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Literacia midiática na compreensão do cenário da fome no Brasil

Pensar em literacia midiática é levar em conta os mais variados processos sociais e como cada indivíduo lida com produtos inerentes a mídia. De acordo com Christ & Potter 1998, 7 apud LIVINGSTONE e GRAAF (2010) “A alfabetização midiática foi definida como “a capacidade de acessar, analisar, avaliar e criar mensagens em uma variedade de contextos” .

Por isso, no cenário político atual, além do fenômeno das Fakenews, também é possível presenciar na sociedade algumas distorções sobre o cenário socioeconômico do país, principalmente no que se trata da fome que acometem milhares de brasileiros.

De acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), em 2018, 5,8% dos brasileiros passavam fome. Em 2020, essa parcela subiu para 9% e, em 2022, chegou a 15,5%. Hoje em dia são 33,1 milhões de brasileiros passando fome e 6 a cada 10 brasileiros vivem com insegurança alimentar.

Também de acordo com estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e publicado na Revista Cadernos de Saúde Pública, editada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), revelou que 21,2% dos lares chefiados por mulheres negras 21,2% deles têm insegurança alimentar moderada ou grave e outros 25,6% possuem insegurança alimentar leve.

Diante desse cenário, o presidente Jair Messias Bolsonaro, deu uma declaração na rádio Jovem Pan e no podcast fisiculturismo, no dia 26 de agosto onde deu a seguinte dala ao ser questionado pela fome no Brasil:

“Essa senadora [Simone Tebet] aí, falou besteira aqui. Gente passa mal? Sim, passa mal no Brasil. Alguém já viu alguém pedindo um pão na porta, ali, no caixa da padaria? Você não vê, pô”, afirmou Bolsonaro.

Como os próprios dados numéricos acima demonstram, a declaração do presidente é completamente diferente da realidade. Mas o que será brevemente explorado nesse texto, dentro do contexto da literacia midiática, é a interpretação dos internautas mediante essa declaração.

Abaixo alguns prints, da notícia publicada pelo portal G1 e pelo veículo Estadão em suas respectivas contas do Twitter.

Postado 26 de agosto de 2022 (portal G1)
Comentário que discorda da fala do presidente
Comentário de apoio ao presidente
Postado 26 de agosto de 2022 (Estadão)
Comentário discordando da fala do presidente
Comentário de apoio ao presidente

Nos dois veículos de massa já podemos ver divergências de posicionamentos nos comentários. Nos dois primeiros prints do G1, é possível perceber que os leitores contestam a fala mentirosa do presidente. Nos dois últimos prints, do Estadão, percebe-se que apoiadores do Bolsonaro respondem com post que muitas vezes nem mencionam a questão da fome no Brasil: respondem com figuras, charges ou memes que vão tentar rebaixar a imagem de Lula, principal adversário de Bolsonaro. Ou tentam ridicularizar qualquer falar anterior que concorde com a existência da fome.

Ainda de acordo com LIVINGSTONE e GRAAF (2010), o ambiente virtual modifica as concepção de produções midiática. O internauta desempenha um papel para além da recepção: ele também é produtor de material midiático. Por isso, seguindo com o raciocínio, quando se estuda literacia midiática no meio digital, o processo de acessar, compreender e criar precisa serem sempre levados em conta.

A rede mundial de computadores inclui muitos sites construídos por membros comuns do público, tanto como indivíduos quanto como parte de seus papéis locais ou comunitários. Consequentemente, questões de igualdade e exclusão, e de autoridade e qualidade, estão todas na agenda da pesquisa em alfabetização midiática

Assim o caso analisado nesse texto passa por outras camadas quando pensamos que internautas com a percepção verdadeira da fome no Brasil, tem a mesma capacidade de disseminar suas ideias no mundo virtual, da mesma forma que aqueles que acreditam a fome ser inexistente no país.

Em um país com 33 milhões de pessoas passando fome, ouvir do presidente que tudo não passa de uma invenção, causa diversos olhares a partir da avaliação e compreensão midiática que cada pessoa faz ao receber esse tipo de conteúdo falso.

Ao mesmo tempo que seus apoiadores acreditam que de fato a fome é uma invenção do jornalismo ou dos políticos de esquerda, existe um movimento contrário de pessoas que enxergam a real situação do país e que também se utilizam das mídias como forma de expor o que realmente acontece na casa de milhões de brasileiros.

REFERÊNCIAS

Post Estadão. Matéria “Bolsonaro diz que não existe fome ‘para valer’ no Brasil” . Acesso https://twitter.com/Estadao/status/1563314096375840768?t=Kh0EQidB0wgqT-w8NhEAFw&s=19 em 08 de outubro de 2022

Post portal G1. Matéria “Bolsonaro nega, por duas vezes, escalada da fome no Brasil: “Não existe da forma como é falado”. Acesso em https://twitter.com/g1saopaulo/status/1563658113240010752 08 de outubro de 2022

LIVINGSTONE, Sonia; VAN DER GRAAF, Shenja. Media literacy. The International Encyclopedia of Communication, First Edition. Edited by Wolfgang Donsbach. John Wiley & Sons, Ltd., 2010. DOI:10.1002/9781405186407.wbiecm039

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