Crônicas

Na minha casa, todo mundo almoça(va) junto

Mariana Marsiaj
Cultura da Mesa
Published in
3 min readAug 29, 2023

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Lembro de chegar em casa nesses dias e ver só um lugar posto na mesa. | Foto: Mariana Marsiaj

Na minha casa, todo mundo almoça junto. A “regra” surgiu com o meu pai, que provavelmente tirou de algum artigo que ele leu enquanto tava na faculdade ou na residência. Ele é pediatra, trabalha com criança e adolescente, então eu sei que muitas regras aqui de casa vêm de teorias sobre boa convivência familiar.

Dessa vez era alguma coisa sobre a importância de ter um momento fixo de convivência, sem TV, sem celulares. Só eu, meu pai, minha mãe e minha irmã almoçando juntos.

Mas, independentemente de onde o meu pai tirou a ideia, ele tava certo. Era naquele momento em volta da mesa que a gente conversava sobre o que tava acontecendo no dia de cada um e combinava coisas pros próximos dias. Quem ia buscar quem na escola, se tinha algum evento de família, coisas do tipo. Eu digo “era”, porque já faz um tempo que eu almoço sozinha.

Começou quando eu entrei no ensino médio. Minha aula terminava uma hora depois da aula da minha irmã, e tinha dias que meus pais tinham compromissos marcados no início da tarde e precisavam almoçar cedo pra não se atrasar.

Lembro de chegar em casa nesses dias e ver só um lugar posto na mesa. Um único prato branco sobre a toalha estendida, um único jogo de talheres, um único copo. Ainda dava pra ver as marcas circulares, levemente afundadas na toalha, de onde os outros pratos tinham estado.

Ficava frustrada com o quanto o simples fato de almoçar sozinha me incomodava. O celular virou a minha companhia nesses momentos. Meu pai certamente desaprovaria se soubesse, ou talvez não, afinal ele não tava ali. Mas era só o que eu tinha pra me distrair do fato de que o único ruído na hora do almoço era o do meu próprio garfo batendo no prato.

A “normalidade” voltou durante a pandemia, ironicamente. Mais uma vez, éramos só nós quatro em volta da mesa, ainda que algumas vezes com a TV ligada. Porque, mesmo com o mundo desabando, na minha casa, todo mundo almoça junto.

Depois de meses de convivência quase exclusiva, aos poucos a rotina foi voltando e, com ela, o estágio e a faculdade voltaram a ser presenciais. De repente eu precisava fazer uma viagem de quase 45 minutos no T9 pra poder chegar em casa. Sem chance de sair rapidinho no intervalo pra almoçar em casa.

Então agora eu almoço sozinha, geralmente enquanto trabalho ou, se tenho um tempinho de intervalo, assistindo alguma série ou vídeo no YouTube. Em vez de comida recém-feita, é algo que eu cozinhei na outra noite ou que sobrou do almoço dos meus pais e da minha irmã do dia anterior.

Inclusive tem dias que eu sei que fazem comida de sobra pensando especificamente em mim, pra eu não precisar cozinhar de noite, quando chego cansada em casa. E, ainda que eu prefira muito mais poder sentar com eles na mesa, me aquece um pouco saber que eles lembram de mim nesse momento, mesmo quando eu não tô junto.

Meu consolo são os almoços dos finais de semana, que ainda conseguimos fazer todos juntos de vez em quando. Ou em alguns raros dias que chegamos em casa perto do mesmo horário e conseguimos jantar juntos.

Às vezes sou só eu, meu pai e minha mãe, porque minha irmã resolveu não sair de casa ou preferiu ficar trancada no quarto (adolescente, sabe como é). Outras, sou só eu e o meu pai, porque minha mãe tá de plantão e a minha irmã dispensou a companhia. E às vezes… sou só eu. Ainda não é o que eu gostaria, mas tem sido menos pior conforme vou aprendendo a gostar da minha própria companhia, e acho que é algo que eu preciso mesmo aprender.

Porque na minha casa, todo mundo almoça junto, menos eu.

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Mariana Marsiaj
Cultura da Mesa

Estudante de Jornalismo da UFRGS, redatora de NFL no The Playoffs BR.