Influenciadores digitais e a positividade tóxica

A sociedade contemporânea é permeada por uma cultura da positividade excessiva, um fenômeno no qual a busca incessante por sucesso e felicidade molda não apenas as aspirações individuais, mas também as interações sociais. Byung-Chul Han, renomado filósofo sul-coreano, aborda essa temática em seu livro “A Expulsão do Outro”, fornecendo uma perspectiva crítica sobre os efeitos dessa busca desenfreada por positividade.

A obra aborda a dinâmica contemporânea das relações sociais, focando na ausência do “outro” e no impacto disso na sociedade atual. Han discute como a era digital, a cultura do consumo e a busca incessante pela positividade têm influenciado nossa percepção do outro e como isso pode levar à exclusão, à solidão e à perda da empatia. O autor destaca como a sociedade moderna valoriza a produção, a eficiência e a conexão constante, mas muitas vezes isso ocorre à custa da verdadeira conexão humana. A tecnologia, apesar de nos conectar virtualmente, pode, paradoxalmente, nos distanciar das relações interpessoais profundas.

Han argumenta que essa falta de espaço para o “outro”, seja na forma de ideias divergentes, culturas diferentes ou simplesmente indivíduos com perspectivas distintas, leva a uma sociedade onde a diferença é muitas vezes temida ou rejeitada. Isso resulta em um ambiente onde a diversidade de pensamento é suprimida, levando à uniformidade e à perda da riqueza que a multiplicidade de perspectivas pode oferecer. Uma reflexão inspiradora deste livro é a importância de preservar a presença do “outro” em nossas vidas. Valorizar a diversidade, a empatia e a capacidade de ouvir e compreender pontos de vista diferentes é crucial para uma sociedade mais inclusiva e resiliente.

Na era das redes sociais, por exemplo, em que a imagem conta mais do que o conteúdo produzido, os influenciadores desempenham um papel crucial na perpetuação de hábitos que propagam essa ideia. Através de plataformas de mídias sociais como Instagram, Twitter e TikTok, eles projetam uma imagem de vida perfeita e positiva, exibindo conquistas e momentos aparentemente inesquecíveis. Essa representação idealizada, no entanto, contribui para a construção de uma narrativa irreal, em que a positividade é a norma e qualquer forma de adversidade é muitas vezes ocultada.

A análise de Han destaca os perigos dessa cultura, apontando para a superficialidade que ela impõe às interações humanas. Ao se esforçar constantemente para alcançar padrões idealizados de sucesso e felicidade, a sociedade moderna acaba por excluir aspectos cruciais da experiência humana, como o reconhecimento da dor e a vulnerabilidade. Além disso, a autenticidade do sujeito é colocada em prova quando os limites entre vida social real e digital são constantemente tensionados pelo intermédio das mídias sociais.

Ao tratar sobre autenticidade, Han acredita que ela esteja diretamente ligada ao consumo, dessa forma a construção da autenticidade do sujeito não o tornaria autônomo, e sim um produto que consome as “tendências” do mercado. Ao estar inserido em uma sociedade que coloca o consumo acima do ser, o sujeito teria dificuldade em ver o outro, e isso acabaria levando ao que ele chama de “impulso narcísico”.

O outro passa a ser visto como instância de gratificação, ou seja, só se considera autêntico se tiver a aprovação do outro ser. Assim, as relações seriam como uma troca narcísica, e o indivíduo da sociedade viveria no limite do cansaço, depressivo, uma vez que, aprisionado em seu próprio eu, ele está saturado de si, pois expulsou o outro com a sua respectiva negatividade. Com a expulsão do outro, desencadeia-se, em decorrência, uma autodestruição.

