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Canadá

CEPI - FGV DIREITO SP
CryptoMap FGV CEPI
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4 min readAug 12, 2021

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Arranjos Internacionais: Five Eyes; Regime de Wassenaar;

Modelos Regulatórios: Obrigação de Assistência Genérica.

Introdução

Desde 1998, quando o então Ministro da Indústria John Manley expôs a Política Canadense de Criptografia, o Canadá conservou uma postura declarada de rejeição ao enfraquecimento de criptografia forte. Dentre outros pontos, o governo se posicionou historicamente a favor da liberdade de desenvolvimento, importação e uso de qualquer produto de criptografia por cidadãos canadenses e contra a implementação de ordens de requisição de chaves e de regimes de licenciamento de produtos. Recomendou, ainda, que a legislação existente acerca de interceptação e busca e apreensão continuasse a ser aplicada em circunstâncias em que há dados criptografados. Em 2019, contudo, algumas declarações de autoridades governamentais indicaram uma possível mudança para uma postura mais próxima das dos outros países que compõe o Five Eyes, aliança internacional que discute estratégias de vigilância de comunicações.

Regulação

Só há regulação expressa a respeito do uso de criptografia no âmbito do Solicitor General’s Enforcement Standards For Lawful Interception of Telecommunications, documento legal de 1995 que estabelece padrões que as empresas provedoras de serviço de telecomunicação móvel devem seguir se desejam atuar em solo canadense. Dentre os vinte e dois padrões que indicam como as empresas devem configurar seus serviços para facilitar a interceptação pelas autoridades canadenses, um deles, o número 12, estipula que se uma operadora de telecomunicação móvel iniciar a codificação, compressão ou encriptação de tráfico de comunicações, ela deve ser capaz de providenciar essas comunicações interceptadas decodificadas. Essa imposição não se aplica ao uso de criptografia ponta-a-ponta que não é providenciada pela operadora.

Na legislação canadense relativa à investigação, a expressão “lawful access” é utilizada para descrever os poderes governamentais de interceptação de comunicações, busca e apreensão de informação e imposição de ordens de preservação de dados. A Bill C-13 (denominada Protecting Canadians from Online Crime Act), aprovada pelo parlamento em 9 de dezembro de 2014, foi a alteração mais recente da legislação no que tange às possibilidades de lawful access. O projeto em questão modificou o Código Criminal do Canadá para expandir os poderes de interceptação e coleta de dados de comunicação das autoridades policiais e judiciárias no contexto de investigações criminais. A alteração não prevê, contudo, qualquer disposição que regule explicitamente o desenvolvimento, a aplicação ou a utilização de criptografia.

Assim, o Código Criminal Canadense regula em sua parte IV os poderes de monitoramento e interceptação de comunicações privadas por autoridades policiais e judiciárias. Após a aprovação da Bill C-13, o Código passou a prever a possibilidade de as autoridades policiais exigirem de qualquer um, mediante mandato expedido por juiz: a preservação de metadados e dados de comunicação (artigo 487.013), a produção de documentos contendo dados de comunicação ou metadados (artigos 487.014 e 487.016, respectivamente) e busca e apreensão de informações em computadores ou outros dispositivos informáticos (artigo 487).

Embora nenhuma dessas disposições legais obriguem o destinatário da ordem a fornecer os dados de comunicação já decodificados ou a decodificá-los, o Código Criminal do Canadá também prevê a “ordem de assistência” (artigo 487.02). Essa ordem pode ser aplicada por qualquer juiz que expede um mandato previsto no Código Criminal e obriga o destinatário a providenciar assistência considerada necessária para o devido cumprimento do mandado principal. Assim, é possível interpretar esse dispositivo no sentido de que o destinatário da ordem pode ser obrigado a decodificar comunicações interceptadas ou a fornecer chaves de encriptação se isso for necessário para o cumprimento de um mandado de produção de dados de comunicação ou de busca e apreensão.

Posicionamento

Nas últimas duas décadas, uma série de projetos legislativos que buscavam expandir os poderes de interceptação do governo canadense para além dos limites da criptografia foram propostos e rejeitados, indicando a manutenção de uma postura pró criptografia forte. Destacam-se, nesse sentido: a Bill C-74, proposta e rejeitada em 2005, que buscava impor a todos os provedores de serviços de telecomunicações, independentemente da tecnologia utilizada, a obrigação de fornecer às autoridades dados de comunicação decodificados; e a Bill C-30, proposta e rejeitada em 2012, que previa que se uma comunicação interceptada pelas autoridades tivesse sido codificada por um provedor de serviços de telecomunicação, caberia a esse provedor utilizar todos os meios à sua disposição para decodificar as informações coletadas.

Em julho de 2019, os Ministros da Segurança Pública do Canada (Minister of Public Safety), da Austrália, da Nova Zelândia, do Reino Unido e dos EUA emitiram um comunicado após reunião em que afirmavam conjuntamente que as empresas de tecnologia deveriam incluir em seus serviços criptografados mecanismos que permitam o acesso a dados legíveis por autoridades legais. Essa foi a primeira vez em que o representante do Canadá assumiu o posicionamento de seus colegas. Isso pode indicar uma mudança de posicionamento que pode influenciar a adoção de novas regulações nos anos que seguem.

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