Alfabetização midiática e o universo infantil: relação com smartphones retratada no filme Emoji

Rebelde, Gene e Bate Aqui (foto divulgação do filme)

Em um mundo dominado por imagens, em que recebemos estímulos de todos os lados, é preciso compreender como as mensagens são transmitidas e em que contexto acontecem. Quem está por trás delas? Quem controla o acesso às informações? Como as mensagens midiáticas são construídas e repassadas para crianças?

A proposta deste texto é apresentar um breve estudo sobre Filme Emoji (2017), do diretor Tony Leondis que traz uma história sobre a relação da criança com a tecnologia e as consequências na vida atual. Trata-se de uma obra de ficção que trabalha com metáforas da vida contemporânea. Por meio dela, podemos perceber como algumas mensagens são transmitidas de forma direta pela publicidade de algumas marcas que aparecem na obra como os aplicativos de smartphones. Por outro lado, algumas mensagens necessitam de reflexão para que sejam trazidas à tona certas discussões tão necessárias para as famílias, no que se refere à educação midiática sobre o uso das tecnologias e o que isso pode ocasionar para o universo infantil.

A cada dia surgem novas formas de se representar a realidade contemporânea. Uma das maneiras de se construírem imagens de representação dos sentimentos, das reações humanas veio com a criação dos emojis. O filme traz a história de Textópolis, uma cidade onde todos os emojis vivem e aguardam ser escolhidos pelo usuário do celular. A obra é dedicada ao público infantil e, acreditamos que, muito mais do que falar do universo da comunicação por emojis, reflete, de uma forma lúdica, sobre o universo e os conflitos pelos quais, muitas crianças passam no mundo contemporâneo.

A obra da Sony Pictures apresenta uma história infantil com a realidade das redes sociais, dos apps de música, jogos, WhatsApp e SMS. O “defeito” de Gene ameaça a existência do próprio celular. Assim, ele se alia ao emoji Bate Aqui e à Rebelde para tentar salvar a cidade de ser deletada para sempre.

O filme é cheio de simbologias e representações das angústias do mundo atual. O universo do smartphone, no qual grande parte da população mundial está inserida, aparece com destaque. Cada emoji tem apenas uma expressão, com exceção de Gene, o personagem principal, que não consegue se controlar. Ele nasceu sem “filtro” porque é muito emotivo. Deveria ser apenas um “meh” (sem expressão). Mas ele foge do que seria considerado normal para um emoji. Ele demonstra várias emoções quando passa por alguma situação de medo, pressão, angústia ou constrangimento. É diferente dos outros e, por isso, é discriminado até pelos próprios pais: Edna e Edson.

A trama provoca uma reflexão sobre as inseguranças e medos do público infantil, quando centraliza a história nos percalços vividos por Gene. O filme perpassa pelo tema da discriminação daquele que é diferente do grupo. Apresenta o universo virtual dos aplicativos. Faz uma nítida referência às grandes empresas ligadas à tecnologia como Facebook, Instagram, Google. Os símbolos dos programas de internet, jogos e aplicativos aparecem em vários momentos como algo que faz parte do cotidiano dos moradores de Textópolis.

Gene — personagem principal (foto divulgação do filme)

Em Textópolis, os emojis vivem e trabalham em busca da realização de seus sonhos. O maior deles é ser escolhido pelos usuários dos smartphones. São criados para demonstrarem as expressões relacionadas aos seres humanos, mas Gene sofre um bug quando nasce e consegue modificar suas expressões por um filtro e de acordo com o que realmente está sentindo no momento. Fica insatisfeito por não ser igual aos demais e busca uma solução para o seu problema. Outro conflito de Gene que aparece na história é que ele valoriza a amizade e considera ser essa uma falha. Por isso, precisaria ser reprogramado.

