Literacia Midiática e a Ficção Científica, como elas se convergem?

Imagem gerada por Inteligência Artificial

A convergência entre ficção e academia

O mundo vem se transformando cada vez mais rápido, novas tecnologias aparecem a todo momento, algumas como Internet das Coisas, Impressão 3D, Realidade Virtual e Aumentada e a tecnologia do momento Inteligência Artificial e, em específico, a IA generativa. E, claro, mais do que o surgimento dessas tecnologias, existe a adesão delas no cotidiano, seja com assistentes virtuais, como a Alexa, com as chamadas de vídeo, que agora fazem parte do nosso dia a dia e no âmbito dos negócios, por exemplo, segundo a Pesquisa Agenda 2023 realizada pela Deloitte, o investimento em IA será adotado por 70% das empresas consultadas em 2023.

Porém, será que estamos realmente preparados para a adesão de tantas novas tecnologias? Algumas pessoas ainda mal têm acesso à internet, quem dirá a essas tecnologias emergentes. Segundo o IBGE, 40 milhões de brasileiros não tinham acesso à Internet em 2019, sendo 12,6 milhões domicílios do país não havia internet, nos quais 25,7% dos casos, nenhum morador sabia usar a internet.

Assim, se desenvolve a discussão na academia sobre a Literacia Midiática, como um campo de estudo para entender a capacidade de entendimento das pessoas sobre a tecnologia. Porém, nem todos temos acesso à academia e aos textos dificílimos que há, por isso, este artigo surge com a proposta de fazer um paralelo do teor educativo da Ficção Científica, assim sendo uma forma de literacia midiática para as massas.

Mas afinal, o que é essa tal de Literacia Midiática?

A Literacia Midiática pode ser compreendida como a capacidade de acessar, analisar, avaliar e criar mensagens de diversas formas, conforme definido por Aufderheide (1993), Christ e Potter (1998) como a habilidade de acessar, analisar, avaliar e criar mensagens de formas variadas. Essa habilidade não se limita apenas a entender o funcionamento da mídia, mas também inclui o desenvolvimento de competências para navegar no mundo complexo da comunicação, compreender a transmissão de mensagens e formar opiniões, considerando os significados e implicações envolvidos.

No entanto, segundo Jenkins, a Literacia Midiática vai além do mero exercício de senso crítico e análise de informações. Ele argumenta que “as novas competências de literacia midiática devem ser vistas como competências sociais, como formas de interação comunitária, e não somente como competências individuais usadas para a autoexpressão” (Jenkins, 2007, p.20). Jenkins destaca a importância de considerar a dimensão social da literacia midiática, reconhecendo que o engajamento com a mídia não ocorre isoladamente, mas sim num contexto coletivo.

Compreender a tecnologia e a mídia é de vital importância para a nossa vida em sociedade. Não se trata apenas de estudar e adquirir conhecimento teórico, mas também de aplicar esse conhecimento em nossa identidade e na forma como produzimos e nos relacionamos com os conteúdos midiáticos. Apenas ter uma compreensão teórica das tecnologias não é suficiente; é necessário vivenciá-las e incorporá-las em nossas vidas.

Nesse sentido, a ficção científica desempenha um papel fascinante na construção da identidade individual. Por meio de seu caráter lúdico, ela nos transporta para mundos imaginários e nos faz refletir sobre questões fundamentais da existência humana. Ao explorar cenários futurísticos, avanços tecnológicos e suas consequências, a ficção científica nos desafia a questionar nossas próprias crenças, valores e limites.

Através da ficção científica, somos levados a considerar as implicações éticas, sociais e filosóficas das tecnologias emergentes. Ela nos encoraja a refletir sobre como essas tecnologias podem moldar o futuro e influenciar nossa relação com o mundo ao nosso redor. Além disso, a ficção científica nos convida a imaginar possibilidades alternativas e a explorar diferentes perspectivas, estimulando nossa criatividade e visão de mundo.

Em suma, entender e vivenciar a tecnologia e a mídia são aspectos essenciais para uma participação ativa e consciente em nossa sociedade. E a ficção científica, com sua abordagem lúdica e imaginativa, desempenha um papel significativo na construção de nossa identidade e na exploração das possibilidades e desafios que o futuro tecnológico nos reserva.

Um passo atrás, o que é Ficção Científica?

