Literacia informacional: um fator fundamental para alcançar a literacia midiática

Apesar dos avanços tecnológicos que transformaram a sociedade atual, chamada de Sociedade da Informação, a informação ocupa o centro de todo o processo comunicacional, sendo a tecnologia uma atividade meio (Carvalho e Raposo, 2012). Diante desta transformação social, movimentada ativamente pelos prossumidores (produtores + consumidores de informação), há grande debate acerca da importância da literacia midiática. A literacia midiática, que se refere a capacidade de acessar, analisar, avaliar e criar mensagens em diversos contextos (Livingstone, 2004), está intrinsecamente ligada à relação dos usuários com a informação, com a sua capacidade de entender, selecionar, criticar e compreendê-las. Neste contexto, a literacia midiática se mistura, ou mantém uma relação de interdependência, com a literacia informacional, uma vez que as capacidades e competências dos usuários não se limita ao uso das tecnologias, mas o uso da informação através das tecnologias.

Palavras-chave: literacia informacional, literacia midiática, sociedade da informação

A informação no centro da comunicação

“Se a compreensão, a má compreensão ou a falta de compreensão das mídias e dos outros provedores de informação, incluindo aqueles na internet, começam nas mentes de homens, mulheres e crianças, suas mentes precisam ser empoderadas para que possam beneficiar da mídia e da informação às quais têm acesso.”

UNESCO (p. 43, 2016)

As Tecnologias de Informação e Comunicação são o apoio da Sociedade da Informação — a qual Castells designa como informacional — e são baseadas em transformações de base tecnológica, mas baseada, principalmente, pela informação assumindo o papel de alicerce essencial da sociedade (Carvalho e Raposo, 2012). Nesta nova realidade, a informação assume o papel central e é apontada por Castells, como elemento principal e a tecnologia como uma atividade meio.

Informacionalismo é o paradigma tecnológico que constitui a base material do início das sociedades do século XXI, para o qual Castells definiu cinco aspectos (Santos, 2014), dos quais o primeiro evidencia a informação como ponto-chave em meio a toda a tecnologia, processos e novos comportamentos nesta Sociedade da Informação:

1) Informação como matéria-prima: todas as plataformas digitais em operação têm como fonte de trabalho à informação, e não a informação sob as plataformas digitais, como ocorreu em revoluções tecnológicas anteriores;

2) Penetrabilidade dos efeitos das novas tecnologias: como a informação é um fenômeno humano, logo, todos os processos humanos envolvidos são moldados pelo novo meio tecnológico;

3) Lógica de redes: estruturação de um conjunto de relações para interação e maior usufruto criativo nas plataformas digitais;

4) Flexibilidade: corresponde a possibilidade de organização e reorganização, configuração e reconfiguração dos elementos individuais e organizacionais;

5) Convergência de tecnologias específicas para um sistema integrado: capacidade de integração de informações em um grande sistema visando maior interação, comunicação e cooperação estratégicas.”

O paradigma tecnológico caracteriza a produção e uso, por indivíduos e organizações, da Internet e das plataformas digitais para saciar a necessidade, cada vez mais emergente, de comunicação, acesso, utilização e transferência de informação.

Esta relação entre informação e comunicação, potencializada pela tecnologia, pode ser renovada e fortalecida por meio do desenvolvimento de competências (habilidades, conhecimento e atitudes) representadas nos conceitos sobrepostos de literacia informacional (LI) e literacia midiática (LM) (UNESCO, 2016):

- Literacia informacional (LI): concentra no usuário da informação e centra-se no engajamento com a informação e no processo de se tornar informado. Está associado ao “aprender a aprender” e ao uso da informação de forma crítica, com responsabilidade e ética. A LI não depende totalmente de tecnologias de informação, mas é influenciado por elas.

- Literacia midiática (LM): concentra no ambiente midiático e em como este facilita, molda, permite e, em alguns casos, constrange o engajamento com a informações e o processo de comunicação. A LM permite a compreensão da natureza dos papeis e das funções da mídia e de outros fontes de informação na sociedade, avaliar o conteúdo midiático e engajamento nas mídias.

Considerando que a literacia midiática se refere a capacidade de acessar, analisar, avaliar e criar mensagens em diversos contextos (Livingstone, 2004), cabe questionar se é possível atingir os objetivos e competências da literacia midiática, principalmente, quanto à avaliação do conteúdo e engajamento, sem literacia informacional.

