Literacia na fast fashion SHEIN

A literacia midiática presente nos comentários dos produtos da SHEIN

“Está barato, mas será que presta”?

“Como comprar um produto que não consigo provar”?

“Será que ao vivo a cor é tão bonita quanto nas fotos”?

“Ficou lindo na modelo, mas será que em mim vai ficar bom”?

Essas são algumas perguntas que as consumidoras fazem ao comprar pela internet. São perguntas muito válidas e demonstram certa reflexão antes de tomar a decisão da compra. Essas dúvidas certamente aumentam quando o consumidor deseja fazer uma compra internacional. No caso da fast fashion SHEIN, que vende produtos feitos e entregues a partir da China, essas dúvidas não têm atrapalhado os clientes. Isso porque a SHEIN tem uma estratégia eficiente de engajamento em que os próprios clientes produzem conteúdo para a marca.

A SHEIN é uma varejista eletrônica global, que tem crescido muito nos últimos anos (imagem da internet)

Sobre a SHEIN:

A SHEIN é uma empresa de comércio eletrônico com sede na China que se tornou extremamente popular nos últimos anos. Fundada em 2008, a Shein se especializou em moda rápida e acessível para mulheres, homens e crianças. Mesmo se tratando de uma empresa internacional, do final de 2022 para o início de 2023, as vendas da SHEIN cresceram 300% no Brasil (SOUZA, 2023). A Shein oferece diversos produtos com preços acessíveis, e independente da demora de quase 15 dias para receber os produtos, os consumidores têm comprado.

Se você visitar a loja on-line da SHEIN, pode observar um detalhe que ajuda os consumidores a tomarem uma decisão: na maioria dos seus produtos constam comentários/avaliações de pessoas reais, que descrevem a qualidade do tecido, o acabamento, o tamanho dos produtos, a cor e outros detalhes. Alguns clientes incluem fotos usando o produto. Essas avaliações dão credibilidade a loja, por se tratarem de textos autênticos sobre o produto da vitrine virtual.

Os comentários descrevem o tamanho do produto, o tecido, a impressão que tiveram e alguns usuários incluem fotos usando o produto.

Ganhando pontos na SHEIN

Para conseguir esse engajamento a SHEIN tem usado uma estratégia de gamificação para envolver seus clientes. Gamificação é o processo de aplicar elementos e mecânicas de jogos em contextos não relacionados a jogos. No caso da SHEIN, diversas atividades do aplicativo valem pontos que se tornam descontos em futuras compras. Cada ponto vale $0,01 centavo de dólar, aproximadamente R$0,05 centavos de real no Brasil.

O usuário que se cadastra e confirma o seu e-mail, ganha pontos. Se visitar o aplicativo diariamente e dar check-in, também pontua. Existem mini games onde o usuário, além de pontos, ganha cupons. Enfim, diversas atividades promovem o engajamento com os usuários em troca de pontos. Um resultado que tem sido muito importante para o crescimento da marca, afinal “audiências engajadas são mais propensas a recomendar, discutir, pesquisar, repassar e até gerar material em resposta” (JENKINS, FORD e GREEN, 2014. p.153).

Neste sistema de pontos, uma das atividades que os usuários mais participam é na criação de resenhas, que são os comentários/avaliações que citamos acima. Ao efetuar uma compra, o consumidor tem a opção de compartilhar sua opinião sobre o produto e sua experiência de compra no aplicativo, sendo recompensado com 17 pontos. Para receber a pontuação, a avaliação deve atender a três requisitos:

· redigir um comentário (5 pontos) contendo no mínimo 20 palavras e no máximo mil, sendo recomendado pelo guia de avaliação do aplicativo que o tamanho ideal seja de 75 a 500 palavras;

· incluir três fotos nítidas utilizando o produto (10 pontos)

· fornecer informações sobre o tamanho (2 pontos).

A estratégia produziu resultados, uma vez que existem produtos que contam com mais de mil comentários e muitas vezes a primeira resenha tem milhares de curtidas. Como vemos no exemplo abaixo:

A peça tem mais de 1000 comentários (destaque em vermelho) e a primeira avaliação tem 2.818 curtidas. Além do texto criativo a cliente postou fotos bem produzidas, usando a peça comprada na SHEIN.

