Crônicas

Minha segunda casa(res)

Cadu Griebler
Cultura da Mesa
Published in
3 min readAug 29, 2023

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Um clássico prato do “casares” | Foto: arquivo pessoal

Não poderia imaginar que, além do meu apartamento no Santana, teria um outro lugar em Porto Alegre para chamar de casa — ou melhor, de Casares. O restaurante, supostamente conhecido como Casarão do Bom Fim (antes de receber o apelido que sabe-se lá como surgiu), foi o destino de uma jornada gastronômica de um grupo de amigos em busca do almoço perfeito no pós-rolê. Hoje, o Casares já é de praxe em todos os sábados em que resolvemos sair na sexta — e também porque domingo é mais caro.

Se hoje é tradição, tudo começou depois de um rolê qualquer, quando nossos estômagos rugiam em um só som, clamando por comida de verdade. Vagávamos pela Redenção quase como viajantes à procura da última gota d’água no deserto mais árido do mundo. Com o perdão da cacofonia, mas foi no Casarão que vimos a salvação: o cheiro de comida deliciosa pairava no ar, acenando para nós com promessas de um prazer gastronômico. Acho que provavelmente era fome.

Alguns dos costumes que hoje são um ritual consolidado apareceram logo na primeira visita ao Casares. A montagem de pratos temáticos, por exemplo, ganhou vida a partir de uma determinação digna de verdadeiros artistas culinários — ou participantes do masterchef. Ou qualquer outro projeto de chefes de cozinha. É um meticuloso estudo do buffet, em busca das combinações mais inusitadas, estratégicas e que misturam pratos com certa excentricidade — e de olho no bolso. Afinal, quem diria que um prato de melancia seria o suficiente para hidratar o corpo de jovens que se recusam a gastar cinco reais em uma água?

E tem outra, é sentar na mesa para a discussão começar. E aqui, leitor, temos um verdadeiro teste da nossa amizade. Até estávamos acostumados a dividir a conta igualmente, mas a recente promessa de almoços gratuitos como resultados de apostas mudou até o clima do ambiente. Agora, cada um de nós passa o dia e a noite atrás da estratégia perfeita para aumentar as chances de não pagar o almoço, seja apostando quantas bocas consegue beijar naquela festa ou até o quanto de pimenta o paladar pode aguentar. E posso dizer uma coisa: haja melancia pra me hidratar.

Hoje, sabemos que o verdadeiro objetivo por trás de cada festa, barzinho ou show é alcançar o santuário culinário que chamamos de Casares. É como se o evento anterior fosse apenas um aperitivo, e a verdadeira festa começasse quando pisamos no restaurante cujo atendente já nos recebe com um sorriso no rosto. “Carinha de quem aproveitou”, diria a querida Helenara. Ou Heloísa. Acho que é esse o nome dela.

Outro dia, por mera curiosidade gastronômica, decidimos experimentar um novo estabelecimento. Se ele se apresentava como algo fora do comum, com um nome pomposo e uma decoração moderna? Nada disso. Mas o Via Andradas — que já virou Via — ousou roubar o lugar do Casares. Desculpe, acontece. Nos deixamos levar pela novidade (o fondue!) e nos aventuramos a provar seus pratos (fora o suco grátis!). Porém, não demorou muito para que o destino seguisse seu curso duro e implacável. No último sábado decidimos visitá-lo, mas a placa declarando falência atestou que o pobre Via não foi páreo para a tradição e o sabor da concorrência. Foi como se o próprio universo nos dissesse: “Voltem para o Casarão do Bom Fim, voltem para o Casares, voltem para casa”.

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