deixado a campanha.

O usuário Pedro Kaun criou uma conta aqui no Medium e fez post justificando sua saída e incentivando outros a fazerem o mesmo. O texto é uma cobrança fria de promessas não cumpridas, bem mais próximo da relação de consumidor do que de apoiador de um projeto de crowdfunding. Rick Dias diz que não houve perda de apoiadores na campanha.

“A maioria das nossas metas começavam mesmo depois da mudança, e estamos apenas há dois meses na casa. Falhamos em deixar claro alguns pontos”

Para esclarecer a situação, os rapazes do Jogabilidade fizeram um hangout para prestar contas e apresentar soluções para melhorar as entregas do site, num exemplo de transparência e comunicação que eles mesmos reconhecem que demorou a vir. O vídeo foi bem recebido pela comunidade de apoiadores. No final, Rick faz questão de esclarecer a relação entre apoiadores e realizadores de projetos de crowdfunding e a diferença entre “patrão” e “patrono”, confusão comum em função do nome da plataforma Patreon.

“Patrão está cagando pra você. Ele quer a sua entrega. O patrono é um defensor e acredita no potencial daquilo em que está colocando o dinheiro dele. O objetivo dele não é o produto na hora, mas o crescimento daquilo que ele está investindo. Se você tem esse espírito, fica com a gente. Estamos juntos. Se você não tem esse espírito e levaria a gente pro Procon no atraso de uma entrega, você tem todo o direito de não contribuir.”

Nos três anos de experiência no Catarse e como apoiador de mais de 150 projetos, sei que os apoiadores de um projeto crowdfunding são mais compreensivos do que consumidores na maioria dos casos e que essa compreensão é diretamente proporcional à transparência e comunicação do realizador.

Se algum imprevisto acontecer ou mesmo e você errou a calcular o tempo de produção e entrega de uma recompensa, comunique-se com a sua rede de apoiadores. O pior que você tem a fazer é se esconder e temer a reação da comunidade.

Márcio Sequeira e o Mola / foto: Rodrigo Maia

O Mola, o maior projeto da história do Catarse, foi uma das campanhas mais bem feitas na história do crowdfunding no Brasil. Mesmo arrecadando R$ 600 mil quando a meta era R$50 mil, toda a produção estava sob controle do Márcio Sequeira. Com o aumento da escala do projeto, ele precisou encomendar peças da China. No meio do caminho, o navio pegou fogo e precisou parar para fazer reparos na África do Sul. Márcio imediatamente comunicou aos apoiadores o ocorrido enviando junto uma notícia do incêndio. Felizmente, o contêiner que trazia as peças não foi atingido pelas chamas e foram entregues dentro do prazo.

Imprevistos acontecem. Comunicação e transparência são fundamentais.

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Felipe Caruso
Crowdfunding Brasil

Jornalista, consultor de crowdfunding e capacitor de fluxos. Foi coordenador de comunicação do Catarse e repórter na Folha de S. Paulo