Consumidores e produtores de conteúdo

Através desse sistema de pontos, a SHEIN tem incentivado seus clientes a tornarem-se produtores de conteúdos, criando textos inéditos, produzindo fotos usando as peças da marca e divulgando seus produtos.

A estratégia pode parecer inovadora, porém na década de 80, Alvin Tofler usou o termo “prossumer”, para explicar a combinação das palavras “produtor” e “consumidor”. Em seu livro “A Terceira Onda” (The Third Wave) Tofler argumenta que a tecnologia permitiria que os consumidores se tornassem produtores e participassem ativamente da criação de produtos e serviços.

Até hoje o termo “prossumer” é usado para descrever um novo tipo de papel que os consumidores desempenham na economia atual, em que eles não apenas consomem produtos, mas também os produzem ou contribuem ativamente para a criação e desenvolvimento de bens e serviços.

Com o avanço da tecnologia e o surgimento de plataformas online e ferramentas acessíveis, os consumidores têm mais oportunidades do que nunca para se envolverem na produção de conteúdo, criação de produtos e prestação de serviços. Por exemplo, as redes sociais e as plataformas de compartilhamento de vídeos permitem que os consumidores criem e compartilhem seu próprio conteúdo digital, enquanto as plataformas de financiamento coletivo permitem que eles apoiem projetos e ideias nascentes.

Henry Jenkins, professor de Estudos de Mídia na Universidade do Sul da Califórnia, também aborda o prossumerismo em seu livro “Cultura da Convergência” (Convergence Culture). Ele explica como os consumidores estão se tornando participantes ativos na criação e circulação de conteúdo através de diferentes plataformas e mídias.

O conceito de prossumer representa uma mudança na relação tradicional entre produtores e consumidores, onde os limites estão se tornando cada vez mais fluidos. No caso da SHEIN, podemos entender que os clientes que escrevem as resenhas comentando os produtos não são passivos na cadeia de consumo, mas também ativos na produção e co-criação de valor. Eles podem influenciar o desenvolvimento de produtos, fornecer feedback, compartilhar suas opiniões e até mesmo contribuir diretamente para a produção. Os melhores e mais curtidos comentários são os que tem esse conteúdo (texto e/ou fotos) mais elaborado.

Porém, para que as avaliações de produtos sejam úteis para os outros clientes da SHEIN, os usuários precisam dominar técnicas de envio de fotos, saber em qual lugar do aplicativo podem escrever suas resenhas, e principalmente, precisam ter a capacidade de analisar criticamente sua compra, avaliando se o que foi prometido no anúncio é o que realmente foi entregue. Resumindo, é necessário que eles tenham literacia midiática que inclua uma visão crítica sobre a publicidade.

A literacia e a publicidade

A literacia na publicidade é um conceito que se refere à capacidade das pessoas em compreender, analisar criticamente e interpretar as mensagens publicitárias com as quais são confrontadas. Envolve o desenvolvimento de habilidades de pensamento crítico e a consciência dos objetivos e técnicas utilizadas pela publicidade para influenciar o comportamento do consumidor.

“A literacia midiática contribui pedagogicamente para o reconhecimento dos modos de enunciação, estimulando a capacidade de reflexão sobre as intenções dos criativos ao escolher determinadas estratégias, slogans, roteiros, personagens ou cenários”. (Machado, Burrowes, Rett, 2017 P. 12)

A publicidade desempenha um papel importante na sociedade contemporânea, pois está presente em praticamente todos os aspectos da vida cotidiana, desde anúncios em revistas e televisão até propagandas em redes sociais e outdoors nas ruas. Ela busca persuadir os consumidores a comprar produtos, adotar determinados comportamentos ou até mesmo influenciar suas opiniões e valores.

No entanto, muitas vezes a publicidade pode ser enganosa, manipuladora ou explorar emoções para alcançar seus objetivos. Portanto, é essencial que as pessoas desenvolvam habilidades de literacia na publicidade para se protegerem contra mensagens enganosas e tomarem decisões informadas.

A literacia na publicidade envolve a capacidade de identificar e entender as estratégias publicitárias, como o uso de apelos emocionais, estereótipos, linguagem persuasiva e técnicas de design. Além disso, inclui a habilidade de analisar criticamente as informações apresentadas nos anúncios, questionar as alegações feitas, verificar a veracidade dos dados e reconhecer quando estão sendo utilizadas táticas manipulativas.

