Redes sociais e aprendizagem: muito mais que risco e benefício?

O ambiente midiático em que vivemos e sua onipresença em nossas vidas tornou-se quase tão natural quanto o ar que respiramos. Lemos notícias, enviamos links, participamos de trends em redes sociais e compartilhamos conteúdos sobre nossas vidas online quase sem pensar em todas essas ações. Por outro lado, esses aparelhos como smartphones e computadores estão muito atentos a tudo que fazemos: todos os cliques, compartilhamentos e pesquisas tornam-se dados que alimentam redes de algoritmos especializadas em nos dizer aquilo que queremos consumir. Se eles prestam tanta atenção em nós, talvez seja hora de começarmos a fazer o mesmo.

A utilização dos ambientes midiáticos pode proporcionar, aos seus usuários, diversos benefícios e riscos, porém, no discurso sobre eles, é bastante comum uma perspectiva condenatória, focando nos riscos e não aproveitando os inúmeros benefícios promovidos pela mídia. Este fato pode ser advindo da falta de incentivo para analisar e refletir sobre nossas próprias práticas cotidianas dentro do ambiente midiático enquanto estamos desenvolvendo nossa autonomia como usuários de mídia social. Ao pensarmos desta maneira, projetamos em crianças e jovens uma mensagem ambígua, onde tentamos insistentemente alertá-los sobre os perigos ao fazer o uso do ambiente midiático, mas ao mesmo tempo desejamos que eles o façam a fim de desenvolver sua própria autonomia dentro destes ambientes.

Dentre os riscos presentes nestes ambientes, as fake news são o que mais preocupam os especialistas. A desinformação em massa é algo que já vem ocorrendo há muito tempo dentro dos ambientes comunicacionais, porém, após as eleições americanas de 2016 houve registros de um aumento significativo nesta prática, a qual é vista como “caça-cliques” e é altamente lucrativa aos seus disseminadores, os quais conseguem atingir um grande público em pouquíssimo tempo. Segundo Buckingham (2022, p. 58), “notícias que apelam para posições ou preconceitos já estabelecidos têm muito mais probabilidade de ser curtidas e compartilhadas, gerando assim mais renda as empresas de mídia”.

Fonte: Casa dos Memes

De acordo com especialistas, não é uma tarefa fácil combater e erradicar as fake news dos ambientes de comunicação, uma vez que há muitos canais de disseminação ativos nesses ambientes e entre a verdade absoluta e a falsidade absoluta da informação apresentada, há uma grande área cinzenta onde é necessário investigar todas as fontes presentes nessa informação a fim de concluir sua veracidade, sendo impossível realizar esta investigação com uma lista simplista que pretende detectar o verdadeiro do falso.

Fonte: Filosofia Hoje, 2023.

O capitalismo digital, como coloca David Buckingham em seu Manifesto pela Educação Midiática, transforma nossos hábitos, gostos, vontades e receios em valiosos dados, que são coletados enquanto estamos distraídos rolando a timeline e, depois, vendidos para publicitários, empresas privadas, empregadores e até mesmo partidos políticos ou governos. Essas bases de dados, posteriormente, tornam-se alimento para algoritmos dos mais diversos tipos, com os mais diversos fins, que irão sutilmente nos dizer o que devemos querer, o que devemos valorizar.

Tomar tais algoritmos como construções matemáticas, que operam com base na lógica e que herdam uma neutralidade de sua natureza de máquina, é uma decisão bastante perigosa, embora muitos nem sequer percebam que a tenham tomado. Assim como o jornalismo foi amplamente aceito por décadas como uma força imparcial, que busca a verdade absoluta e objetiva, são os algoritmos que agora ditam uma verdade que poucos ousam questionar. Ora, é claro que não há uma verdade absoluta, muito menos um jornalismo totalmente imparcial: toda notícia parte de um ponto de vista, de um repertório cultural, de um objetivo. Perceber tais nuances significa assumir uma postura crítica com relação à mídia e aos usos que fazemos dela. E esse é um dos primeiros e mais importantes passos em direção à literacia midiática.

