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Entre brownies e sorrisos na fila do RU

Bárbara Niedermeyer
Cultura da Mesa
Published in
7 min readAug 29, 2023

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Jovem vendedor costuma estar ao menos uma vez por semana no RU Saúde | Foto: Bárbara Niedermeyer

Era quarta-feira, por volta das 11h30. Na hora que a fila costumeiramente começa a se intensificar em direção aos buffets do RU Saúde, os caminhos levavam a outro lugar. Nem mesmo o vento e uma chuva fraca, mas insistente, impediam os alunos da saúde e da comunicação de se aglomerarem em volta daquele carrinho marrom, bem estacionado próximo às portas de vidro que estão abertas de segunda à sexta-feira para receber os alunos no restaurante universitário. Eram 14 fornadas de brownies, que começaram a ser produzidas por volta das 15h do dia anterior para atender as centenas de estudantes que por ali passam diariamente. Para garantir o docinho da sobremesa, 18 alunos formavam uma longa fila em direção aos “brownies do Zé”, quase todos com os celulares na mão para fazer os pagamentos por pix. “Tem que pegar agora, amiga, que depois acaba”, disse Luiza. Certa estava a estudante, que previu o que era tão certo quanto o sol nascer e a lua se por todos os dias: mais um dia com 336 brownies vendidos no RU Saúde. Só para Gabriela, 12. “É para a família toda”, justifica a jovem.

Por trás de um avental preto e uma touca branca, estava o jovem responsável por todo o sucesso de vendas. José Adolfo Montenegro Laurito, o Zé, para os íntimos e também para os não tão íntimos, não cursa gastronomia. Muito menos algum curso do campus saúde, como muita gente espera ao ver ele ao menos uma vez por semana no RU. Aos 23 anos, o futuro fisioterapeuta de cabelos louros e olhos esverdeados é um jovem como qualquer outro. Apenas passa mais tempo rodeado de açúcar do que é indicado para as pessoas da sua idade, já que divide o tempo de estudos com o de fazer brownies. “Conciliar é uma palavra forte, porque parece que dou conta de tudo. A única diferença é que eu às vezes surto pelos brownies e outras pelo TCC”. De problemas parecidos com os nossos e sonhos como os da maioria dos jovens, o Zé resiste com um sorriso em meio a uma realidade que nem sempre sorriu de volta para ele.

A venda dos brownies começou por um motivo muito conhecido pelos brasileiros: “estava sem dinheiro”. A ideia de vender os doces tem a ver com a sua família. Mas não com aquelas histórias bonitas que se costuma ouvir, de uma receita que passa “de avó para neto”. A verdade é que o jovem deu início às vendas em um dos momentos mais difíceis da sua vida. “Eu comecei a fazer brownies porque estava com apertos financeiros. Logo no começo da faculdade, meu pai sempre me ajudava. Nós nunca fomos uma família rica. Quando eu me assumi gay para ele, foi um ‘problemaço’. Ele ficou vários meses sem falar comigo e me ajudar financeiramente. Eu precisava achar um jeito de me sustentar, até para pagar as minhas passagens para a faculdade. Eu me vi sem saída e precisava inventar alguma coisa”, conta o jovem.

Na primeira vez que vendeu, foram 20 brownies. Segundo Zé, “nem bonitos estavam”, além de serem feitos com ingredientes muito mais simples que os de hoje: um combo de Nescau e margarina. Desde então, ele começou a subir degraus. Dos 20 brownies, passou à uma cesta, que ainda usa em suas idas ao campus do Vale. Da cesta, passou ao carrinho, que hoje comporta as vendas no Saúde.

E em cada campus que frequenta, Zé sagradamente esconde um “bilhete da sorte”. Momentos antes de começar a vender os doces, ou até mesmo durante uma pausa no movimento, o Zé costuma entrar no restaurante, mas não para almoçar. E sim, para esconder o vale-brownie, iniciativa que movimenta os alunos tanto pelo desafio quanto pela recompensa: um brownie grátis. “Em volta do RU, de baixo da rocha” ou então “no lado avesso eles estão, de onde comes e de onde te informas”. Uma coisa é certa. Quando tem brownie do Zé, também há muitos estudantes desbravando o RU ou os arredores para tentar a sorte. Tem gente que chega a atrasar o almoço para encontrar. Mas, quem mais costuma atrasar o seu almoço é o jovem vendedor.

Como seu horário de trabalho vai da abertura até depois do fechamento do RU, fica difícil para almoçar nos dias de venda. Na maioria das vezes, o estudante de fisioterapia acaba até mesmo pulando a refeição. “Fico um pouco triste com isso, até me incomoda um pouco. Porque às vezes eu estou com muita vontade de comer no RU, ouvindo o pessoal que passa comentar sobre a comida, e não dá tempo”, conta. Essa dificuldade que o jovem passa é apenas mais uma na sua caminhada, mas que não tira o sorriso do seu rosto.

