Retrospetiva do crowdfunding no Brasil 2015

Felipe Caruso
Crowdfunding Brasil
8 min readFeb 2, 2016

Um ano de consolidação, novidades e decepções

Intervenção no CoCidade 2015, festival de iniciativas colaborativas em São Paulo

O ano de 2015 foi de consolidação do crowdfunding no Brasil. As plataformas de financiamento coletivo registraram números recordes de projetos e contribuições. Outras recém-surgidas se firmaram, inclusive algumas de nicho. E vimos experimentações com os modelos, nem sempre com bons resultados.

Estimo que somente no ano passado cerca de 25 mil campanhas foram lançadas e que a arrecadação total é algo em torno de R$ 60 milhões. Infelizmente é só uma estimativa porque nem todas as plataformas divulgaram balanços anuais ou não responderam minhas solicitações por dados. Fica aí o desejo de mais transparência das plataformas em 2016, para que possamos acompanhar a evolução do setor. Transparência é fundamental para os projetos de financiamento coletivo. Que as plataformas sigam o exemplo que pregam. Um começo bacana seria ter uma página com os números acessíveis a todos, como fazem Kickstarter e Catarse.

Primeira plataforma de financiamento coletivo para projetos criativos do Brasil, o Catarse teve um crescimento de 41% no número de projeto de 2014 para 2015, passando de 1.140 para 1.609, aumentando a arrecadação em R$ 1 milhão de um ano para o outro, de R$ 12 para R$ 13 milhões. Desse dinheiro, R$ 11,7 milhões (90%) foram para os projetos financiados.

O número de projetos financiados, no entanto, não acompanhou o crescimento do número de projetos. O aumento foi de 28%, de 605 para 775. Esse foi um dos motivos que levou o Catarse abrir o seu escopo de atuação para além dos projetos criativos e receber projetos de causas coletivas e vaquinhas pessoais e a testar o modelo flexível de arrecadação, em que o realizador do projeto fica com o dinheiro arrecadado independentemente de alcançar a meta. Vamos acompanhar os impactos desse movimento por aqui.

A Benfeitoria, uma das plataformas pioneiras do Brasil e aberta para diversos tipos de projetos, dobrou seus números de projetos e arrecadação de um ano para o outro. Em 2014, das 160 campanhas lançadas, 129 alcançaram a meta e levantaram juntas R$ 2,37 milhões. Já em 2015, 309 dos 425 projetos publicados alcançaram a meta e totalizaram R$ 4,53 milhões. Desconsiderando que 27 dos projetos lançados em 2015 e que ainda não terminaram a arrecadação, a taxa de sucesso é de 77%, muito próxima dos 80% do ano anterior. A princípio a plataforma está conseguindo escalar e manter a alta taxa de sucesso, um desafio comum pra quem ganha volume.

A outra plataforma que divulgou seus números de forma transparente foi a Juntos, plataforma para projetos de impacto social com o modelo pague quanto quiser para usar. A arrecadação total mais do que triplicou, saltando de R$ 721 mil para R$ 2,56 milhões. Foram financiados 115 projetos. A plataforma lançou o recurso das submetas de arrecadação, para reduzir as barreiras de quem tem medo de fazer uma campanha tudo ou nada.

Infográfico divulgado pela juntos.com.vc

A Kickante, plataforma de crowdfunding para diversos tipos de projetos e uma das maiores o Brasil, divulgou um balanço resumido de 2015. Foram mais de 18 mil campanhas que arrecadaram juntas R$ 18 milhões de reais. Não há o número de projetos financiados. A plataforma também tem a modalidade flexível e não divulga a porcentagem da divisão dos projetos pelos modelos, o que impede o cálculo de quanto dinheiro de fato chegou à mão dos realizadores.

Considerando que R$ 3,65 milhões foram para os 14 maiores projetos do ano, sobram R$ 14,35 milhões para 18 mil projetos, uma média de R$ 800 arrecadados por campanha. Uma média baixa comparada a arrecadação média de R$ 22,3 mil da Juntos e R$ 8 mil do Catarse.

Desde o começo a plataforma apostou no atacado do crowdfunding e tem conseguido levar o modelo a pessoas que até então não o conheciam. E uma das formas de fazer isso foi na construção de casos de sucesso.

Apesar de pelas regras da plataforma o prazo máximo de campanha ser de 60 dias e de que não é possível estender o prazo, a campanha Santuário Animal teve o prazo prorrogado por diversas vezes, ficou no ar por 5 meses e arrecadou R$ 1 milhão com 15.300 apoiadores.

Depois de ser abandonado por um circo, o Leão Ravi foi transferido para o Santuário Animal. Foto: Biga Pessoa

Mesmo com a arrecadação recorde, a meta de R$ 1,2 milhão não foi atingida. Os realizadores da campanha já declararam que não será possível comprar o terreno pretendido para a mudança do santuário e que “todos os esforços” serão direcionados para encontrar outro local. Aguardamos novidades sobre o maior projeto de crowdfunding do Brasil.

Essa é uma questão importante a ser discutida sobre o crescente modelo flexível de arrecadação no país. O que acontece quando um projeto flexível fica com o dinheiro que arrecadou, mas a quantia não é suficiente para realizar o projeto? É justamente esse problema que o modelo tudo ou nada procura evitar ao estabelecer uma meta mínima para que o dinheiro arrecadado pela campanha seja entregue ao realizador do projeto.

O Vakinha disse que não poderia abrir os números de projetos e arrecadação por causa do contrato de sigilo com investidores.

Surgimento e consolidação de plataformas

O equity crowdfunding, modelo em que as pessoas investem dinheiro em empresas iniciantes em troca de participação societária, também trouxe consolidação e novidades no ano.