Literacia informacional e Literacia midiática: um processo interligado

A competência midiática está relacionada com a autonomia e desenvolvimento de capacidades críticas, desenvolvidas nos cidadãos para lidar com os recursos midiáticos, ou seja, a combinação de conhecimentos, habilidades e atitudes de um cidadão, tanto como consumidor quanto produtor de conteúdos midiáticos (Ferrés and Piscitelli. 2015).

Essa mistura de papéis, na comunicação da Sociedade da Informação, em que os “prossumidores” (produtor + consumidor), como chama Ferrés and Piscitelli (2015) e termo também citado no Livro Branco: Literacia transmedia na nova ecologia mediática (2018), consomem, criam e partilham informações, torna ainda mais emergente a abrangência de conceitos da literacia informacional. A informação, apoiado pela tecnologia, assim como afirma Castells, está no centro de todo este processo de comunicação (Santos, 2014) e, portanto, necessita de atenção, não somente na forma como é produzida, mas consumida e interpretada.

Quando Ferrés and Piscitelli (2015) apresentam sua proposta de seis dimensões para avaliar e promover o desenvolvimento de competências midiáticas (linguagem, tecnologia, processo de interação, âmbito de expressão, processos de produção e difusão, ideologia e valores e por fim estática), estas dimensões estão relacionadas ao âmbito de análise (participação das pessoas que recebem mensagens e interagem com elas) e ao âmbito de expressão (produção das mensagens), ou seja, os autores assumem que existe essa necessidade de olhar tanto para o consumo quanto a produção de informação.

No entanto, o engajamento e avaliação de conteúdo pelos prossumidores exige capacidades que vão além do saber utilizar recursos tecnológicos e acessar conteúdos midiáticos. É importante possuir capacidades e competências inseridas na literacia informacional, para que seja possível gerar conhecimento e assim, gerar pessoas que estejam preparadas para a tomada de decisão, para criticar as informações e, inclusive, assumirem atitudes responsáveis pelas informações que cria e partilha.

Apesar das tecnologias transformarem drasticamente a forma como a sociedade se comunica e impactando-a em todos os âmbitos, permitindo acesso e produção de informação a níveis nunca vistos, isso não resultou, necessariamente, em aumento de conhecimento pela sociedade. Para tornar o conhecimento pertinente é preciso quatro instâncias (Gruzman e Siqueira -2007 apud Morin — 2000), que vão além do uso de artefatos tecnológicos e acesso a informação:

- o contexto (possui função de situar as informações e os dados para que adquiram sentido),

- o global (organização e desorganização, relação entre o todo e as partes)

- o multidimensional (reconhecimento de diferentes aspectos de uma realidade)

- o complexo (exposição de todos os elementos do todo e que são inseparáveis)

Então para gerar conhecimento não basta apenas o acesso à informação, é necessária uma combinação de fatores que dependem da fidelidade da informação recebida, da capacidade do receptor de entendê-la e processá-la e, principalmente, do conhecimento prévio ao qual a nova informação será agregada gerando novo conhecimento.

Assim como defende Castells: a informação não tem grande valor per se, sem o conhecimento para a recombinar em função de um objetivo (Santos,2014), ou seja, o excesso de informação sem contextualização e capacidade de interpretação não gera conhecimento. Esta ideia é reforçada por Edgar Morin: “o conhecimento só é conhecimento enquanto organizado, relacionado e inserido no contexto destas” e “as informações constituem parcelas dispersas de saber” (Santos, 2014).

No livro “A cabeça bem-feita” Morin cita a frase de Montaigne: “[…] mais vale uma cabeça bem-feita do que uma cabeça bem cheia.”. O significado de ‘uma cabeça bem cheia’ remete a uma cabeça onde o saber é acumulado, empilhado e não dispõe de um princípio de seleção e organização que lhe dê sentido. ‘Uma cabeça bem-feita’ remete à aptidão geral, para colocar e tratar problemas, e de princípios organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido” (Cassins, 2015 apud Morin, 2014).

Neste contexto, cabe ressaltar que tão importante quanto ter acesso, saber acessar, ser capaz de identificar ou recolher informações nos mais variados meios de comunicação, é importante que os usurários estejam preparados para entender, absorver, separar e compreender a combinação das mais variadas informações que consomem e produzem pelos meios tecnológicos.

