Narrando a mesa e sua(s) cultura(s)

giselereginato
Cultura da Mesa
Published in
3 min readAug 29, 2023

No início do semestre da disciplina de Jornalismo e Cultura, quando discutimos as pautas para esta edição, foram vários os temas sugeridos pela turma. Mas teve um que recebeu uma atenção especial: cultura da mesa. A partir da sugestão de uma aluna e sua justificativa sobre o tanto que o tema agrega em torno de memórias/afetos/reflexões, vários(as) alunos(as) começaram imediatamente a pensar que crônica escreveriam sobre esse tema ou qual perfilado(a) poderiam escolher. Começaram a ser tomados(as) por ideias, por lembranças, por associações. De fato, esse assunto afeta cada pessoa de uma forma e acaba trazendo a reflexão: o que você pensa quando falamos de cultura da mesa?

Parte da turma de Jornalismo e Cultura deste semestre, na aula em que iniciamos a discussão das pautas para as crônicas

Buscando exercitar a escuta e a observação, dois elementos fundamentais para construir uma boa narrativa jornalística, 15 alunos(as) do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) se dedicaram a apurar, fazer entrevistas, ler, fotografar e escrever. Depois de cada um(a) fazer seu percurso, nos juntamos para discutir, fazer leituras compartilhadas, revisões e edições para chegar neste material que está compilado aqui.

Nas crônicas, que se caracterizam por trazer o cotidiano e dar espaço para a oralidade, vemos um tanto dos elementos que nos ajudam a compor esse conceito de cultura da mesa. É sobre mudanças familiares e de vida que passam pela mesa. Sobre ter ou não mesa ou ter mesas itinerantes. Sobre ter ou não com quem compartilhar a mesa. Sobre trabalhar pra encher a mesa de alguém. As crônicas perpassam a geografia das refeições, tão comum em muitas casas onde cada pessoa tem seu lugar cativo. Com conversas ou com silêncio, cada casa carrega uma cultura em relação à mesa — comer todos juntos ou todos separados ou antes era de um jeito e agora mudou.

Para escrever os perfis, esses(as) jornalistas em formação buscaram captar a profundidade e a complexidade das pessoas que escolheram perfilar. Mulheres fortes e que têm o olhar voltado à alimentação de outras pessoas, seja para ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade social, seja pela luta pelo reconhecimento do valor social da terra ou para auxiliar crianças que usam sonda e passam por um longo processo para se alimentar. Também tem uma senhora de 70 anos que vende cachorro-quente num ponto clássico do Bom Fim, a vó que faz quitutes para vender, uma mulher que assa churrasco (e cozinha muito mais que isso também), um estudante da UFRGS que vende brownies em frente ao restaurante universitário, outro estudante universitário que também é garçom, o vendedor de uma fábrica de chocolates, uma vendedora de café nas ruas do Centro de Porto Alegre, a administradora de uma sorveteria que já vem de outra geração, um chef de cozinha (ou melhor, cozinheiro) que trabalha na casa de uma família preparando as refeições. Também tem a cultura italiana retratada através do dono de um restaurante tradicional da Capital e a cultura alemã por meio da história de uma moradora de Nova Petrópolis com seu forno à lenha.

Olhando assim, parece que essas pessoas assumem só essas posições, mas os textos trazem muito mais desses personagens — e também de quem os escreveu. Se o produto final é fundamental, no caso desses textos também o percurso vale muito. A turma tentou captar vivências do cotidiano que estão ao nosso alcance, mas, na correria do dia a dia, não paramos para ver. Também trouxe pessoas que muitas vezes não são apresentadas pelo jornalismo, nos fazendo refletir sobre como algumas fontes são perceptíveis e outras são destinadas ao apagamento. E se entendemos o jornalismo como esse lugar que pode e deve contribuir para construir representações plurais acerca do mundo, a amplitude de olhares trazida pelos alunos é de grande importância, pois é o jornalismo cumprindo seu papel de mostrar o mundo em sua complexidade e diversidade.

Boa leitura!

Gisele Dotto Reginato, professora do curso de Jornalismo da UFRGS

Agosto de 2023

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giselereginato
Cultura da Mesa

Professora do curso de Jornalismo da UFRGS. Jornalista e doutora em Comunicação.