Interpretação do caos

lucas betmann amaral
SEMIÓTICA - Turma 2018.1
3 min readSep 20, 2018

Esta obra faz parta da coleção Oráculo de Arnaldo Antunes, criada entre 1981 e 1982. A peça é uma colagem composta de recortes manuais de jornais e revistas da época. A primeira camada aparenta ser uma capa de uma revista de medicina, com sua borda verde-broto aparecendo do lado esquerdo e superior, e dentro um fundo branco com as figuras de um crânio humano no eixo central na parte direita, figuras de células na parte inferior esquerda e um microscópio na parte inferior direita. A segunda camada é um recorte aparentemente de jornal, devido ao uso da técnica meio-tom que é um método de impressão que simula tons contínuos de imagem, usado em jornais e outdoors devido ao barateamento da impressão. O recorte é preenchido por vários braços levantados com as mãos abertas e suas palmas voltadas para o observador. A terceira e ultima camada é o recorte de um desenho colado no centro e parte inferior da imagem do contorno de uma perna a partir de um pouco acima do joelho, a imagem está de ponta cabeça com o calcanhar voltado para o observador. Na primeira camada existem três “Nãos” recordados, um pequeno e em minúsculo dentro de uma célula no canto inferior esquerdo, outro grande e em caixa alta no canto inferior direito em cima do microscópio, este “Não” tem um ponto final e o último “Não” em tamanho médio e letra minuscula esta no canto superior direito e rotacionado na diagonal, com o N em cima e o O embaixo.

Essa obra foi escolhida devido ao contraste entre os braços meio meio-tom e a perna desenhada com todos os aspectos desses elementos em oposição. Enquanto a perna é desenhada e está de ponta cabeça, as mãos são impressas e estão na orientação normal. Enquanto nos braços as palmas estão viradas para frente, a perna está virada para trás. Existe uma diferença de escala, onde a perna na imagem é bem maior que os braços, também existe uma diferença de quantidade, uma perna para incontáveis braços. A disparidade de clareza também é gritante, o desenho da perna é um traço preto no fundo branco, em contrapartida os braços, devido ao método de impressão meio-tomem preto e branco, parecem se fundir e inclusive o recorte possui partes em que é impossível de reconhecer os membros.

Esses elementos associados aos “Nãos” na periferia da obra gera uma possível interpretação de crítica social. Os braços levantados com palmas das mãos viradas para a frente e abertas geralmente é associado na linguagem corporal como “pare”, representando uma negação, que é verbalizada com os “Nãos”, das massas, devido à amálgama dos membros, onde não é claro ver uma divisão e é apresentado como uma unidade compostas de várias partes parecidas. A perna que está de costas para o observador porém virada de frente para os braços representaria nesta interpretação a classe dominante, que está numa quantidade muito inferior as massas, uma perna para vários braços, que é diferente ou não atende os interesses destas, perna em oposição a braço, e que é bem mais poderosa, diferença de escala. É uma crítica do poder centralizado em poucos e estes governando para muitos porém apenas atendendo aos próprios interesses. Para uma obra construída ainda no período da ditadura militar, onde essa relação de eixos opostos era mais evidente, a sua construção faz total sentido.

Após pesquisas sobre esta coleção, foi descoberto que sua construção foi completamente aleatória e a intenção de Arnaldo era criar um livro onde as pessoas pudessem se consultar, como um oráculo, abrindo em uma página aleatória e aplicando sua própria interpretação sobre aquilo. A construção arbitrária da produção teve o intuito de interferir o minimo possível na interpretação do leitor.

A função dos oráculos é causar uma reflexão e conclusão de uma resposta que já está dentro de quem faz a pergunta, ele trás para o consciente uma informação do subconsciente. Na análise da simbologia dessa produção, o tempo inteiro achei que estava examinando o contexto do momento que a obra foi confeccionada, mas na realidade também estava incluindo meu posicionamento para com a atual conjuntura política. A criação totalmente aleatória me causou uma reflexão e exposição de percepções que já possuo, a crítica que deduzi ser a intencionalidade da produção na verdade era puramente minha.

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