O Zé do futuro no Zé do presente

Os próximos passos em direção ao futuro andam lado a lado com o que Zé faz hoje. Não, os brownies não farão com que o jovem deixe a fisioterapia de lado. Na verdade, são eles que têm embalado os sonhos do estudante para ir ainda mais alto. “Eu ainda quero me tornar um fisioterapeuta, e sinto que é o Zé do brownie que me ajuda nisso. Pagando a passagem e também me dando o contato com as pessoas. Sinto que o profissional que vou ser no futuro passa muito por esse contato com os alunos que tenho aqui”, fala o vendedor.

Além disso, os sonhos hoje têm ganhado rodas por causa das vendas, com destinos a serem traçados cada vez mais longe. “Graças aos brownies que eu consigo fazer autoescola hoje e eu estou muito feliz com isso. De conseguir fazer com que eu me alimente um pouco melhor, fazer com que eu me sinta feliz e orgulhoso de quem eu sou, porque o espaço do brownie do Zé é um espaço onde eu sou 100% eu. É um negócio, claro, que me permite ser muito espalhafatoso e ter contato com muita gente. É tanto um sonho já realizado como uma forma de realizar outros que estão por vir”, revela.

O primeiro degrau da escada

Por mais que o sucesso atualmente seja grande, para o Zé esse é apenas um capítulo de sua história, que proporcionará a ele subir outros degraus de sua vida. Um dos sonhos está em seguir na área do empreendedorismo, de uma forma que permita a ele alinhar as vendas com o exercício da profissão que escolheu amar: a Fisioterapia. “Quero muito conseguir construir um negócio que seja um dia independente da minha figura, que se mantenha ali sempre. Quero que ele esteja próximo aos estudantes. Eu sei que em algum momento vou ter que desfocar dos brownies para focar no TCC. Até bate um medo, mas prefiro viver um dia de cada vez e procuro não pensar muito nisso”, relata o jovem.

Além disso, Zé ainda revela um desejo de se aproximar dos estudantes pelas redes sociais, principalmente no Instagram, que já conta com mais de 1,5 mil seguidores. Hoje a plataforma é a forma de avisar onde estará no dia e de anunciar as dicas dos vale-brownies. “Acredito que outro objetivo seja conseguir ter um Instagram que converse com os estudantes e acadêmicos, que eles se enxerguem ali também”. Para isso, as postagens, além de dicas e avisos, incluem sorteios baseados nos hits da geração Z. “Ken diria que eu ia ganhar um brownie de graça”, brincou nas redes em referência ao filme da Barbie, lançado em julho e que foi um grande sucesso no Brasil e no mundo.

Foto: Reprodução/Instagram

Os Brownies

Tradicional. Stikadinho. Chocolate branco. Oreo. M&M’s. Kit Kat. Nozes e Castanha. Snickers. Dark. Ferrero Rocher. Chocolate Kinder. Chocolate Milka. Com mais de 10 sabores, bem que se poderia dizer que “tem brownie do Zé para todos os gostos”. Mas a verdade não é bem essa ainda. Trabalhando pela inclusão de todos os públicos nas vendas, o Zé revelou uma novidade: os brownies veganos. Agora, sim, terá para todos os gostos, com todo o cuidado que é preciso para produzir estes produtos e respeitar a escolha de cada um.

Já que “é quase como um evento sazonal saber o dia que o Brownie do Zé estará em cada lugar”, como o próprio diz, a sorte é de quem o encontra pelos campus. “Nossa, dava tudo por um brownie do Zé hoje de sobremesa”, disse Arthur enquanto estava na fila para o almoço. Para Zé esse carinho e essa expectativa são formas de motivação para seguir em busca daquilo que deseja conquistar. “O brownie do Zé é a forma de realizar meus sonhos, e eu sou muito feliz a cada dia aqui”, conta e também revela, mesmo sem perceber, o segredo de sua receita: a felicidade e o carinho que coloca em cada pedacinho de doce. Transmitidos com ainda mais intensidade a cada venda finalizada, sempre com um sorriso no rosto, não importa qual a época do mês. Para ele, o copo de água está sempre meio cheio para acompanhar o doce. “Final do mês também é sinal de que está começando um próximo para a gente aproveitar acompanhado de um brownie”, como disse o futuro fisioterapeuta quando um dos alunos confidenciou sobre aquele “aperto” de final de mês. No fim das contas, todos os caminhos que levam ao RU levam também a histórias como a do Zé, que ficam muito melhores acompanhadas de um brownie. Deixo ainda a sugestão do sabor stikadinho, o campeão de vendas. Mas é preciso correr, antes que a sobremesa precise ficar apenas nas palavras e na imaginação.

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Bárbara Niedermeyer
Cultura da Mesa

Estudo Jornalismo na UFRGS, escrevo para o Correio do Povo— RS e sou repórter e produtora no programa de Jornalismo Cultural Caderno 2.