Análise: Pescador de Mim, de Neilton Carvalho

Pescador de Mim, Obra de Neilton Carvalho — bico de pena sobre papel Canson

A obra acima foi retirada da exposição “ A Arte é Um Manifesto — 30 anos de Devotos”, do artista Neilton Carvalho, realizada no MAMAM.

É interessante ressaltar o fato de que esta arte também esta presente na capa do álbum ‘Victoria” da banda “Devotos”, da qual participou o próprio Neilton, como guitarrista, e que criou a exposição como um modo de expor sua produção durante o período em que participou da banda.

Capa do album Victoria da banda Devotos.

A escolha da imagem na verdade foi mais focada na prática da análise semiótica do que no sentimento, uma vez que parecia bem minimalista, e foi extremamente interessante desconstruí-la e ver o quanto de significado uma imagem “simples” pode possuir.

Analisando a composição original, somos atraídos a uma figura humanóide, magra, parecendo desnutrida, com uma cabeça de peixe, que lança um anzol de uma fina vara de pesca de bambu. O anzol lançado está preso à boca da figura, a fisgando, enquanto uma trilha de sangue escorre do ferimento pelo lado do rosto e para fora.

O pescador está submerso com água até a cintura em um local que parece um rio ou um mar, e, estando no plano frontal da obra, é a figura mais detalhada da imagem, com linhas e sombras fortes e definidas.

Em contraste com a criatura na frente, quase não se percebe uma cidade atrás, com linhas tracejadas espaçadas e tortuosas, criando quase uma miragem — uma massa sinuosa do que seria uma cidade ao fundo — composta de prédios de diferentes tamanhos e de arquitetura supostamente antiga.

Observado isto, após uma breve pesquisa sobre o autor, nascido em Recife, pode-se tirar de que a área se trata, ou pelo menos lembra, o Recife Antigo, uma região mais marginalizada do Recife — e o mar em que o pescador se encontra poderia remeter ao rio Capibaribe — é interessante ressaltar que a principal atividade dessa região, principalmente das comunidades mais pobres se baseia na pesca, localizada principalmente nesse rio.

Com o traçado grosseiro e mais escuro do plano frontal em contraste com as linhas mais espaçadas e suaves do fundo em conjunto com a ausência de cores traz um destaque ao homem-peixe, que também remete à uma sensação melancólica, solitária, especialmente por este ser a única personagem da obra, quase esquecida, exilado da cidade.

A obra, com seu pescador esquelético, possivelmente remete à essa própria população ribeirinha marginalizada, e sendo a pesca sua única ou mais importante atividade de subsistência, acaba sendo o foco de todo seu esforço, onde essa comunidade investe sua vida toda para poder sobreviver. Sendo assim, a pesca se torna uma parte do que são, sua mais notável identidade, e acaba formando uma cultura própria do povo que ali vive: pescadores da periferia. Sendo até uma forma de arte — como criam e tecem suas redes e como constroem seus barcos, e, ao passar isso para o próximo, acaba virando também parte de sua história. Sua pesca é sua vida, sua identidade, pescador de si.

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