Contribuições do CTMA para a saúde do campo

CTMA tramas e tessituras
CTMA: tramas e tessituras
6 min readMay 9, 2017

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Pistas para implementação da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas

Como já destacamos antes, ao longo de todo o CTMA, a própria construção do Curso e as inúmeras articulações e imersões em diferentes territórios representam na prática o esforço de implementação da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas. A coerência deste processo está justamente em uma construção que é território-centrada, que não fica presa à lógica setorial institucionalizada.
Nesse sentido, é bom que lembremos: o CTMA não foi criado para responder a nenhuma demanda de emprego com ofertas de vagas não ocupadas. O/a Técnico em Meio Ambiente não é reconhecido, de uma forma geral, enquanto um profissional da saúde.

A formação técnica de que estamos tratando aqui e em todos os Fascículos de sistematização do CTMA responde a uma primeira reivindicação histórica dos grupos populares do direito a uma educação de qualidade que lhes permita se apropriarem do conhecimento e qualificarem as ações dos próprios movimentos sociais (ou de suas comunidades) em situações de exigências de ações do Estado onde questões técnicas são debatidas.
Sobre a capacitação técnica dos movimentos sociais, Victor Valla/2003 nos ajuda a refletir:

“Será que a universidade brasileira prepara os futuros profissionais que vão lidar com as chamadas questões técnicas de um ponto de vista popular? As disciplinas trabalhadas dentro da universidade incluem essa perspectiva? Um bom exemplo é a demanda popular por saneamento básico: uma coisa é você ensinar saneamento básico dentro da universidade e outra questão é você trabalhar este tema do ponto de vista das classes populares. Então, a proposta da capacitação técnica pressupõe a possibilidade dos movimentos populares organizados terem acesso às questões técnicas que são necessárias para poder dialogar com o Estado”.

Ao incorporar, então, o Método Pedagógico do MST da formação do sujeito Sem Terra, e buscar a integração curricular no Método Pedagógico do CTMA, buscamos, mais que a formação técnica, a formação de um/a técnico/a comprometido com as lutas populares. A Politecnia ganha radicalidade nesse encontro, simplesmente por assumir na sociedade de classes a perspectiva dos grupos oprimidos — e, nesse sentido, de construir com o povo. Pensar e agir de forma comprometida com a emancipação humana não é qualquer desafio na sociedade atual, uma vez que todos os/as envolvidos/as se formam nessa experiência — que também pode trazer elementos importantes para o ambicioso (no bom sentido da palavra) projeto de educação do MST.

A falta de intencionalidade direta de formar profissionais para atuar no Sistema Único de Saúde/SUS ou em alguma outra política pública, não retira a possibilidade ou diminui a contribuição que este/a Técnico/a pode trazer ocupando postos de trabalho no Estado. Pelo contrário, temos clareza que os/as Técnicos/as em Meio Ambiente formados nesta experiência têm condições de atuar tanto na atenção primária em saúde quanto em diferentes áreas da vigilância em saúde. Além do SUS, a ATER é um outro campo de atuação onde o TMA pode trazer importante contribuição. Integrar grupos interdisciplinares (ATER, SUS e até Educação), efetivando a intersetorialidade em territórios de Reforma Agrária, é uma tarefa estratégica que o TMA também pode desenvolver, enquanto um/a mediador/a e articulador/a de saberes e práticas.

Esperamos que esta sistematização da experiência pedagógica do CTMA possa contribuir para se pensar outras estratégias de formação em Saúde do Campo. Não temos dúvidas que desta formação há elementos que podem ser considerados em cursos técnicos de Agentes Comunitários de Saúde que forem atuar em áreas de Reforma Agrária, por exemplo. Mas precisamos ir além: é necessário que se abra um grande debate sobre as estratégias de implementação do SUS nos territórios onde vivem os Povos do Campo, da Floresta e das Águas.

A questão que se coloca é: é sensato seguirmos com a mesma equipe mínima de implementação da Estratégia de Saúde da Família nesses territórios, em um país continental como o Brasil? Ou, ainda: Devemos seguir concentrando praticamente todos os investimentos de avanço do SUS “para” o campo na expansão da oferta de assistência médica? Isso nos permite avançar na construção do SUS enquanto projeto civilizatório?
Sem dúvida, o acesso aos cuidados médicos é demanda reprimida dessas populações, mas aqui estamos provocando a reflexão sobre a indução de uma política médico-centrada em detrimento daquela reivindicada — e que tem o território como centro das ações-reflexões-ações.

A(s) juventude(s) do campo querem estudar e desejam ficar no campo. Porque não criar dispositivos de implementação do SUS no campo envolvendo os/as jovens que vivem nos territórios? Não se trata de abandonar os investimentos em acesso à assistência médica, mas de investir de forma consistente em outros dispositivos que permitam que outros atores/sujeitos sociais entrem na arena de construção da Saúde do Campo.
A promoção da Saúde do Campo passa pelo avanço da agroecologia — precisa haver estratégias claras para que o SUS contribua com essa construção. O/a Técnico em Meio Ambiente pode contribuir nesse projeto — e foi nessa perspectiva que o CTMA foi desenvolvido.

É com este propósito — de qualificar a experiência metodológica e curricular do CTMA e iluminar novos horizontes de sentido para a Educação e Saúde do Campo — que encerramos este Fascículo 3. Se nesta descrição do Método Pedagógico do CTMA que acabamos de percorrer nossa preocupação central foi a de apresentar e detalhar o “coração epistêmico e metodológico” do Curso, o qual permitiu com que as várias estratégias pedagógicas e o encontro de diferentes métodos fizessem sentido numa proposta de currículo integrado, o leitor e a leitora, a partir de agora, nos próximos Fascículos será conduzido para um mergulho mais intenso no vivido, na experiência vivida, nos espaços concretamente construídos no percurso formativo por cada Técnico/a na sua relação com o território e com a produção dos saberes.

Com o encerramento deste Fascículo 3 — que somado aos Fascículos 1 (O Curso) e Fascículo 2 (A Gestão) formaram os pilares de sustentação desta formação — finaliza-se, também, uma importante etapa de análise dos contornos e aspectos políticos, administrativos, financeiros, pedagógicos e organizativos que nortearam a construção do Curso para, deste modo, abrir outras perspectivas de perceber e compreender o que estamos tentando comunicar desta rica experiência. Doravante — com os Fascículos 4 (Territórios) e Fascículo 5 (Saberes) — propomos contar esta experiência através de uma narrativa mais sensível, mais diversa, ilustrada e experimentada em diferentes formas, em diferentes lugares, a qual buscará demonstrar por meio de diferentes linguagens e registros (fotográficos, cartográficos) os processos de aprendizagem e a própria experiência pedagógica.

Para isso, faremos novas imersões, em materiais outros do mesmo processo, nos TCCs, nos relatórios de estágio, nos registros estéticos e nas vivências de integração curricular, apresentando uma estrutura multitemporal e espacial das experiências vividas no percurso do CTMA.

Com esses cinco Fascículos contamos, assim, um pouco do que foi o CTMA. No site do projeto esses materiais estão disponíveis, assim como também estão os trabalhos de conclusão de curso/TCCs dos 55 Técnicos/as em Meio Ambiente, relatórios do projeto, arquivo de imagens, entre outros materiais. Visite o site www.saudedocampo.epsjv.fiocruz.br — e compartilhe dessa experiência de modo a torná-la o mais coletiva possível, não como receita mas como referência dos possíveis existentes na articulação entre a(s) juventude(s), a educação e a saúde do campo.

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