Por que devemos aprender a viver em comunidade?

Henrique Katahira
cuidadoria
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4 min readJul 14, 2020
Ilustração: Nações Unidas

Em apenas 3 meses desde a sua descoberta em Wuhan, a pandemia conseguiu colocar em evidência todo o lixo que a humanidade estava escondendo debaixo do tapete. Desigualdade social, racismo, machismo, desvalorização do professor, violência doméstica e precarização do trabalho e outras questões já existiam muito antes do covid-19 mas parecem estar muito mais evidentes agora do que nunca.

Por outro lado, ela tem evidenciado e ensinado o valor das pequenas coisas como saúde, amigos, família, solidariedade, apoio e cuidado mútuo, autocuidado, segurança e simplicidade que vou tentar ilustrar no exemplo a seguir. No condomínio onde moro em São Paulo, está liberado o uso da quadra para prática de esportes por no máximo uma hora para evitar aglomerações. Apesar dela ser um equipamento que estava à disposição dos condôminos desde sempre, poucas pessoas a utilizavam. Hoje é comum ver pais brincando com seus filhos a qualquer hora do dia e da noite. Eu mesmo criei o hábito de me exercitar com minha companheira durante uma hora todos os dias de manhã. Além de me sentir mais em forma do que antes da quarentena, acabei fazendo amizade com alguns frequentadores. É estranho (mas de alguma forma, normal para alguns paulistanos) que antes da pandemia, só sabia os nomes dos porteiros e da cachorrinha do vizinho que mora no mesmo andar.

O fato é que o modelo de economia em que vivemos é baseado no paradigma da separação. A separação leva ao medo que leva à ansiedade que, por sua vez, leva ao consumo. No mundo moderno, a definição de família de sucesso é um núcleo fechado e independente que se vira sozinho. Cada casal deve ter seu apartamento, um ou dois carros, um ou mais filhos, uma babá, uma faxineira e assim por diante. Um dos vizinhos que conheci na quadra tem três crianças pequenas e disse que é muito mais fácil lidar pois eles brincam entre eles e os mais velhos cuidam do mais novo. “Imagine se tivesse um só” — disse ele. Imediatamente me lembrei da história dos meus pais que cresceram no meio de muitos irmãos e primos. Um irmão cuidava do outro e os pais tinham mais tempo para trabalhar na roça ou cuidar da casa.

Sou descendente de japoneses e, apesar de ser da terceira geração, ainda tenho raízes fortes na ancestralidade e na comunidade. Há uma piada interna que todo japonês tem um médico, um dentista ou um corretor de seguros japonês. Meus avós prosperaram assim no Brasil apesar poucos recursos que trouxeram do Japão: compartilhando o que tinham e apoiando um ao outro.

A pandemia me ensinou que é muito mais difícil vivermos separados do que em comunidade. Meu sonho é que cada condomínio se torne uma pequena comunidade onde as pessoas possam dividir o cuidado com as crianças, anciões e bichos de estimação, com uma creche parental, um coworking, compras coletivas, carros compartilhados, horta comunitária, etc. Será que é possível transformar territórios urbanos como condomínios ou bairros em comunidades sustentáveis? E por que não usarmos esta oportunidade para voltarmos às raízes, valorizando a família, a solidariedade, as trocas, a simplicidade e o coletivo?

Tenho observado algumas iniciativas que estão indo nesta direção impulsionadas pela pandemia, a seguir:

Uma comunidade espiritual na Barra de Ibiraquera (SC) está se organizando para ajudar pessoas em necessidades, arrecadando cestas básicas, produzindo máscaras, compartilhando conhecimento e criando iniciativas de geração de renda e empreendedorismo em rede.

A comunidade de Paraisópolis, uma das maiores favelas de São Paulo, tem população de 100 mil moradores e transformou 420 moradores em presidentes de rua. Cada um é responsável por monitorar 50 casas e virou um exemplo em ações contra o coronavírus. Leia mais aqui.

Na Nova Zelândia, quando o nível de alarme da pandemia caiu de 4 para 3, o governo liderado pela Primeira Ministra Jacinda Ardern criou a estratégia de bolhas sociais. Segundo artigo da Época, “As pessoas devem continuar dentro da bolha de sua casa, mas podem expandi-la para se reconectar com sua família ou para trazer cuidadores ou ajudar pessoas isoladas desde que todos vivam na mesma cidade”. Esta iniciativa ajudou as pessoas a aumentarem o contato social ao mesmo tempo que minimizou o risco de transmissão da doença pois ela não seria transmitida a pessoas de outras bolhas.

O que estas três iniciativas contam sobre como construir comunidades?

  1. São fenômenos emergentes que surgiram para atender uma agenda comum onde todos são impactados. Além de emergentes, são auto-organizados, baseados na autorresponsabilidade e na colaboração.
  2. A “cola social” é o que une todos os membros da comunidade. Esta cola pode ser o propósito comum, território, ancestralidade ou uma combinação das três.
  3. 1 + 1 é mais que 2. Um casal cuidando de uma criança tem muito mais trabalho que dois casais juntos cuidando de duas crianças. Bolhas sociais ajudam a dividir tarefas e fortalecer vínculos.
  4. Uma comunidade próspera troca valor entre si, fazendo com que os recursos circulem dentro dela. Isso pode ser feito através de trocas, usando escambo, banco de tempo, moedas complementares ou mesmo dinheiro.
  5. Uma comunidade resiliente e duradoura aprende junto e compartilha conhecimento.

Acreditamos que aprender a viver em comunidade é chave para a sobrevivência da civilização humana e esta foi a nossa motivação para criarmos a comunidade de aprendizagem da cuidadoria.

Se você chegou até aqui e acredita que pode contribuir e aprender conosco sobre viver em comunidade, clique no link abaixo ou entre em contato conosco para participar de um encontro gratuitamente. Os encontros quinzenais ocorrem de segundas-feiras das 20h às 21h30 a cada duas semanas. Nos vemos lá!

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Henrique Katahira
cuidadoria

Facilitador de Processos Colaborativos, coach e sócio da cuidadoria