Imagem gerada por Inteligência Artificial

Embora muitas pessoas vejam o cinema como uma forma de entretenimento, há aqueles que reconhecem que ele pode ter um significado mais profundo e uma função além de entretenimento. O cinema é uma poderosa ferramenta artística e social que pode transmitir mensagens e explorar questões complexas muitas vezes relacionadas a nossa vida cotidiana, o que pode despertar reflexões nos espectadores mais atentos.

Além disso, o cinema é uma forma de expressão artística que pode refletir e influenciar a sociedade, segundo Cunha e Penafria (2017, p. 42), “Da mesma maneira que a literatura, o cinema é então encarado como uma expressão cultural que remete essencialmente para as significações da experiência humana”. Deste modo, para os espectadores mais atentos, o cinema se torna uma oportunidade de mergulhar em uma experiência emocional e intelectual. É uma forma de arte que pode abrir portas para novas ideias, expandir horizontes e desafiar nossas percepções. Por trás da superfície do entretenimento, o cinema pode oferecer visões profundas sobre a condição humana, despertar questionamentos e inspirar mudanças, justamente pelo cinema ser um retrato da nossa realidade, o que nos torna espectadores de nossas próprias vidas, facilitando vê-la com certo distanciamento.

Quando nos voltamos para o gênero da Ficção Científica, essa dinâmica se mantém. Embora sejam histórias fictícias, as mensagens transmitidas por elas são baseadas na percepção da realidade pelos roteiristas. Não devemos subestimar a importância do estudo dos gêneros de ficção, pois mesmo nas histórias mais fantasiosas há uma base de verdade subjacente.

As histórias de ficção científica frequentemente apresentam visões futurísticas, avanços científicos e sociedades alternativas, desafiando-nos a questionar o status quo e a considerar possibilidades além do que é atualmente conhecido. De acordo com Rocha e Castro (2009, p.3) o “[…] entretenimento é o principal produto oferecido pela cultura da mídia, que espetaculariza o cotidiano de modo a seduzir suas audiências e levá-las a identificar-se com as representações sociais e ideológicas nela presentes.”. Logo, as ficções científicas podem nos encorajar a refletir sobre o impacto das tecnologias emergentes, os dilemas éticos envolvidos e as implicações sociais e políticas das escolhas que fazemos como sociedade.

Publicação da Editora Aleph, focada em Ficção Científica

Portanto, ao explorar o gênero da ficção científica, descobrimos que ele vai além da mera fantasia e escapismo, afinal como diz Nogueira (2010, p. 26) “[…] podemos considerar ficção científica todo o relato que efabula ou especula sobre mundos e acontecimentos possíveis a partir de hipóteses logicamente verosímeis.”. Assim o gênero nos convida a refletir sobre a natureza da realidade, a explorar diferentes futuros possíveis e a repensar os paradigmas estabelecidos.

Através da ficção científica, somos levados a explorar e imaginar possibilidades futuras que surgem a partir dos avanços tecnológicos. Através da imaginação, podemos compreender melhor as implicações sociais, políticas e éticas que podem surgir desses avanços. A ficção científica não se limita apenas a entreter, mas também desempenha um papel educativo ao nos provocar a refletir sobre as complexidades da interação entre tecnologia, sociedade e poder.

Enfim, a convergência: A Literacia Midiática promovida pela Ficção Científica.

A Literacia Midiática e a ficção científica, apesar de abordarem perspectivas diferentes, estão relacionadas ao consumo da tecnologia.

Ambas incentivam o pensamento crítico e a interpretação das mensagens midiáticas. A Literacia Mediática concentra-se no desenvolvimento de habilidades para analisar, avaliar e compreender várias formas de mídia, sejam elas físicas (livros, jornais, revistas) ou virtuais (filmes, séries de TV, conteúdo online de blogs ou mídias sociais). Por outro lado, a ficção científica apresenta uma visão especulativa sobre o futuro, com o objetivo de provocar reflexões sobre questões sociais, tecnológicas e éticas, como é possível observar na literatura de Asimov sobre as 3 leis da robótica, trazendo uma discussão de como seria estabelecida a ética dos robôs dentro de um novo contexto social:

Trecho do filme Homem Bicentenário explicando as leis da robótica de Asimov

Em relação ao aspecto social, tanto a Literacia Midiática quanto a ficção científica podem servir como meio de reflexão e aprimoramento da esfera social. A Literacia Midiática dedica-se à compreensão de como os meios midiáticos podem moldar percepções, valores e comportamentos sociais. Por sua vez, a ficção científica utiliza cenários futuristas ou alternativos para explorar e comentar questões contemporâneas, como o impacto da tecnologia, a desigualdade social ou as consequências das ações humanas. Como é o caso da animação Wall-E, que traz como cenário para o filme um mundo futurista em que a humanidade produziu tanto lixo que teve que sair do planeta Terra e com a tecnologia desenvolvida vive uma vida sedentária no espaço, tendo a tecnologia ao seu dispor.

