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Alemanha

CEPI - FGV DIREITO SP
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4 min readAug 12, 2021

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Arranjos Internacionais: Regime de Wassenaar

Modelos Regulatórios: Estímulo, Mecanismos Alternativos de Investigação

Introdução

Em 2 de junho de 1999, o governo alemão anunciou uma Política de Criptografia. A política se apoiava em cinco pilares: (i) a livre utilização de criptografia, incluindo a promoção da difusão de criptografia segura na Alemanha; (ii) o esforço do governo para estabelecer um marco legal que assegure a criptografia; (iii) a indispensabilidade do desenvolvimento de produtos seguros e poderosos por desenvolvedores de criptografia; (iv) a não-erosão do poder de interceptação do governo, garantida pelo esforço em melhorar a competência técnica do law-enforcement e de agências de segurança; e, por fim, (v) a valorização da cooperação internacional. Nas décadas seguintes a política se refletiu em pouquíssimas restrições ao uso de criptografia e no investimento em legislação que permitisse a condução de hacking pelas autoridades de investigação. A evolução dessa legislação culminou, em agosto de 2017, no Act to Make Criminal Proceedings More Effective and Practicable (Gesetz zur effektiveren und praxistauglicheren Ausgestaltung des Strafverfahrens), que emendou o código de processo penal para expandir os poderes de government hacking consideravelmente.

Regulação

A Constituição Alemã, em seu artigo 10, define que a privacidade de correspondência e telecomunicações é inviolável, de forma que qualquer restrição deve ser prevista em lei. O Código de Processo Criminal alemão autoriza a interceptação de comunicações em sua seção 100a, mas as cortes alemãs entendem que tal previsão autoriza também a interceptação por meio de invasão técnica ou instalação de software de vigilância em dispositivos sem o conhecimento do usuário, permitindo a coleta de informações antes mesmo da codificação da mensagem. Mais explicitamente, a legislação que regula o Escritório Federal de Investigação Criminal (Federal Office of Criminal Investigation Act) permite que as autoridades de investigação intervenham com meios técnicos em sistemas de tecnologia da informação.

Qualquer interceptação, incluindo a que envolve hacking, precisa ser aprovada por um juiz e deve estar relacionada a investigação de um rol taxativo de crimes previsto no Código de Processo Criminal alemão. A legislação que trata de interceptação não distingue comunicações criptografadas de não criptografadas. Se a comunicação interceptada estiver criptografada, contudo, as autoridades investigativas estão autorizadas a usar de quaisquer meios tecnológicos disponíveis necessários para decodificar a informação. Da mesma forma, se a investigação resultar na descoberta de uma chave que permite a decodificação de uma comunicação, essa chave poderá ser utilizada para esse fim.

Diante dessas prerrogativas das autoridades de investigação, não há qualquer base legal que obrigue ao usuário entregar uma chave criptográfica ou de acesso a uma rede. Esse entendimento provém da aplicação do princípio da não auto-incriminação (nemo tenetur), derivado do Código de Processo Criminal alemão (seção 136, parágrafo 1), que dispõe que um suspeito não pode ser compelido a cooperar em uma investigação que pode o incriminar.

Em agosto de 2017, foi aprovada uma emenda ao Código de Processo Criminal que expandiu os poderes das autoridades investigativas alemãs para government hacking. A legislação permite a instalação de software em dispositivos de suspeitos para a extração de dados (de comunicação ou estáticos) sem seu conhecimento e antes mesmo de ocorrer a codificação por um serviço de comunicação (art. 3, no. 8, § 100a) por diversas agências de segurança (prerrogativa que era restrita às autoridades federais em casos de terrorismo internacional). Comparada a legislação anterior que tratava de interceptação, a nova disposição também aumenta consideravelmente o rol de crimes que podem ser investigados dessa forma, incluindo crimes como lavagem de dinheiro e relacionados a drogas (Id. art. 3, no. 9, § 100b, ¶ 2).

Posicionamento

Tanto as movimentações legislativas recentes quanto o posicionamento explícito do governo alemão indicam uma oposição à restrição do uso da criptografia. Em 2015, a pedido do Escritório do Alto Comissionado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o governo alemão declarou em relatório que a estratégia de segurança informática por ele adotada supõe que o uso de criptografia forte é importante para a segurança de indivíduos e empresas na Internet e que, por isso, deve ser encorajado.

Esse reconhecimento não significa, contudo, uma oposição à vigilância. Ao contrário, o Estado alemão tem se posicionado no sentido de fortalecer as capacidades técnicas das autoridades de investigação, incluindo nesse sentido a possibilidade de instalação não autorizada de software em dispositivos de usuários e outras técnicas de hacking governamental. Além disso, em 2019, oficiais do governo passaram a propor publicamente o uso de tecnologias de client side scanning para viabilizar moderação de conteúdo mesmo em plataformas protegidas por criptografia ponta-a-ponta. Apesar da positivação de tais técnicas trazerem outros debates relacionados à vigilância e à privacidade dos cidadãos e apesar de algumas autoridades questionarem pontualmente a posição consolidada do governo alemão, tudo indica que a Alemanha tem protegido o uso de criptografia segura por usuários e provedores de serviços de telecomunicação.

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