Não podemos adotar um uso técnico e criativo da mídia como únicos critérios para avaliar nosso nível de competência. A dimensão crítica é fundamental para pensarmos sobre contextos, valores, intenções e dinâmicas que muitas vezes são implícitas, ao invés de explícitas, nos discursos que chegam a nós. Essa percepção foi algo que demorou um pouco para acontecer de forma coletiva, mas, a partir de 2018, pudemos perceber uma inflexão no discurso ao redor de redes sociais como o Facebook, o Twitter (novo X) e o Instagram, cujos ideais de conexão e solidariedade passaram a soar muito otimistas quando notícias sobre violação de privacidade, incitação ao ódio e censura tornavam-se recorrentes em diversos países.

Para além do uso que fazem de nossos dados, agora é hora também de levarmos o foco da discussão aos monopólios que se erguem e das forças que eles possuem na sociedade. Em pouco mais de um ano em que Elon Musk comprou o Twitter, a rede social passou por uma série de mudanças bastante significativas, incluindo o nome e identidade visual da marca, que foram radicalmente alteradas. Isso mostra como essas são empresas comerciais, com intenções específicas e uma liberdade de ação muito grandes que, quando somadas ao uso indiscriminado que passamos a fazer cada vez mais das mídias — o Brasil, por exemplo, é o segundo país que gasta mais tempo acordado em frente a telas no mundo — fazem do olhar crítico uma das únicas e mais poderosas defesas que temos ao lidar com forças tão grandes e que se tornam cada vez maiores. E a educação precisa estar à frente dessa discussão.

Caminhos para a alfabetização midiática

Desde o início da década de 60, é possível destacar ideias iniciais sobre a comunicação em rede e como construir comunidades alternativas e promover a libertação pessoal. Por muito tempo destacou-se que tecnologia precipitaria uma alteração dramática no equilíbrio nos produtores e consumidores de mídia, onde provocaria uma proliferação de informações, mas também uma democratização fundamental dos meios de comunicação, onde o jornalismo ofereceria novas oportunidades de expressão criativa, e gerando uma infinidade de novas mídias (Buckingham, 2022).

No entanto observou-se que com o aumento das mídias e dos gadgets (equipamentos de uso eletrônico, como o celular, tablet, computadores etc.), passou-se a enfatizar sobretudo os riscos, ou seja, os danos que podem ser causados aos jovens pelo uso das mídias. Alguns conteúdos passaram a ser cogitados como “impróprios”, já que se passou a existir a facilidade de acesso aos conteúdos diversos, de forma que, para alguns críticos a internet passou a ser considerada como o parque de diversão dos pedófilos, aliciadores de crianças, ou ainda do cyberbullying (Buckingham, 2022).

Pesquisadores passaram a apontar que o uso excessivo de mídia social, pode levar a uma série de problemas relacionados a saúde mental, como a depressão, a baixa autoestima e segundo Carr (2011), a internet torna o raciocínio mais superficial, de modo que, colabora na fragmentação da atenção e memória dos usuários. Toda aprendizagem muda o cérebro, e os veículos de informação e comunicação não são meros instrumentos, visto que o uso frequente modifica a estrutura cognitiva.

Fonte: Charges Bruno

É comum que culpemos a mídia quando vemos o surgimento de novos problemas sociais, pois, ao longo de nossa história, os debates contemporâneos, parecem carecer de um alarmismo e até mesmo de paranoias. Tendem-se a ver os usos que as pessoas fazem da mídia como simples questões de causas e feitos, de modo que, pouco observa-se o que vai além desse olhar.

Os riscos do uso das mídias vão além do seu uso, apesar de sabermos que aqueles que são usuários mais assíduos tendem a ser mais propensos a desfrutar tanto dos benefícios, quanto dos malefícios, precisamos ir além da prevenção, é preciso que o foco esteja no desenvolvimento da alfabetização midiática em jovens, como um objetivo vital para uma melhor compreensão da diversidade genuína e das práticas cotidianas (Buckingham, 2022).