Outra personagem que também não aceita a sua realidade é a Rebelde, uma garotinha que, na verdade, nasceu princesa, mas queria ter liberdade de escolhas. Por isso, se disfarça de Rebelde. Ela questiona a existência de muitas regras no seu mundo, dentre elas a de que mulheres só podem ser princesas ou noivas. Ela não aceita isso e deseja fugir para viver nas nuvens. Se torna hacker para tentar conseguir o seu sonho e ajudar os amigos.

O espaço da nuvem aparece no filme como a metáfora da salvação para aqueles que não estão satisfeitos com o mundo atual. Temas como a amizade entre Gene, Mãozinha ou Bate Aqui e Rebelde são trabalhados no filme. Outra personagem é Sorrizete que surge como uma vilã. Ela precisa eliminar Gene e seus amigos para evitar que os aplicativos sejam apagados.

A justificativa para a comunicação feita somente por emojis aparece em um contexto em que a sociedade vive com pressa e não dá tempo de escrever as palavras inteiras. Assim, os sentimentos ou expressões vêm por meio das imagens dos aplicativos.

O filme traz mensagens diretas para as crianças como “você deve aceitar quem você é de verdade”, ou “ele quer ser emoji para se encaixar”. Mostra frases que geram reflexões sobre a necessidade de pertencimento a um grupo, a uma sociedade, de não se destacar por ser diferente.

Outra questão a ser pensada é de que cada personagem tem o seu espaço, o seu próprio cubo. E esse espaço precisa ser conquistado. Se o emoji for escolhido, ganha status, pode entrar para o universo dos favoritos ou dos mais populares. Percebemos esse contexto como uma metáfora das relações interpessoais em que há as disputas por espaços e por curtidas nas redes sociais. Os mais populares nas redes são reconhecidos como destaque.

A obra traz essa discussão, que sob alguns aspectos, exige uma certa educação midiática para ser compreendida. Muito mais do que apresentar uma animação divertida e lúdica para crianças, aborda temas sérios e que precisam ser apresentados às crianças para que entendam as consequências de se estar inserida no universo online.

Vivemos imersos em um banco de dados na internet. Aprender um pouco sobre a cultura digital e sobre como funciona poderia nos ajudar a olhar de forma mais crítica sobre essa infinidade de informações e imagens.

Por volta dos 7 ou 8 anos, as crianças começam a distinguir os gêneros dos programas; tendem a achar o realismo das notícias mais assustador do que os desenhos animados; eles começaram a reconhecer a intenção persuasiva dos anúncios. A partir dos 8 anos, as crianças geralmente são competentes em “compor a narrativa” — fazendo inferências sobre sequenciamento, causalidade e moralidade na narrativa, por exemplo. Além disso, mostram um interesse crescente pela produção, sendo críticos do conteúdo, fazendo comparações mais sutis entre a televisão e a realidade (reconhecendo que o conteúdo pode ser fabricado e ainda fazer afirmações “reais” sobre o mundo se o retrato for “possível (Livingstone, Sônia; Shenja, Van der Graaf (2020).

Gene, o personagem principal, chega a ter crise de ansiedade, por não agir como todos esperam que ele seja. Se não atinge as expectativas dos outros, é isolado. Uma metáfora direta do comportamento social. E quem é descartado pelos usuários vai para a lixeira, um espaço triste e sombrio, representado no filme por vírus, trolls e outros ícones indesejáveis do mundo dos aplicativos.

O estímulo ao consumo, ao uso de cartão de crédito também é abordado. Alex, o personagem criança do filme vive dominado pelo mundo tecnológico. Ele só consegue se comunicar pelo celular via emojis. A libertação desse mundo seria a saída para a felicidade dele.

É o que acontece com os personagens principais no final, quando Gene, o diferente, salva os emojis da destruição dos aplicativos. Alex o envia no celular e, Gene, mostra vários sentimentos. O menino é elogiado por expressar várias emoções, mas quem fez a diferença foi o emoji considerado diferente. Somente ele era capaz de demonstrar tantas expressões de uma só vez.