Os influenciadores, muitas vezes sem intenção, tornam-se agentes dessa exclusão ao contribuírem para a construção de narrativas positivas em seus perfis. Ao apresentarem uma vida que parece constantemente iluminada pelo sucesso e pela alegria, eles inadvertidamente alimentam a ilusão de que a felicidade é uma norma constante. Essa representação, por sua vez, contribui para a pressão social sobre os indivíduos, levando-os a esconder suas lutas e dificuldades, perpetuando assim uma cultura que não tolera a diferença.

A abordagem crítica de Han oferece um chamado à reflexão sobre a necessidade de espaço para a negatividade, para as experiências dolorosas e para a aceitação do “outro”. A cultura da positividade excessiva, quando desafiada por essa perspectiva, revela-se como uma fachada que obscurece a riqueza da experiência humana. Ao reconhecer a validade das emoções negativas e das imperfeições, a sociedade pode criar um ambiente mais inclusivo, onde a autenticidade e a compreensão mútua florescem. Em última análise, o livro de Byung-Chul Han convida o leitor a repensar a narrativa cultural predominante e a buscar uma conexão mais genuína e significativa com o outro.

A exclusão provocada pela cultura de positividade excessiva gera uma pressão psicológica nos indivíduos, provocando uma verdadeira avalanche de sentimentos como a angústia e a depressão vivida nestes tempos atuais de hipercomunicação. No Capítulo Limiares, o autor trata da noção da palavra ‘Limiar’, relacionando-a com temas atuais:

“A angústia também desperta no limiar. Ela é um típico sentimento limiar. O limiar é a passagem para o desconhecido. Além do limiar, começa um estado de ser completamente diferente. No limiar, por isso, está sempre inscrita a morte. Em todos os rituais de passagens, os rites de passage, se morre uma morte a fim de renascer além do limiar. A morte é, aqui, experimentada como passagem. Quem ultrapassa o limiar passa por uma metamorfose. O limiar como lugar da metamorfose dói”.

O tema central, mais uma vez perpassa a mesmice do “igual” a qual somos levados pelas Redes Sociais. Ele diz que somos “turistas” na internet e, como “turistas” somos remetidos mais uma vez a uma sensação de vivenciar o “igual”. Desta forma, se tornam cada vez mais permeáveis as fronteiras entre interior e exterior. Segundo o autor, hoje, inteiramente exteriorizados em uma “pura superfície”, que está exposta aos “raios incidentes de todas as redes”.

Ele diz que somos coagidos pela impulsão da transparência nas redes que fornece a tudo completa visibilidade. Essa condição leva ao desaparecimento do espaço de acolhimento e proteção. Para Han a transparência e a hipercomunicação nos furtam de toda interioridade protetora, gerando angústia:

“O inferno transparente do igual não é livre de angústia. Angustiante é, justamente, o cada vez mais forte murmúrio do igual”

A comunicação na obra, se expressa num vazio sem proximidade, sem olhar e sem voz. A voz que ela expressa é alisada, sem corpo, transparente, não sendo capaz de conferir sedução, tampouco, deleite.

Em a “Linguagem do outro”, o filósofo aponta para o fato da falta de espanto proporcionado pela tela digital. A voz do outro foi silenciada, entretanto escuta-se uma barulheira do igual.

O frente a frente foi extinto e em seu lugar aparece a tela fria. No texto, “O pensamento do outro” Han reflete sobre a transparência do outro, que perdeu seu mistério e foi degradado a um mero objeto econômico. E, em contrapartida chama a atenção para a necessidade da escuta e do olhar sincero, bem como à consideração ao pensamento do outro, como estratégias para confrontar o ego inflado cultivado pelo sistema neoliberal.

Referências: HAN, Byung-Chul. A expulsão do outro: sociedade, percepção e comunicação hoje. Petrópolis, Vozes, 2022.

Autores:

Alex Sandro Benetti Dias — Uniso

Ana Karolina de Carvalho Pereira Araújo — UFF

Gabriella Cristina Almeida Tellini — Uniso

Maurício Simionato — Uniso

Raí de Castro — UFJF

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