Trailer da animação Wall-E

Isso ocorre porque ambas abordam frequentemente o comportamento humano e sua complexidade. A Literacia Midiática busca entender como as representações midiáticas moldam nossa compreensão do comportamento humano, estereótipos e normas culturais. A ficção científica, por sua vez, utiliza simbolicamente cenários e personagens fictícios para refletir sobre a natureza humana, levantando questões sobre identidade, moralidade e as possíveis consequências de nossas escolhas. Em Eu, Robô, há uma cena justamente sobre a reflexão entre a similaridade do comportamento humano com os robôs criados, nos fazendo questionar a própria natureza humana:

Trecho do filme Eu, Robô

Embora a Literacia Midiática aborde principalmente conteúdos não ficcionais e factuais, ela também explora a imaginação e a criatividade, assim como a ficção científica. Ela encoraja as pessoas a se envolverem criticamente com os textos midiáticos, considerando as mensagens pretendidas, os preconceitos e as técnicas narrativas utilizadas, e a ir além de simplesmente entender e avaliar a informação, permitindo também a criação e compartilhamento do conhecimento. Enquanto isso, a ficção científica, como gênero narrativo, oferece mensagens especulativas e imaginativas que exploram possibilidades além da nossa realidade atual, desafiando os leitores ou espectadores a expandirem seu pensamento e a considerarem futuros ou cenários alternativos. Como é o caso do filme Jogador Número 1, no qual o enredo brinca com um mundo em que o Metaverso existe com o nome de OASIS, um jogo de realidade virtual que serve como uma extensão de um mundo físico em seu final.

Trailer do filme Jogador Número 1.

Dessa forma, embora a Literacia Midiática seja um conceito mais abrangente, englobando todas as formas de mídia, incluindo conteúdos não ficcionais e factuais, ela pode ser representada pela ficção científica, um gênero específico dentro da literatura, do cinema e de outras mídias, que frequentemente utiliza elementos especulativos e futuristas. Ambas compartilham uma ênfase comum no pensamento crítico, interpretação, comentário social e exploração imaginativa. Portanto, trabalhar com ambas pode destacar a conexão entre ficção e não ficção como construção e desenvolvimento da identidade humana.

Trecho do filme O Guia do Mochileiro das Galáxias sobre o conhecimento e a tecnologia.

Referências

Aufderheide, P. (Ed.) (1993). Media Literacy: A report of the national leadership conference on media literacy. Aspen, CO.: Aspen Institute.

Christ, W. G., and Potter, W. J. (1998). Media literacy, media education, and the academy. Journal of Communication, 48(1): 5–15.

CUNHA, Paulo e PENAFRIA, Manuela. Crítica do Cinema: Reflexões sobre um discurso. Covilhã: LabCom.IFP, 2017. Disponível em: http://www.labcom-ifp.ubi.pt. Acesso em 01 de junho de 2023.

Jenkins, H. e outros (2007), Confronting the Challenges of Participatory Culture: Media Education for the 21st Century, Chicago, MacArthur Foundation.

NOGUEIRA, Luís. Manuais de Cinema II: Géneros Cinematográficos. Covilhã: LabCom.IFP, 2010. Disponível em: http://www.labcom-ifp.ubi.pt. Acesso em 10 de abril de 2018.

ROCHA, Rosa de Melo e CASTRO, Gisela G. S. Cultura da mídia, cultura do consumo: imagem e espetáculo no discurso pós-moderno. Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/logos/article/view/361. Acesso em 01 de junho de 2023.

TUCHERMAN, Ieda. Breve história do corpo e de seus monstros. Lisboa: Veja, 1999.

--

--

Boliveira Ciso
COMUNICAR: popularizando a Literacia Midiática

Geek, observadora e analista. Busco entender o contexto cultural, individual e geral, dos consumidores me ajuda a saber qual conteúdo criar.