A literacia na publicidade e as clientes da SHEIN

Uma literacia eficaz na publicidade também requer consciência sobre os interesses por trás das mensagens publicitárias. Os anunciantes geralmente têm objetivos comerciais específicos e podem não fornecer informações completas ou imparciais sobre um produto ou serviço.

Em resumo, a literacia na publicidade é uma habilidade crucial nos tempos modernos, pois nos ajuda a entender e responder de maneira informada às mensagens publicitárias que encontramos diariamente. Ela capacita os consumidores a tomar decisões conscientes e protege contra práticas enganosas ou manipuladoras da publicidade.

As resenhas produzidas na Shein não são resultado de manobras publicitárias, uma vez que refletem experiências reais e podem ser úteis. “Se você oferecer às pessoas a oportunidade de produzir e compartilhar, elas às vezes lhe darão um belo retorno, mesmo que nunca tenham se comportado antes dessa maneira e mesmo que não sejam tão boas nisso quanto os profissionais”. ( SHIRKY, 2011, p. 26).

A estratégia publicitária da SHEIN está relacionada aos mecanismos usados para incentivar os clientes a escrever tas comentários. Mesmo que as avaliações sejam realizadas em troca de pontos, esse valor de R$0,85 centavos, parece ser simbólico, já que escrever um texto, produzir uma foto e postar, demanda bastante trabalho. Vale lembrar que os pontos serão dados sejam as avaliações negativas ou positivas.

Parece impreciso especular um motivo que explicaria "o por quê" de tantas pessoas postarem comentários e fotos pessoais nos produtos. Alguns deles creem que ao receberem curtidas nos comentários podem ganhar mais pontos, mas essa teoria é apenas um mito. Outros curtem a experiência de fazer o papel de "influencer" contando sobre suas compras nas redes sociais e ganhando "likes, em reconhecimento pelo que produzem. E muitos, o fazem com o real intuito de ajudar outros compradores, curtem fazer parte dessa experiência compartilhada.

As avaliações da SHEIN escritas por pessoas comuns, que receberam os produtos e oferecem informações adicionais e imparciais, podem auxiliar outras pessoas, antes de tomarem uma decisão de compra. O que torna seu papel importante em ajudar outros clientes a comparar o que é oferecido na descrição da loja e foto das modelos, com e o que realmente foi entregue.

Em suma, a literacia na hora de fazer uma compra é crucial para tomar decisões informadas, evitar práticas enganosas, gerir adequadamente o orçamento e promover escolhas conscientes. Desenvolver essa habilidade capacita os consumidores a se tornarem participantes ativos do mercado, protegendo seus interesses e contribuindo para um consumo mais responsável.

Referências:

JENKINS H. Cultura da convergência. 2.ed. São Paulo: Aleph, 2009.

JENKINS H., GREEN J., FORD S. Cultura da conexão: criando valor e significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Aleph, 2014.

MACHADO, Monica; BURROWES, Patrícia Cecília; RETT, Lucimara. PARA LER A PUBLICIDADE EXPANDIDA: em favor da literacia midiática para análise dos discursos das marcas1; Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Comunicação. Encontro Anual (COMPÓS).(26.: 2017 jun. 06–09: São Paulo, SP).[Anais]. São Paulo: Faculdade Cásper Líbero, 2017., 2017.

MALMELIN, N. What is advertising literacy? Exploring the dimensions of advertising literacy. In: Journal of Visual Literacy, vol. 29, number 2, p. 129–142, 2010.

SHEIN, Sobre nós. c2009. Disponível em: https://br.shein.com/About-Us-a-117.html . Acesso em 02 de jun. 2023.

SHIRKY C. A cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

SOUZA, Karina. Shein cresce 300% no Brasil e fatura R$ 8 bi — “incômodo” a varejistas nacionais deve aumentar. Exame. 30 de jan. 2023. Disponível em: https://exame.com/exame-in/shein-cresce-300-no-brasil-e-fatura-r-8-bi-incomodo-a-varejistas-nacionais-deve-aumentar/. Acesso em 6 de jun. 2023

TOFFLER, A. A terceira onda. Rio de Janeiro: Record, 1980.

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