foto: Isa Hansen

Victor Xamã rima sobre o Norte que o Brasil ignora

Rosiel Mendonça
culturalab
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4 min readAug 5, 2022

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“Eu vim do Norte e vocês tentam buscar um Norte a vida toda” — com esse verso, o rapper amazonense Victor Xamã encerra a música “Noite de Núpcias”, single lançado no final de janeiro. A levada contestadora, que critica o olhar (ou a ausência dele) sobre a região Norte, está presente em outras tantas composições do artista, que tem levado sua bagagem cultural e de vida a outros eixos do Brasil.

No seu EP mais recente, “Calor” (2021), Xamã contou com participações de Baco Exu do Blues, Froid e Nic Dias, nomes de destaque no rap nacional, e das conterrâneas Gabi Farias e Anne Jezini. O trabalho foi reconhecido como Melhor EP no Prêmio Inverso de Rap BR 2021, que também deu ao amazonense prêmios nas categorias Melhor Track e Melhor Track Collab (“I Can See The Sun” ft. Zudizilla).

Na entrevista a seguir, Xamã fala mais sobre as suas influências, trajetória e expectativas sobre a cena do rap brasileiro.

Quem é Victor Xamã?

Um rapaz chamado Victor Garcia, de 26 anos, nascido em Manaus/Amazonas, com desejo de mudança, que gosta de estimular a criatividade e acredita no impossível. A palavra Xamã significa “aquele que enxerga no escuro”, e acredito que faço isso no momento da escrita e na hora da execução do que foi criado.

Qual a sua história com a música? Como o rap passou a fazer parte dessa história?

Venho de uma família muito musical, minha mãe sempre cantou pela casa alguns clássicos da música brasileira, minha avó Maria do Carmo já cantou no coral da Igreja Católica, segundo minha mãe, e meu tio Sérgio sempre chegava em casa com troféus de campeonatos de karaokê de bairro.

Eu, desde criança, sofro de disfluência, a famosa “gagueira”, e tinha muita dificuldade de me expressar e de fazer as pessoas prestarem atenção nas minhas ideias quando eu era mais novo. Foi quando surgiu a minha paixão pela escrita. Eu escrevia poesias, e assim sentia que conseguia me comunicar com mais facilidade. O meu desejo pelo rap veio no ritmo aliado com o artifício da poesia, que já era algo presente em mim de maneira desastrada, mas se fazia presente.

Quem você considera que foi essencial na sua formação e amadurecimento como artista?

Esse mérito vai pro meu amigo de infância Davi Dutra. Passamos boa parte da nossa infância ouvindo e fazendo rap. Ele tinha esse sonho de ser rimador também, porém, por ironia do destino, seguiu a carreira do Direito.

Qual a sua parceria ou feat dos sonhos?

Sem dúvidas, é o Black Alien. