Karen Francis e a visibilidade dos artistas do Norte
Egressa do curso de Música da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Karen Francis é uma representante distinta do R&B e afrobeat contemporâneos produzidos no Norte do país. A voz potente, a lírica sensível e a musicalidade que une raízes da música negra, sonoridades africanas e influências de rap, MPB e gospel marcam as melodias da cantora, compositora e instrumentista, natural de Maués e crescida em Manaus.
Em 2022, ela foi uma das atrações da primeira edição brasileira do festival Primavera Sound, realizado em São Paulo, e hoje está entre as selecionadas da turma 2023 do Black Voices Music (Fundo Vozes Negras), uma iniciativa do YouTube que incentiva e capacita criadores e músicos ao redor do mundo.
Sua discografia já conta com o EP de estreia, “Acontecer” (2018), e sua releitura, “Acontecer — Ao Vivo” (2021). Agora em uma nova etapa da carreira, ela deu o pontapé inicial em seu disco de estreia com os singles “Expectativa” (2021) e “Confissão” (2022).
Quando a arte e a música entraram na sua vida e se tornaram uma possibilidade profissional para você?
Eu costumo falar que eu fui musicalizada na infância, pelos meus pais, pelo ambiente que eu vivi. Não foi uma musicalização formal, mas foi empírica mesmo, e esse processo foi muito importante na minha vida. Eu tenho memórias de muito, muito pequena mesmo, tendo músicas favoritas, músicas que me emocionavam, que me faziam chorar. A primeira vez que eu cantei na igreja foi com quatro anos de idade.
Com oito anos eu comecei a cantar com meus pais no grupo de louvor, com nove aprendi a tocar violão, mas quando eu comecei a ver a música como uma possibilidade, acho que não necessariamente profissional, mas algo que eu realmente me identificava, foi por volta dos 11 anos, quando eu comecei a ter uma consciência da minha voz e de que eu tinha um diferencial entre as pessoas que também estavam musicalizando e fazendo coisas ao meu redor.
Em 2022, você esteve na programação do Primavera Sound e, mais recentemente, foi escolhida para se apresentar no Rio 2C. Qual a importância dessas experiências?
O Primavera Sound foi muito importante porque eu fiz a abertura do Primavera. Isso não estava sendo divulgado dessa forma, mas eu abri a primeira noite, o Primavera na Cidade, que era a programação que eu fazia parte e começou no dia 31 de outubro. Foi um marco pra mim, sabe? Teve o Rio2C também, acho que o maior evento para o mercado musical brasileiro atual, e também para o audiovisual e tudo que envolve criatividade e inovação.
Eu acho que a importância de os artistas do Norte ocuparem esses espaços é uma importância que deveria ser naturalizada. Eu não gostaria de ter sido uma exceção nessa soma. Eu gostaria que isso fosse algo comum, e não me vejo necessariamente como uma exceção. Como que você vai discutir o Brasil se a maior parte do território, se o maior estado que a gente tem, que é o estado do Amazonas, não ocupa um evento que reflete o Brasil, que traz artistas de fora, mas que está fazendo um evento aqui no Brasil e que está conversando com artistas do Brasil? Eu acho que a importância disso é crucial. Deveria ser uma coisa fundamental ter artistas do Norte.
Em que aspectos o projeto Black Voices Music tem agregado na sua carreira?
Esse é um fundo de investimento do Youtube feito para você desenvolver o seu trabalho, sua carreira, mas se desenvolver também dentro da própria plataforma do YouTube. Então ele tem agregado bastante no meu trabalho. Primeiro, é um projeto que aqui no Brasil premiou três artistas musicais: a banda Black Pantera, o Rincon Sapiência e eu. O Rincon é uma referência para mim há muito tempo, então é muito bom ter sido premiada num projeto que conversa com ele, e que conversa com artistas que são referências para mim.
O Youtube entendeu que a melhor maneira de fazer o trabalho de um artista crescer, um artista que já domina as ferramentas da produção, que tem uma equipe, é fazendo investimento financeiro nele. Então, acho que o YouTube de alguma forma viu que eu tinha essas ferramentas e quis investir. A gente vai ver muita coisa por aí que tem a ver com esse projeto.
De que forma as suas vivências na universidade contribuíram para a profissional que você é hoje?
A minha vivência na universidade cursando Música foi muito importante, em diversos aspectos. Não me considero uma musicista virtuosa, não me considero uma exímia conhecedora da teoria musical, mas o que eu aprendi na faculdade eu levo para todos os meus processos.
Dentro do meu trabalho, cantar é a coisa que eu menos faço. Eu estou atuando em várias frentes, faço a gestão do meu trabalho, faço a gestão da minha equipe, faço a coordenação dos projetos… Isso eu aprendi na faculdade, por mais que não tenha necessariamente uma disciplina específica sobre isso, mas eu tive que aprender a administrar algo que vai para além de cantar, além de ouvir música ou tocar, mas as coisas que viabilizam o fazer musical.
Tudo que eu aprendi na faculdade, escrever um projeto, fazer uma pesquisa, tudo isso influenciou no meu trabalho. Então a faculdade me treinou, ela me capacitou para isso que eu faço hoje. E eu vejo essa minha trajetória na universidade como um momento muito enriquecedor da minha vida.
Que conselhos daria aos que estão ingressando no curso de Música?
Um conselho que eu gostaria de ter ouvido na época da faculdade é: confie na sua própria capacidade e se desenvolva para ser cada vez melhor, mas não deixe que esse processo da academia te apequene e faça você ficar inibido.
Acho que a faculdade é um lugar onde a gente cresce muito, onde a gente lida com várias pessoas, e no meu caso entrei com 17 anos, estudei com pessoas que tinham o dobro da minha idade, pessoas que já tinham altas vivências, então imagina o quanto é duro lidar com outras realidades e não deixar que aquela realidade te engula.
Outro conselho é extrair o máximo do que você puder, do jeito que você entende. Eu acho que no final das contas, a melhor forma que a gente conseguir aprender é a forma que a gente vai conseguir executar e adaptar aos processos.
Entrevista publicada no informativo NaRede, da Faculdade de Artes da Universidade Federal do Amazonas (Faartes/Ufam), em outubro de 2022