Alfabetização midiática e relação com o consumo de imagens

A alfabetização midiática foi definida como “a capacidade de acessar, analisar, avaliar e criar mensagens em uma variedade de contextos” (Christ & Potter, 1998, p.7). A partir do momento em que as tecnologias de mídia e comunicação se tornam tão presentes no cotidiano de crianças, é preciso que haja um consenso de que a alfabetização midiática seja imprescindível para os efeitos provocados possam ser estudados.

Em 2016, a Unesco lançou o documento “Alfabetização midiática e informacional: diretrizes para a formulação de políticas e estratégias”. Segundo o texto, a alfabetização midiática e informacional (AMI) vem como uma base para a ampliação do acesso à informação e ao conhecimento. O objetivo é o de “intensificar a liberdade de expressão e melhorar a qualidade da educação” (2016, p. 7). Apesar de o documento ser bastante extenso e explicativo, países como o Brasil ainda não possuem uma política formal de educação para mídias.

As habilidades e atitudes para se consumir conteúdos de mídia e dos provedores de internet exigem que o usuário de tecnologia saiba encontrar o que deseja, “avaliar e produzir informações e conteúdos midiáticos; em outras palavras, apresenta as competências fundamentais para que as pessoas participem de maneira eficaz de todos os aspectos do desenvolvimento” (p. 7).

A UNESCO, Unicef, União Internacional de Telecomunicações e Internet mais influenciados pelas artes e humanidades veem a alfabetização midiática como um caminho para aumentar a apreciação do público e a capacidade de contribuir criativamente para o melhor que a aprendizagem, expressão cultural e realização pessoal, uma vez que nossa capacidade altamente reflexiva (2020).

Como afirma Martine Joly, “somos consumidores de imagens”. Desde que nascemos somos “bombardeados” por estímulos visuais de todas as direções e temos que interpretá-los a todo momento. As imagens podem ser vistas como uma ferramenta que “domina a comunicação contemporânea” (JOLY, 2007, p. 1).

A imagem é antes de mais nada algo que se assemelha a qualquer outra coisa. No caso do filme, cada uma pode estar associada a uma expressão facial, a um sentimento ou até mesmo a outros signos do cotidiano como um gesto como no caso da “Mãozinha” ou “Bate aqui”.

Joly considera que a imagem contemporânea como sendo midiática. “É um instrumento de comunicação, divindade, assemelha-se ou confunde-se com aquilo que ela representa. Visualmente imitadora, a imagem pode tanto enganar como educar, mas também, pode conduzir ao conhecimento (2007, p. 19).

Ao estudar uma imagem é preciso provocar associações mentais que servem para identificar este ou aquele objeto, esta ou aquela pessoa, esta ou aquela profissão, atribuindo-lhe um certo número de qualidades socio-culturalmente elaboradas” (2007, p. 22).

Programas cada vez mais poderosos e sofisticados permitem criar universos virtuais que podem apresentar-se como tal, mas também falsificar uma qualquer imagem aparentemente real. Toda a imagem é a partir de agora manipulável e pode alterar a distinção entre real e virtual (2007, p. 27).

As imagens dos aplicativos, dos programas de computador são apresentadas como parte do universo tão próximo do cotidiano da sociedade que, muitas delas, na maioria das vezes, são “consumidas”, sem uma reflexão do seu contexto e sobre o que podem gerar. O filme vem justamente para provocar essa discussão. O que estamos fazendo com esse universo dominado por imagens? O que podemos aproveitar dessa obra para gerar discussões com e para as crianças que assistem ao filme Emoji?

Há um impacto muito grande impulsionado pela comunicação digital no que se refere à interação humana. Os aplicativos, os programas de computador e as mensagens instantâneas introduzem mudanças nas linguagens e nos signos contemporâneos. “Introduzem-se mudanças na linguagem e na participação social dos envolvidos na comunicação digital, os quais se apropriam da língua e se tornam sujeitos numa relação semiológica entre o sistema interpretante (a língua) e os sistema interpretado (o emoji) (COSTELLA, 2022, p.51–52).