No que se refere à alfabetização midiática, Buckingham (2022) afirma que se tornou uma preocupação crescente para os reguladores de mídia em muitos países e tornou-se uma dimensão das políticas internacionais. No entanto, destaca que há um enfoque nas habilidades funcionais, apresentando a alfabetização midiática como alternativa à regulação. Mas a criticidade se faz necessária. Não basta sabermos consumir uma notícia, compartilhá-la, ou mesmo construir uma, se não tivermos uma visão ampla que consiga identificar, a partir dos elementos arranjados como uma notícia, informações verdadeiras das falsas. Ela pode ser apresentada como um momento de reflexão, de dúvida, de questionamento. Assim, mais que as técnicas e habilidades necessárias para estar no ambiente midiático, precisamos ter discernimento para avaliar as mensagens que chegam a nós e checá-las de acordo com nosso repertório pessoal e conhecimento de mundo.

Fonte: ABERJE

Através do gráfico acima, pode-se perceber um pico de menções ao termo fake news entre setembro e novembro de 2018, ou seja, período de eleições presidenciais no Brasil. O fenômeno das notícias falsas, apesar de também acontecer de forma orgânica e não sistematizada, costuma ser mais intenso ao redor de momentos-chave, sendo disseminadas em massa, com objetivos claros e envolvendo grandes redes de pessoas e algoritmos. Portanto, o pensamento crítico envolve lógica, ou seja, é necessário refletir, investigar e ainda identificar possíveis contradições e lacunas. Pensar criticamente exige implicações e questionamentos sobre o que está incluído e excluído e quais as consequências disso. Nesse sentido, o autor afirma que o pensamento crítico é um processo reflexivo, assim, deve levar a ação crítica. Se a maior parte das informações que chegam a nós são transmitidas pela mídia, ela, de fato interfere diretamente no que somos e acreditamos.

Por isso, Buckingham destaca a relevância de refletir como a mídia funciona, conhecer sua linguagem e assim, compreender seus impactos e efeitos. “Pensar criticamente sobre a mídia significa desenvolver um ceticismo saudável em relação a algumas dessas afirmações abrangentes — em especial as que se referem ao poder e efeitos da mídia” (2022, p. 71).

Ele completa afirmando que precisamos de um entendimento muito mais sofisticado e profundo de como a mídia (incluindo as notícias, em todas as suas formas) representa o mundo, e de como ela é produzida e usada. Para isso, se faz necessária uma estratégia educacional coerente, não apenas uma solução improvisada, contemplando as relações dinâmicas entre leitura (com contribuições das teorias semióticas, estruturalistas e de análise do discurso), produção criativa (com simulações que aproximem os estudantes dos aspectos que constituem uma audiência e como esta pode ser representada) e análise contextual (abordagens práticas que permitam expandir a dimensão sociológica das instituições e da audiência).

Para isso, em tais relações, parte-se para uma abordagem crítica adotando-se dois princípios-chave: (1) partir do que os estudantes já conhecem para que se evite impor uma visão única e se estimule a autocrítica e a reflexão; e (2) combinar teoria e prática, “ler e escrever”, pois a produção proporcionará um espaço para o estudante refletir sobre dimensões pessoais e emocionais do uso das mídias a partir da sua própria experiência.

Aprender, não é, portanto, meramente ter acesso à informação: temos de aprender, interpretar e aplicar a informação para transformá-la em conhecimento. E ter pensamento crítico nos leva alguns passos adiante: nos tornamos capazes de analisar, sintetizar e avaliar a informação. Tais habilidades são nossas melhores ferramentas para desbravar esse novo ambiente que surge diante de nós, não como um espaço distante, à parte, mas algo imbricado em nossa realidade. E da mesma forma que ela é capaz de afetar nossas vidas, também devemos ser capazes de moldá-la a partir de valores éticos e responsáveis.

Referências:

CARR, N. G. A geração superficial. Rio de Janeiro: Agir, 2011.

BUCKINGHAM, D. Manifesto pela Educação Midiática. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2022.

LIVINGSTONE, S. Media literacy and the challenge of new information and communication technologies. London: LSE Research Online, 2004.

Autores:

Aléxia Roche de Oliveira Paula (UNISO)

Carlos Eduardo Stante Gomes (UFTM)

Daniela Lemos Simões Sobral (UNISO)

Doris Day Rodrigues Marques (UFTM)

Gustavo Furtuoso Ribeiro (UFJF)

Pedro Floriano Camargo Santos (UNISO)

Priscila Magalhães Borges (UFTM)

Suely Silva Nogueira (UFTM)

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