No documento da UNESCO (2016) é defendida a interdependência da LI e da LM, e afirma que os cidadãos somente estarão empoderados para engajar nas mídias e em outros meios de informação, tornando-se bem-informados, quando as competências destas duas literacias estiverem combinadas. Neste mesmo documento, sugere a literacia dos mídia e informacional como um conceito composto: Literacia midiática e informacional.

A Figura 1 une todas as dimensões de conhecimento e capacidades necessárias para a literacia midiática e informacional (UNESCO.2016):

· informação, mídia e outros provedores de informação — círculo mais ao centro (abrange os recursos e instituições de propagação informação),

· finalidade — círculo da cor vinho (relacionado com as razões pelas quais os usuários usam as informações e engajam nas mídias),

· compreensão círculo da cor verde (relacionado com o conhecimento básico que deve ter sobre as operações, funções, natureza, padrões profissionais e éticos em todas as formas de mídia)

· processo e prática — círculo mais externo (relacionado com os passos para criar e usar informações e conteúdos midiáticos com eficácia e ética).

Figura 1 — Alfabetização midiática e informacional: uma proposta de matriz conceitual (UNESCO, 2016)

A análise da Figura 1, evidencia que a atenção não deve limitar-se na relação do usuário com as tecnologias, mas nas relações usuário x informação e usuário x tecnologias simultaneamente para alcance das competências da literacia midiática. Neste contexto, a informação, que está no centro de todo o processo comunicacional e midiático, precisa ser entendida, compreendida e organizada, para gerar o conhecimento necessário para a crítica, avaliação e engajamento supostos na literacia midiática.

Então para que os objetivos da LM sejam atingidos, é fundamental que haja LI, apesar da recíproca não ser verdadeira, pois é possível atingir a literacia informacional independente da tecnologia, apesar de ser influenciada e, em muitos casos, facilitada por ela.

Considerações finais

A literacia midiática, que diz respeito à relação entre textualidade, competência e poder, sem uma abordagem democrática e crítica limita o posicionamento do público a apenas receptores seletivos, consumidores de informação online e comunicação (Livingstone,2004). Entretanto, é fundamental repensar como este público, consumidor e produtor de informação, pode ser capaz de reposicionar no processo de comunicação, deixando o tradicional papel passivo de consumidor para também ser produtor de informação (prossumidores), sem capacidade de interpretação, crítica e avaliação das informações que consomem, criam e partilham.

Como a literacia midiática não se resume apenas a prossumidores funcionais, apenas capazes de utilizar artefatos tecnológicos, abrangendo também a capacidade de engajamento com as informações que recebe e cria, e para isso, são fundamentais as capacidades da literacia informacional, para gerar pessoas capazes analisar de forma crítica as informações que lhes chegam, gerar conhecimento e, por fim, gerar engajamento com os temas que entendem e afetam-lhes como pessoas ou como comunidade.

Bibliografia

Carvalho, J. Raposo, R. (2012) O potencial dos social media como ferramenta de comunicação dos museus com o seu público através do digital. Revista Comunicando. v.1, n.1, Dezembro.

Cassins, B. C. (2015) O pensar complexo e a atuação docente na educação infantil em escola de tempo integral. EDUCERE. XII Congresso Nacional de Educação.

Ferrés, J and Piscitelli, A. (2015) Competência midiática: proposta articulada de dimensões e indicadores. Artigo publicado em Revista do Programa de Pós-graduação em Comunicação Universidade Federal de Juiz de Fora / UFJF. ISSN 1981- 4070

Gruzman,C. Siqueira, V. H. (2007) O papel educacional do Museu de Ciências: desafios e transformações conceituais. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias Vol. 6, Nº 2, 402–423.2007.

Livingstone, S. (2004) What is media literacy? Intermedia, 32 (3). pp. 18–20.

Livro Branco: Literacia transmedia na nova ecologia mediática (2018) TRANSLITERACY — 645238. H2020 Research and Innovation actions. Transmedialiteracy.org

Santos, T. H. N. (2014) Entre o tecnológico e a complexidade: aplicações da web semântica nos sistemas de informação de arquivos. PRISMA.COM n.º 22. 2014.

UNESCO (2016) Alfabetização Midiática e Informacional — Diretrizes para formulação de políticas e estratégias. Brasília, Celtic.br.

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Jaqueline Dulce Moreira
COMUNICAR: popularizando a Literacia Midiática

Formada em Administração de Empresas , MBA em Gestão Estratégica, Mestre em Marketing , Doutoranda Media-Arte Digital, Produtora Audiovisual