Crônicas

Cultura de fora da mesa

Bárbara Niedermeyer
Cultura da Mesa
Published in
3 min readAug 29, 2023

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Refeições formam como uma “colcha de retalhos” de momentos para serem celebrados. Foto: Bárbara Niedermeyer

Lugares em uma mesa de família. Mesa de bar. Jantar à luz de velas. Balcão de padaria. Tudo isso remete à cultura da mesa. Mas, será mesmo que temos uma única “cultura de mesa”? Para mim, a resposta é não. E vai muito além da questão da alimentação.

Na casa dos meus pais, nunca tive uma ideia fixa de cultura da mesa. Pela correria do dia a dia, acabávamos não fazendo algumas refeições juntos. Cada um comia o que queria e quando queria. A vida corrida às vezes nos tira algumas experiências, não é mesmo? Mas, também, nos dá muitas outras. Foi assistindo os almoços de domingo preparados pela minha mãe e pelo meu pai que aprendi a cozinhar. A verdade é que eu sempre fui muito observadora e muito autodidata. E talvez por ser assim que eu tenha conseguido me adaptar tão bem logo ao chegar à Capital dos Gaúchos.

No entanto, algumas coisas acabam nos colocando à prova. E para mim, isso mostra que tudo na vida é questão de costume e de estar aberta a novas possibilidades. Eu cheguei em Porto Alegre odiando sushi. Falava que não gostava e nem me propunha a experimentar. Quando fui convidada a me juntar a uma família que gostava muito para um jantar especial de aniversário, aceitei pela companhia, assim como tenho certeza que todo mundo já fez alguma vez na vida. Naquela primeira oportunidade, me propus a experimentar apenas uma ou outra peça.

Pela força do costume passei a frequentar os restaurantes de comida japonesa ao menos uma vez ao mês. E surpreendentemente — ou não — a apreciar. Por mais que eu não goste de pensar que vivemos esperando a sexta-feira e os dias de sol, os jantares especiais e os finais de semana, hoje, como boa parte dos brasileiros, fico esperando a famosa “virada do mês” para comer sushi. [ali é vírgula mesmo no lugar do ponto e vírgula, inclusive dessa forma não corta o ritmo da frase]

Sobre a cultura à mesa, que tanto se relaciona ao que tradicionalmente conhecemos por cultura da mesa, nunca aprendi de que lado fica o garfo, a faca e a colher. Não sei até hoje a ordem dos copos. Preciso dos adaptadores para utilizar hashis. Nunca aprendi a descascar uma laranja. Por outro lado, faço cookies excelentes, modéstia à parte. Adoro escolher o arranjo de flores para decorar o centro da mesa. Circular com o famoso pratinho com salsichão e farofa no churrasco. Selecionar qual jogo de pratos será utilizado num jantar especial. Fazer o meu próprio bolo de aniversário. E tudo mais que envolva ter pessoas especiais junto comigo na ocasião.

Para mim, a cultura da mesa é, na verdade, as pessoas que encontramos no caminho. As conversas que jogamos fora no meio do almoço. A risada que damos ao ficar com bigode de chantilly quando tomamos chocolate quente. O beijo quentinho que se troca ao dividir um fondue. A expectativa de ver alguém assoprar as velinhas do bolo de aniversário. As simpatias que fazemos no ano novo. A lentilha que guardamos na carteira pelo resto do ano.

Nessa mesa (de bar) em que todo mundo é igual, o garçom não tem como saber. Que quem não é mais igual sou eu. Pode trazer a conta, que pago com prazer por essa companhia e por essa experiência. O que me é mais caro, no entanto, é toda a transformação que tenho a cada dia. Para Friedrich Nietzche, amor fati significa aceitar a realidade como ela é e entender que cada coisa que aconteceu nos transformou em que somos hoje. Na minha visão, cada refeição que já fiz foi o que trouxe essas palavras para o mundo. E que hoje formam essa crônica, que fica muito melhor acompanhada de um café expresso, um vinho ou um chimarrão. Porque a vida é curta demais para não aproveitarmos cada oportunidade de degustar o melhor do dia a dia.

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Bárbara Niedermeyer
Cultura da Mesa

Estudo Jornalismo na UFRGS, escrevo para o Correio do Povo— RS e sou repórter e produtora no programa de Jornalismo Cultural Caderno 2.