Intenção, sentido ou propósito?

Patrizia Bittencourt
cuidadoria
6 min readNov 22, 2015

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Existe uma melhor palavra para expressar meu desejo no mundo?

Tudo é linguagem, incluindo a intencionalidade de seu uso.

Muito se ouve falar atualmente de propósito, sentido e intenção. São palavras importantes quando queremos expressar o que queremos fazer, essenciais para manifestar ideias de um empreendimento ou de um projeto. Parece que há uma exigência de se ter um propósito pronto a ser dito e na ponta da língua.

Não se trata de conduzir a uma decisão de escolha ou sobre o aspecto de ser ou não necessário ter uma intensão, sentido ou propósito de vida. Adorei o que escreveu Gustavo Tanaka no post “Por que parei de buscar meu propósito”. Eu me permito então complementar o lindo pensamento dele compartilhando aqui o que tem me tirado o sono neste momento: buscar a razão para diferenciar “propósito”, “sentido” e “intenção”. Tirei este domingo para descobrir algo interessante. Vejam só.

Como parte da minha experiência de vida foi e é relacionar o que faço com a linguagem, me pergunto sobre a relação entre a denotação e a conotação das palavras. De maneira geral, entenda-se denotação o uso concreto e usual das palavras e conotação o que o emprego delas quer transmitir, seus sons e emoções, na poesia ou no cinema, por exemplo.

No momento exato quando estamos nos servindo de palavras que escolhemos nós estamos atualizando nosso pensamento no mundo. Escolher um termo ao invés de outro é materializar o nosso pensamento tornando-o palavra dita ou escrita. Na linguística a palavra é um “signo” composto por “significante” + “significado”. O significante é o que eu uso para significar, no caso da palavra dita “mesa” em português, uso os sons /m, /e/,/z/,/a/ aliado ao significado da palavra mesa (do latim mensa, mobiliário usado para apoiar outros objetos; dentre outros significados do dicionário) formam o que eu sei sobre “mesa”, quando ouço ou quando pronuncio /meza/, portanto sua semântica. No caso do inglês utilizaria os fonemas em inglês para falar a palavra table e assim por diante.

A semântica é a ciência do significado e trata o signo pelo significante (palavras e símbolos, por exemplo). Há uma grande diferença entre os dois momentos, o de escrever e o de dizer, pois há intencionalidade no tom de voz, no olhar e nas formas de dizer… O que importa aqui para expressar o que gostaria de compartilhar com vocês não está no plano desta diferença entre o dizer e o escrever, mas sim na escolha do uso das palavras quando vamos nos expressar o que queremos ao mundo.

As palavras “bonitinho”, “bonito”, “lindo”, “lindinho”, “lindíssimo”, “belo”, “belíssimo” são palavras diferentes que fazem parte de um mesmo paradigma semântico. Entretanto estas palavras têm “força” semântica diferente. Esta é justamente a razão da existência das diferentes acepções. Ao usá-las há sempre uma intencionalidade que elas carregam. Esta intencionalidade pode ser voluntária ou não.

Já o estudo da semiótica amplia a linguística e olhará o signo em três dimensões, o da representação (como as artes, música, fotografia, religião e na cultura em geral), do conceito e da ideia.

Enquanto a semântica e a semiótica estão para o uso das palavras, à etimologia interessa a origem da palavra, busca os significados no percurso da evolução das palavras nas correntes linguísticas desde os mais remotos troncos da língua protoindo-europeia, que deu origem, no nosso caso, à língua portuguesa. Trata-se de uma perspectiva diferente de perceber o significado.

1. Intenção:

Etimologia: ambas as palavras homônimas “intenção” e “intensão” têm origem do latim intensio, de in (em) + tendere (esticar, estender) que significa alongamento, estiramento, esforço. Em português gerou a palavra intenção de propósito, plano” e também “intensão” de aumentar a tensão, ampliar a energia.

A semântica de “intenção” tem, principalmente, dois sentidos diferentes: um sentido voltado ao “propósito” e outro sentido mais próximo do “desejo”. Quando a palavra “intenção” é usada no sentido de propósito, distinguimos uma finalidade, um plano, um objetivo. E quando usamos “intenção” no sentido de “desejo”, estamos querendo aproximar nosso pensamento da vontade, do querer, da disposição, do intuito. O homônimo “intensão” com “s” tem significado diferente e som igual a “intenção” e quer dizer aumento de tensão, de força e energia.