Segundo Roberta Costella, os emojis aparecem como ferramenta de comunicação humana no Japão, na década de 1990, como um conjunto de desenhos criados pelo homem para se comunicar. Tinham como característica a “concisão visual e a rapidez na transmissão de significados convencionais”. Ela afirma que os emojis são descendentes dos emoticons e mostram as representações faciais, e inúmeros ícones com “variações gestuais, corporais, simbólicas, comemorativas, animais, objetos, dentre outros. O primeiro emotion foi o “smile” (sorriso). Sua representação foi a “junção de dois pontos seguidos de hífen e fecha parênteses” (SILVA, CASTRO, 2016, p. 157–158). O resultado lembra um rosto feliz.

Considerações finais

Muito mais do que uma simples animação para crianças, o filme Emoji traz uma reflexão sobre as inquietações provocadas pela relação do universo infantil com as tecnologias. Trabalha as inseguranças, as incertezas, a autoestima dos pequenos. A necessidade de pertencimento ao grupo que pode gerar problemas de convivência e aceitação também aparecem. A valorização do ter em detrimento do ser é apresentada quando os personagens passam a ter status e são curtidos ou compartilhados.

A obra pode ser um instrumento para um debate sobre a relação da criança com o mundo da tecnologia, mas também gera uma discussão sobre a necessidade de se questionar as suas consequências. A alfabetização midiática, como proposta pela Unesco, em 2016, traz algumas diretrizes capazes de auxiliar neste processo. Porém, o contexto é muito complexo porque exige políticas públicas, comprometimento das famílias das crianças, envolvimento das escolas e da sociedade como um todo.

O acesso irrestrito e impensado às tecnologias não envolve apenas a capacidade técnica de utilizar os aplicativos, como, por exemplo, escolher vídeos no Youtube. É preciso ter uma habilidade reflexiva sobre os conteúdos. O que os criadores pretendem? O que está por trás das mensagens? O filme Emoji pode ser um bom caminho para o início desse debate.

Referências

SILVA, R. L. da .; MEDEIROS, N. A. de . O uso do emoji na construção de sentido em conversas do whatsApp. Anais do Encontro Virtual de Documentação em Software Livre e Congresso Internacional de Linguagem e Tecnologia Online, [S. l.], v. 9, n. 1, 2021. Disponível em: https://nasnuv.com:443/ojs2/index.php?journal=CILTecOnline&page=article&op=view&path[]=825. Acesso em: 28 out. 2022.

COSTELLA, Roberta. A escrita e o emoji: uma reflexão semiológica pela interpretação da língua. Tese (Doutorado em Letras) — Universidade de Passo Fundo: 2022. Disponível em: http://tede.upf.br/jspui/bitstream/tede/2242/2/2022RobertaCostella.pdf. Acesso em 23 out.2022.

CRISTO, WG, & Potter, WJ (1998). Edição especial sobre alfabetização midiática. Jornal de Comunicação, 48(1), edição inteira. Dorr, A. (1986). Televisão e crianças: um meio especial para um público especial. Beverley Hills, CA: Sage.

Grizzle, Alton. Alfabetização midiática e informacional: diretrizes para a formulação de políticas e estratégias / Alton Grizzle, Penny Moore, Michael Dezuanni e outros. — Brasília: UNESCO, Cetic.br, 2016.

Livingstone, Sônia; Shenja, Van der Graaf. Alfabetização midiática. London School of Economics and Political Science: 2010. Disponível em: https://www.academia.edu/283818/Media_Literacy. Acesso em 30 out.2022.

MARTINE, Joly. Introdução à Análise da Imagem. Lisboa: Ed. 70, 2007.

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Taís Alves
COMUNICAR: popularizando a Literacia Midiática

Jornalista, professora, doutoranda em Comunicação pela UFJF