Malcolm, estou respondendo suas cartas sobre a oração…

Allenylson Ferreira
C. S. Lewis Brasil
Published in
4 min readJun 9, 2019

Os livros sobre a oração costumam atrair a atenção dos cristãos. O tema “oração” ainda é suscetível a dúvidas e a eficácia dela costuma ser entendida de várias maneiras. Mas de uma coisa estamos certos. A oração é uma disciplina importante na vida diária do cristão. E tratando desse tema tão sensível, C. S. Lewis escreveu 21 cartas para um amigo fictício — sendo o C. S. Lewis das cartas também fictício[?]. E a Thomas Nelson Brasil, numa edição lindíssima em capa dura e com notas de apoio, lançou no último mês o “Cartas a Malcolm”.

As cartas são escritas de forma bem acessível, ao costume de suas obras mais populares. Porém, se engana quem pensa que vai encontrar facilidades pelo caminho. O leitor que tem alguma ideia sobre a oração, o que todos temos, vai se deparar com argumentos que o farão repensar sobre sua vida de e seu entendimento da oração. Na primeira carta, o assunto é sobre a liturgia — o contexto é o culto anglicano. Será que deveríamos inovar no culto? Tornar mais acessível a linguagem do culto e do Livro de Oração Comum. Lewis objeta, pois vê que as novidades não podem ser implementadas abruptamente. Pois elas costumam tirar a atenção do foco do culto, que é o próprio Deus. Ele segue com seu argumento e diz que “Novidade, simplesmente como tal, pode ter apenas um valor de entretenimento. E eles não vão à igreja para se divertir.” Segue-se, então, o tema essencial que perpassa todas as cartas: a oração. E o foco recai sobre o LOC, sobre se deveriam trocar algumas expressões, ou o que elas significavam, ou a eficácia delas. Mas como não estamos habituados com o Livro de Oração Comum, o entendimento sobre o que os amigos estão conversando pode ser complicado. Mas nada muito complicado, pois o essencial dá para extrair.

Seguindo, Lewis responde a várias dúvidas e comentários do seu amigo Malcolm. Como, por exemplo, sobre a posição em que devemos orar. Lewis mesmo relata sua experiência: “Meu plano, quando estou sob muita pressão, é aproveitar qualquer tempo e usá-lo, por mais inadequado que seja, de preferência ao último momento da vigília. Em um dia de viagem — com, talvez, alguma reunião desagradável no final –, prefiro orar sentado em um trem lotado do que adiar até a meia-noite, quando chegarei a um quarto de hotel com dor de cabeça, garganta seca e a mente em parte em um estupor e em parte em um turbilhão. Em outros dias, um pouco menos agitados, um banco em um parque ou uma rua secundária onde se pode andar de um lado para o outro já servem.” Temos muito uma ideia fixada em mente de que a oração, para ser realmente eficaz, tem que ser feita de joelhos. Mas do que adiantaria orar ajoelhado se a mente estivesse totalmente distraída, pensando em tudo ao mesmo tempo? Deus se importa mais com a nossa posição física do que com a atenção que lhe devotamos? Outro assunto muito discutido nas cartas é sobre a oração peticionária e a devocional. Por que orar se Deus já sabe do que precisamos? Lewis dá um exemplo, conhecido por todos que, se não resolve a questão, ao menos cala aqueles que pensam assim.

Cristo passou pelo mesmo. Ele sabia que a vontade do Pai seria feita, mas orou para que o cálice lhe fosse afastado. “Não a minha, mas a Tua vontade seja feita”. Se o Homem perfeito dirigiu uma petição ao Pai, mesmo já sabendo da resposta, por que deveríamos pensar que não deveríamos orar já que o nosso Pai sabe de todas as nossas necessidades? Temos que orar mesmo assim. Mesmo sabendo que Ele já conhece o que vamos pedir, temos que pedir. Foi nos dito para assim fazermos e, portanto, devemos fazer. O obedecer é melhor que o sacrificar.

Alguns pontos polêmicos também são tratados aqui, tais como a devoção aos santos e a oração para os mortos. Lewis deixa claro que sua crença no Purgatório não é naquele purgatório em que os romanistas acreditam, uma espécie de tormento pré-Paraíso. Mas sim como se fosse um estado em que os que morreram salvos seriam purificados [de todas as suas impurezas] e transformados para poder gozar do Céu. Mas é um ponto que devo me abster. Leiam o livro e tirem suas conclusões! O livro trata sobre várias questões relacionadas à oração, desde os mais simples até os mais complexos, até sobre a ressurreição do corpo, novos céus e nova terra, o mundo como algo que ainda está para florescer, a alegria e os prazeres, e uma frase muito boa sobre a alegria é que “A alegria é coisa séria no céu.”

A última carta despertou em mim algo sublime. Não sei bem o que aconteceu comigo, mas pode ter sido uma daqueles momentos em que a Alegria se escapa pelos dedos. Pensar naquele delicioso momento em que seremos como Ele é e revermos nossos amigos, parentes, e recebermos deles um sorriso de reconhecimento…

Cartas a Malcolm, C. S. Lewis, 176p., Thomas Nelson Brasil, 2019.

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