Semiótica: “intenção” pode ter um aspecto mais próximo do momento presente. É como se uma palavra tivesse o poder (e tem!) de nos remeter a algo que está mais perto de nós, aqui e agora. Portanto “intenção” é intenção do momento presente, e continua fazendo parte do paradigma da palavra “propósito”, ou seja, faz parte da sua sinonímia (relação entre palavras semelhantes ou que fazem parte de um mesmo paradigma), embora tenha intencionalidade distinta com o uso.

2. Sentido:

Etimologia: a etimologia mostra sua origem no latim sentire, de “experimentar algo por meio dos sentidos e por meio da razão”.

Semântica: há pelo menos dez sentidos diferentes para esta palavra: “sentido” como significado ou definição: sentido de um gesto; sentido como lógica ou coerência; “sentido” como entendimento, percepção ou julgamento; “sentido” usado como direção, uma rota; “sentido” como consciência, mente, atenção; “sentido” como ponto de vista, perspectiva e modo de ver; “sentido” como sinônimo de ressentido, ofendido; “sentido” para triste e lastimoso; “sentido” para meio podre, passado e finalmente “sentido” para significar propósito, razão, finalidade, fim.

Semiótica: a semiótica aproxima esta palavra do “espírito” de alguma coisa, o que está por trás de alguma coisa, o que a motiva, o que alimenta a sua natureza. “Sentido”, portanto, também carrega o paradigma de “intenção”, mas uma intenção que está por trás, que vem de um passado, de um “propósito”.

3. Propósito:

Etimologia: do latim + pro- (à frente) + ponere (colocar, pôr) que resulta em proponere (declarar, colocar à frente).

Semântica: três significados principais da palavra “propósito”: o primeiro relacionado à “decisão” para externar uma determinação, uma resolução, uma vontade. O segundo volta-se à “prudência” que nos permite usar a palavra “propósito” para bom senso, cautela e juízo. E o terceiro permite usar “propósito” para distinguir “aquilo que se pretende alcançar”, a finalidade, a intenção, o plano, o escopo, o intuito, a aplicação, a serventia…

Semiótica: “propósito” sob a perspectiva semiótica pode estar relacionado ao futuro, o que decido agora e que esteja à frente, como uma lanterna do futuro.

Portanto, a língua portuguesa é extremamente rica a ponto de nos presentear com três palavras para manifestarmos nosso desejo no mundo:

1. “sentido” para expressar nossa intensão que vem do espírito, como um sentido profundo de alguma coisa que queremos expressar, como algo que vem de acúmulo de experiências e de sentidos do passado, alimentando o presente, servindo ao futuro;

2. “intenção” serve para expressarmos a nossa vontade atual, uma disposição emergente e imediata;

3. “propósito” nos remete ao desejo, intenção e sentido com olho no futuro, para o que está por vir.

Não há separação ou concorrência entre as três. Há complementaridade das três acepções.

O que percebemos é que há inclusive uma temporalidade expressa nos três termos: um no passado, um no presente e um no futuro.

Entretanto, sabemos que passado e futuro é uma representação, uma construção social, uma ilusão. O que temos de fato é a integralidade da percepção do tempo afirmada no momento presente. O momento presente é alimentado pelas experiências e recorrências do passado; é vivo com o sentido e intenções do presente e permeado pelos sentidos e propósitos de futuro.

A língua é viva e é nossa. Aproveitar de suas possibilidades é um presente de valor inestimável que temos para conhecer, comunicar e concretizar nosso desejo no mundo.

Talvez o que importe mais não seja a palavra a ser usada, mas o quão relevante será o uso da palavra escolhida para as nossas relações e para a construção do nosso caminho.

Referências:

http://houaiss.uol.com.br/

http://origemdapalavra.com.br/

http://www.sinonimos.com.br/

http://www.dicionarioinformal.com.br/

http://www.dicionariodesimbolos.com.br/

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Patrizia Bittencourt
cuidadoria

Facilitadora e Designer de Aprendizagem. Inovação aberta | nova economia | colaboração na @cuidadoria