A amizade de J. R. R. Tolkien e C. S. Lewis

Allenylson Ferreira
C. S. Lewis Brasil
Published in
4 min readJun 7, 2019

Sabemos que J. R. R. Tolkien e C. S. Lewis eram grandes amigos. Mas como os dois se conheceram? Em que ocasião? Por qual motivo a amizade nascera e se desenvolvera, a ponto de influenciar grandemente a vida desses dois gigantes do século XX? As respostas podem ser encontradas no livro “J. R. R. Tolkien & C. S. Lewis — O dom da amizade”, de Colin Duriez e lançada por aqui pela Harper Collins.

Para quem é fã dos dois escritores, a presente obra é um prato cheio. É apresentado ao leitor os anos de formação de cada um, antes de ser abordado o grande tema do livro: a amizade de Tolkien e Lewis. A cada seção, ficamos mais encantados. Cada um a seu modo, o poder de influência que exercem sobre os leitores até os dias atuais tem uma razão. Juntos, criticavam o mundo moderno — pós-cristão — e uniram forças, por compartilhar da mesma visão de mundo, para resgatar os antigos valores do Ocidente. Rejeitavam o que era moderno, inclusive a ficção produzida pela maioria dos escritores da época. O espírito da época, afirmavam, enfatizavam muito a originalidade e se esqueciam daqueles valores tão antigos, mas sólidos como uma rocha. O materialismo era algo detestável, embora Lewis compartilhasse dessa visão de mundo vazia de significados. Tolkien foi uma peça-chave para a conversão do amigo. Numa conversa sobre mito e os Evangelhos, em que “Tolkien argumentara a favor dos Evangelhos cristãos na base do amor universal pela história que, para ele, era sacramental.” Anos antes, Lewis já vinha experimentando algumas experiências que o fazia desejar por algo inalcançável. Era aquela alegria que o pegava de surpresa. Seu materialismo foi perdendo força aos poucos. “Nunca tive a experiência de buscar a Deus. Foi o inverso: ele era o caçador (ou assim me pareceu), e eu o cervo. Espreitou-me como um pele-vermelha, mirou infalivelmente e disparou”, relata Lewis. Com a conversão de Lewis, a amizade com Tolkien ganha ainda mais força.

As obras dos grandes amigos eram, posso assim dizer, ancoradas em algo que não perece com a passagem do tempo. Lewis dizia que não se importava com os assuntos da moda e, portanto, não poderia escrever sobre eles. Percebeu o quão era um “esnobe cronológico” e desde então devotou sua atenção e estudo para a literatura Medieval e Renascentista. Tolkien compartilhava da mesma opinião, tanto que sua magnum opus se passa em um período pré-cristão com elementos pagãos, mas que são usados de forma benéfica e que aponta para o verdadeiro Outro. Tolkien amava a língua tanto que criou a sua própria, que usaria no mundo subcriado por ele. Sem o incentivo de Lewis e a disposição para ouvir as histórias da Terra Média, certamente não haveria O Senhor dos Anéis. Lewis era um amigo bastante atencioso, o que Tolkien reconhecia e era grato. Jack, como os amigos e íntimos chamavam Lewis, chegava a chorar ao ouvir o amigo lendo trechos do que ele estava escrevendo. Já para Lewis, Tolkien não era tão receptivo para com sua história de fantasia O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, o que viria a ser uma das sete crônicas do mundo subcriado por Lewis, Nárnia. O livro ainda aborda os anos dos Inklings e o quão importantes eram as reuniões para cada membro do clube de leitura. Eles costumavam ler o que estavam escrevendo e depois ouviam o que os outros achavam sobre suas criações. Também se juntavam para beber, fumar e compartilhar da boa companhia uns dos outros.

Tolkien era católico romano; Lewis, protestante anglicano. Não apenas nesse campo teológico, mas entre os dois havia grandes diferenças. Porém, a amizade era maior que as diferenças. E como todas as grandes amizades, a dos dois tiveram altos e baixos. Houve um esfriamento entre os dois na época em que Lewis casou-se com Joy Davidman — Tolkien tinha opinião contrária em relação ao casamento com pessoas divorciadas. Mas esse esfriamento não apagava os tempos em que se encontravam rotineiramente. Além dos relatos sobre a relação entre os dois amigos, podemos conhecer mais sobre o processo de criação de Tolkien e toda sua vasta mitologia, o que lança mais luz sobre o entendimento das histórias profundas e repletas de símbolos. Lewis não se aprofundara tanto na criação de seus mundos fantásticos, mas é igualmente interessante o processo de criação. Literariamente, Tolkien exercia mais influência sobre Lewis do que o contrário. Mas Tolkien admite que, sem Lewis, ele não conseguiria dar continuidade a sua mitologia.

“O dom da amizade” é riquíssimo em detalhes, o que não caberia numa resenha como esta. Mas ao término da leitura, podemos admirar ainda mais os grandes amigos e gênios da literatura. Ambos despertaram novamente o interesse pelos contos de fadas numa época em que eram destinados apenas para as crianças. Para os dois, os contos de fadas apontavam para uma realidade superior e, portanto, ainda mais verdadeira. Despertar aquele anseio e consolo, o que se chama de numinoso, era o cerne de suas obras. E tudo apontava para Cristo, perceberam. Até mesmo os mitos e lendas pagãos. Pois em Cristo o mito se torna fato. Mito, aqui, não tem o significado moderno. Mas mito como definição em termos de corporificação da visão de um povo ou cultura, possuindo assim um importante elemento de crença. Ou seja, a crença em um salvador que nos reconciliaria a Deus tornou-se fato em Cristo Jesus, pois o mito — a crença — casou-se com o fato — Jesus como homem no espaço-tempo da História.

J. R. R. Tolkien e C. S. Lewis: O dom da Amizade, Colin Duriez, 304 p., Harper Collins, 2018.

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