Uma geografia da vida

CTMA tramas e tessituras
CTMA: tramas e tessituras
4 min readMay 9, 2017

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Esta é uma história de lugares. De territórios. De movimentos.
De pessoas que caminharam para estudar, refazendo sua geografia de vida.

É, inclusive, uma história que se repete quando falamos das juventudes do campo: uma geração “de muitas complexidades” situada no movimento de nosso tempo.

Por isso entrar neste fascículo que aborda a relação com os territórios é lembrar que os passos em direção a esta história foram dados de muitos lugares e/ou situações: no sol, na chuva, na seca, no calor e no frio; nos vales, nas planícies, nos mares, nas matas e trilhas.

Esses passos, assim como as trajetórias das jovens pessoas que os deram, passaram por estradas de asfalto e de terra, de carro, de ônibus ou de pau de arara, passaram por rodoviárias ou pelo ar, de avião, por aeroportos; passaram pela Caatinga, repleta de vida adormecida, esperando a chuva, misturada com poeira.

Vieram dos rincões do Ceará, Piauí, Maranhão, Tocantins, Bahia, Alagoas, Pernambuco; do vale do rio Tocantins, da Ilha, a Maria da “Ilha”, atingida pela barragem de Estreito, na divisa com o Maranhão.

Vieram ainda pela PI-141, que cruza o Assentamento Lisboa, no Piauí; ou da Zona da Mata baiana, no extremo sul da Bahia, lugar dos antigos barões do cacau, da mata cacaueira, que hoje ainda permanece misturada com a mata costeira ameaçada pelo turismo das elites, pelos portos e ferrovias.
Alguns vieram do agreste alagoano, microrregião de Arapiraca, onde a mineração também existe e cresce.

Outros, de forma solitária, saíram do extremo oeste de Pernambuco, também do sertão, de cidade importante, Ouricuri, polo gesseiro e passagem da Transnordestina; ou vieram de Caruaru, terra das feiras e forrós, lugar importante do vale do Ipojuca, incrustado no planalto da Borborema.

E muitos deles vieram do Ceará, dos sertões ao litoral: vieram de reassentamentos forçados, o Alagamar, em Jaguaretama no Médio Vale do Jaguaribe, mas também do seu trecho baixo, já em Limoeiro do Norte, no Tomé, lugar das bananas e melões envenenados — onde muito conflito já surgiu, até morte de liderança, o Zé Maria, razão que motiva o Movimento 21, para lembrar sua morte, o dia 21 de abril de 2010; e há ainda quem veio do noroeste cearense, de Santa Quitéria, um lugar ameaçado pela mineração de urânio — conflito atual, que pede um alerta da sociedade para não se transformar em mais sacrifícios.

Mas estes passos passaram também pelas terras frias do Sul do Brasil, região de muitas contradições e lutas históricas. Jovens e adultos moradores e agricultores de assentamentos e de terras tradicionais, como os faxinais, cruzaram o ecossistema da Mata de Araucárias.

Muitos são filhos e filhas das grandes ocupações de terra no Paraná, muitas das quais as maiores do país. Nasceram onde hoje estão os maiores assentamentos de Reforma Agrária da América Latina. E assim, partiram dos assentamentos Ireno Alves, Marcos Freire, Oito de Junho e Celso Furtado, terras ocupadas pelas maiores mobilizações do MST no Brasil. Luta grande frente ao latifúndio madeireiro Giacomet-Marondim, hoje Araupel. Saíram de lá.

No nordeste paranaense, os passos também foram dados. De Imbaú a Ortigueira, municípios impactados pelos desertos verdes e pelas fábricas de celulose. No centro, de Jardim Alegre, Turvo, Laranjal e Boa Ventura de São Roque, caminharam desde os assentamentos cobiçados pela especulação.
Outros vieram mais solitários, de Santa Catarina, compor a turma Josué de Castro, no Paraná. De Passos Maia, Calmon e Caçador, na divisa com o Paraná, e de Taió, na região central do estado catarinense.

Todos esses passos, articulando juventudes, territórios, movimentos, constituíram essa caminhada coletiva na qual MST, MAB, Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses, Movimento 21, a Articulação Anti-Nuclear e o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais puderam solidariamente e em sintonia com as lutas de cada lugar contribuir para a formação e o engajamento de jovens do campo por meio do Curso Técnico em Meio Ambiente/CTMA.

Este fascículo, que aqui apresentamos trata dessa experiência, aprofunda a dimensão da territorialidade e o território enquanto categoria, trabalhados durante o CTMA, e enseja que, a partir dos elementos aqui trazidos, se possa inspirar processos reflexivos e contribuir com outras lutas nos muitos lugares ou movimentos em que se encontram as juventudes do campo no país, sobretudo as que se organizam pelo efetivo direito a uma educação e saúde do campo de qualidade.

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