Crônicas

Casa da dona Hilda

Gabriel Giordani
Cultura da Mesa
Published in
3 min readAug 29, 2023

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Parte da família reunida no aniversário dos pequenos Rafas | Foto: arquivo pessoal

Há mais de 15 anos, eu tive a sorte de aproveitar minha infância em um lugar mágico, onde a alegria dos Giordani's e a união familiar se entrelaçavam. A casa da minha avó Hilda era nosso porto seguro, onde encontrávamos refúgio e felicidade em feriados repletos de sabores e afetos. Mesmo depois de uma viagem de oito horas em um carro apertado, mal podíamos esperar para chegar.
A residência modesta, localizada em um bairro acolhedor, era o epicentro das nossas reuniões familiares. Tios, primos, avós e amigos íntimos preenchiam o ambiente com vozes animadas e risadas contagiantes. Como toda boa família com raízes italianas, a festa, o bate-papo em alto volume e o churrasco só terminavam após várias horas. A mesa, que não era pequena, acomodava confortavelmente 20 pessoas.
A música nativista, ou por vezes o sertanejo raíz, entoados por vozes nomes clássicos da música, preenchia o ar enquanto a carne era assada. Não importava o tema, desde os mais triviais aos mais profundos, as discussões à mesa sempre se desdobravam em risadas sinceras e sorrisos que iluminavam o ambiente. E quando eu digo ser qualquer discussão, entra até de liberais contra conservadores rindo sobre política, mesmo que discordassem em cada vírgula. Enquanto essas ideias eram travadas, as crianças se distraíam no balanço ou jogando futebol no gramado, pausando suas brincadeiras quando a mãe de um deles gritava da cozinha: "venham comer salsichão antes que esfrie!".
Claro, entre os almoços abastados de carne, rolava a roda de chimarrão com aquela água fervente, ou "pelando", como diz a minha avó. E ai de mim que reclamasse da temperatura. Me contavam que o mate era bom para abrir o apetite, mas também servia na hora da digestão. Usávamos a desculpa da bebida ser um coringa para sempre tomar mais uma térmica.
Foi Santa Rosa, cidade de dona Hilda, sinônimo de união familiar que cresci e amadureci. Aprendi o valor da tradição, a importância de manter minhas raízes vivas e a necessidade de cuidar dos laços que nos unem. A casa da dona Hilda era um verdadeiro santuário para a nossa identidade gaúcha misturada com a italiana, lugar onde as portas e os corações estavam sempre abertos. Foi lá que descobri a importância da família e da comunidade, e como a comida e a conversa podem unir as pessoas de maneira mágica e duradoura.
Mas, com o passar do tempo, o que antes era uma rotina alegre e constante, agora se tornou uma memória preciosa, guardada com carinho em um cantinho especial do meu coração. Os sorrisos compartilhados deram lugar a uma saudade que só cresce, mas a lembrança dos momentos vividos com a família permanece viva e forte. Brigas entre familiares ao longo dos anos fizeram com que alguns se revezassem na hora de visitar minha avó, a fim de não gerarem mais e mais discussões. Até por aquela mesa de jantar já discutiram.
Quando a saudade bate forte, fecho meus olhos e volto no tempo para aqueles momentos tão especiais. Sinto o calor do sol iluminando o pátio onde nos reuníamos, ouço as risadas ecoando no ar e degusto cada receita colocada na mesa como se estivesse lá novamente, com todos os familiares reunidos. A saudade é uma lembrança da felicidade que vivi naquela casa, um lembrete constante de que, apesar das distâncias físicas e do tempo que nos separa, a dona Hilda ainda está na mesma casa, no mesmo lugar, nos esperando para mais uma roda de mate e um assado.
A casa da dona Hilda, com sua cultura italianamente gaúcha e suas tradições gauchescamente italianas, pode não ser mais o cenário dos nossos encontros regulares, mas sempre que arrumamos um tempo, viajamos até lá para jogar uma canastra com a dona da casa. As lembranças daquela época, onde a alegria era abundantemente no almoço e na hora da janta, ecoam como um hino da nossa história familiar.

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