Possibilidades de Literacia Midiática contra a violência de gênero

Por Veruska Yasmim

Como a literacia midiática pode ajudar no combate à violência contra a mulher?

“Cadê meu celular? Eu vou ligar pro 180. Vou entregar teu nome e explicar meu endereço. Aqui você não entra mais. Eu digo que não te conheço. E jogo água fervendo se você se aventurar[…]. Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim[…]”.

Referência importante na Musica Popular Brasileira, sendo autora de músicas que compõe nosso imaginário cultural, Elza Soares gravou em 2015 a música “Maria da Vila Matilde”, que compõe o álbum “A Mulher do Fim do Mundo”, lançado em 2015, com músicas inéditas.

Composta por Douglas Germano, a letra é uma homenagem do músico à sua mãe. Contudo, poderia ter sido escrita para a própria Elza e milhares de mulheres, vítimas de violência doméstica.

Com uma referência direta ao “Ligue 180”, a canção divulga um dos principais canais de denúncia para agressões: a Central de Atendimento à Mulher, criada no país em 2005.

A composição retrata uma mulher que se cansou das violências cometidas pelo companheiro e, além de denunciá-lo, transfere o constrangimento para o agressor ao colocá-lo para correr na frente dos vizinhos.

Diferente de Elza que viveu em uma época em que a violência de gênero era naturalizada, a personagem da música Maria da Vila Matilde, consciente dos seus direitos, não aceita as agressões e cria coragem para denunciar seu algoz.

A produção musical integra a trilha sonora da série nacional da Netflix “Bom dia, Verônica” e se destaca por se encaixar perfeitamente com a temática da série: violência doméstica.

O assunto não é novo, mas continua urgente. E a mídia tem um papel estratégico na formação das crenças populares por meio da contextualização sobre os direitos das mulheres. Além disso, são os veículos de comunicação que também podem fomentar a implementação de políticas públicas voltadas para igualdade de gênero, causa estrutural da violência contra a mulher. De acordo com a Organização das Nações Unidas(ONU), a violência de gênero pode ser conceituada como “[…]qualquer tipo de agressão física, psicológica, sexual ou simbólica contra alguém em situação de vulnerabilidade devido a sua identidade de gênero ou orientação sexual” (ONU apud PAIVA, Leila; SOUZA, Lana Régia, 2020).

A literacia midiática como aliada aos direitos das mulheres

Quem disse que em briga de marido e mulher não se mete a colher? O ditado popular vem se mostrando cada dia mais ultrapassado e pode ser considerado omissão de ajuda a uma vítima de agressão que precisa ser salvar!

Ana Luisa Hickmann, antropóloga e idealizadora do projeto “Ana Mete a Colher”, tem usado as redes sociais como uma potente ferramenta de disseminação de informações sobre violência de gênero. Sobrevivente do abuso infantil aos quatros anos, Ana decidiu criar o projeto “Ana mete a colher” como forma de transformar a dor em luta e em propósito: o de encorajar o combate a violência contra a mulher.

Entendendo que a sociedade está cada vez mais conectada, em múltiplas telas, a pesquisadora faz uso do Facebook, Linkedin e dos mais variados recursos do Instagram: stories, posts no feed, IGTv e Hashtags para divulgar informações relacionadas ao tema.

Por meio da conta @anameteacolher, a também integrante do grupo de pesquisa Lélia Gonzáles tem como propósito emancipar mulheres por meio de conhecimento e recursos para que elas possam identificar situações de violência, buscar ajuda e romper o ciclo de abuso.

Ao olharmos as publicações de Ana, podemos observar que elas transitam sobre temas variados, que incluem violência de gênero, direitos das mulheres, relações abusivas, rede de atendimento à mulher e legislação nacional e internacional de proteção às mulheres.

Observando as dimensões da literacia midiática que é capacidade de acessar e avaliar as mensagens por meio da comunicação(BORGES e SILVA), podemos tomar Ana como um exemplo de literacia midiática. Ao refletir sobre a temática, a antropóloga estimula o pensamento crítico dos seus seguidores a respeito das diferentes nuances que envolvem ser mulher.