Depois da pioneira Broota fazer a primeira campanha de equity crowdfunding para financiar a própria empresa em 2014, foram lançadas na plataforma 14 novas campanhas, que juntas arrecadaram R$ 4,27 milhões, incluindo uma segunda campanha da Broota.

Duas novas plataformas de equity crowdfunding surgiram no Brasil e financiaram uma campanha cada em 2015: Eqseed e StartMeUp. As campanhas levantaram R$ 300 mil cada uma com 38 e 36 investidores respectivamente, uma média de R$ 8.100 por apoiador, muito superior à media de R$ 120 do Catarse. Essa é uma diferença fundamental entre o crowdfunding de doação/recompensa e o equity.

Sistema de automação residencial desenvolvido pela Kokar, primeira empresa financiada na EqSeed

O presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), Leonardo Pereira, declarou que a autarquia vai lançar ainda este ano uma audiência pública com minuta de instrução do equity crowdfunding. Acompanharemos a evolução dessa regulamentação por aqui.

Depois de um pico de lançamentos de plataformas de diversos tipos em 2012 e do fechamento de grande parte delas, vimos em 2015 a sobrevivência de plataformas de nicho. Um dos exemplos é a Bookstart, plataforma de crowdfunding exclusiva para a publicação de livros. Só no ano passado foram 38 projetos financiados, que juntos levantaram R$ 276 mil, média de R$ 7.260 por campanha.

O modelo de negócios de uma plataforma de crowdfunding tradicional é receber uma taxa sobre a arrecadação dos projetos. Quando é uma plataforma exclusiva para um nicho, o volume de projetos fica reduzido e, consequentemente, a arrecadação. A Bookstart tem conseguido superar esse desafio oferecendo outros serviços para os autores, como editoração e distribuição dos livros.

Crowdfunding recorrente

Lançadas no final de 2014 sob grande esperança de empreendedores brasileiros, o desempenho das plataformas de financiamento coletivo recorrente (com contribuições periódicas em vez de pontuais dos apoiadores) foi decepcionante em 2015. Veja os números:

Apoia-se

194 campanhas lançadas — apenas 6 com arrecadação acima de R$ 1.000 por mês e 120 (62%) não levantam nem sequer R$ 1.

Unlock

120 campanhas lançadas — apenas 8 com arrecadação acima de R$ 1.000 por mês e 54 (45%) não levantam nem sequer R$ 1.

Recorrente Benfeitoria

52 campanhas lançadas — 11 campanhas com arrecadação acima de R$ 1.000 por mês e 7 (13%) não levantam nem sequer R$ 1.

Há cinco anos no Brasil, o financiamento coletivo ainda é uma novidade e que precisa construir a confiança no modelo. O financiamento coletivo recorrente, então, tem pouco mais de um ano e traz questões ainda mais profundas na construção da confiança, afinal, o apoiador contribui periodicamente para o projeto. Um projeto nesse modelo exige entregas e um relacionamento constante com apoiadores.

Existem inúmeros casos de realizadores que, depois de terem financiado com sucesso um projeto pontual numa plataforma, tentaram lançar campanhas recorrentes que não alcançaram bons resultados. De quadrinistas reconhecidos como Coala, Ryot e Magra de Ruim a projetos de impacto social como a Escola de Rua e Virando o Jogo.

Curso na sede da Matéria Brasil no Rio de Janeiro

A Matéria Brasil, empresa de design e conhecimento que gera valor através de projetos de impactos sócio ambientais positivos, já fez duas campanhas no Catarse nas quais levantou um total R$ 56.700 com 220 apoiadores em cada uma. Em 2015, lançou sua campanha recorrente na Benfeitoria e hoje levanta R$ 480 por mês com ajuda de 12 apoiadores. Nesse ritmo, seriam necessários 10 anos para alcançar a mesma quantia arrecadada pelas duas outras campanhas.

Existem projetos que fizeram o caminho inverso: saíram do recorrente, foram para o pontual e tiveram sucesso, o que demonstra que não é uma questão do projeto, mas sim do modelo.

O Roupa Livre App, por exemplo, saiu de uma campanha com 9 apoiadores e R$ 316 por mês no Unlock para levantar R$ 25.736 com 305 pessoas no Catarse e financiar o aplicativo para troca de roupas usadas.

É possível que o que de mais interessante que tenha ocorrido no crowdfunding recorrente no Brasil em 2015 tenha sido o lançamento da campanha da própria Benfeitoria. Um financiamento coletivo para financiar uma plataforma de financiamento coletivo é um movimento corajoso e bonito da plataforma, no melhor estilo “walk the talk” ou “coma sua própria comida de cachorro”. Hoje eles arrecadam R$ 5 mil por mês com a colaboração de 140 pessoas. É uma quantia longe de ser suficiente para sustentar a plataforma, mas é um complemento na renda do modelo da empresa de pague quanto quiser para fazer sua campanha. O mais valioso, porém, é a comunidade formada de pessoas engajadas nas decisões da empresa.

O financiamento coletivo recorrente será uma discussão constante aqui no Crowdfunding Brasil, assim como as outras abordadas neste post. Então, não se esqueça de seguir o nosso medium aqui embaixo e de compartilhar esse post.

O que achou do retrospectiva de crowdfunding no Brasil em 2015? Faltou alguma coisa? Comenta aí pra enriquecer a discussão.

--

--

Felipe Caruso
Crowdfunding Brasil

Jornalista, consultor de crowdfunding e capacitor de fluxos. Foi coordenador de comunicação do Catarse e repórter na Folha de S. Paulo