Figura 01 — Bio do Instagram de Ana Luisa Hickmann, @anameteacolher. Fonte: Instagram(2023).
Figura 02 — Post explicando o fenômeno violência contra a mulher. Fonte: Instagram(2023).
Figura 03 — Post de Ana sobre personagens da TV, na legenda divulga link para um trabalho feito por ela e a colega Ingrid Nascimento. Fonte: Instagram(2023).
Figura 04 — Posts de @anameteacolher. Fonte: Instagram(2023).

Para a pesquisadora, a construção de um futuro mais seguro e igualitário para todas as mulheres começa com a informação e a ação. Por isso, seu conteúdo conta com uma abordagem interdisciplinar que visa promover uma visão crítica das políticas públicas.

Ana conversa, em sua conta do Instagram, com mais de 5 mil de seguidores. Perceba que a biografia (bio) da conta traz o resumo do conteúdo do perfil, com os principais tópicos. Assim, mesmo que pessoa não veja todos posts, a leitura das artes já garantia a explicação dos pontos centrais. O desejo é que a informação seja transmitida, de fato.

Observando as dimensões da competência midiática, a conta de Ana traz todos os pontos necessários, desde técnicos, como a utilização da tecnologia e conhecimento básico para difusão, passando pelo estético com posts informativos, objetivos e chamativos.

Além de trazer uma linguagem clara e acessível de forma que se faça compreender nos mais variados públicos. O conteúdo permite que o espectador pense criticamente sobre o assunto abordado, sobretudo, aqueles que não tinham familiaridade com a temática.

Como abordado brevemente, Gabriela Borges e Márcia Barbosa da Silva (2019) valorizam a leitura crítica e expressão criativa a partir das mídias. Reforçam que compreender contextos, limitações e organizar-se de modo a repercutir ideias e valores que ressaltam sensos críticos é fundamental para o exercício da cidadania na era da sociedade em rede.

Nas palavras das pesquisadoras, a literacia midiática é:

[…] a capacidade de acessar, analisar e avaliar o poder de imagens, sons e mensagens que confrontam o sujeito contemporâneo, assim como comunicar de forma competente através das mídias disponíveis (BORGES; SILVA, 2019, p. 15).

Em linhas gerais, a iniciativa de Ana demonstra que entender os processos por trás da violência contra a mulher, sobretudo, as construções midiaticas podem auxiliar na compreensão de que certos relacionamentos e comportamentos são fruto da cultura machista e sexista presente em nossa sociedade.

Nesse sentido, a literacia midiática pode ser usada como uma poderosa ferramenta para o desenvolvimento da educação a respeito de problemas sociais que, por muitos anos, foram naturalizados. Além disso, pode contribuir para a prevenção e enfrentamento à violência contra as mulheres. Afinal, ter integridade na vida não é um privilégio, mas um direito. Como diz a própria Ana, em seu Instagram, “Mulher informada é mulher empoderada!”.

Figura 05 — Posts de @anameteacolher. Fonte: Instagram(2023).

Agradecimentos: Veruska Yasmim agradece o apoio recebido da agência de fomento CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

Referências:

BORGES, Gabriela; SILVA, Márcia Barbosa. Apresentação. Competências midiáticasem contextos brasileiros . Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2019.

UOL. Manual Universa para Jornalistas: Boas práticas na cobertura da violência contra a mulher.Novembro de 2020. Disponível em: < https://download.uol.com.br/files/2020/11/4273738876_cartilhauniversa-violencia-contra-mulher.pdf > Acesso em 07 de julho de 2023.

PAIVA, Leila; SOUZA, Lana Régia. Direitos humanos das mulheres. In Fundação Demócrito Rocha (Eds.), Enfrentamento a violência doméstica e familiar contra a mulher (Fascículo 1). Fortaleza, CE: Autor. 2020. Recuperado de https://cursos.fdr.org.br/course/view. php?id=50

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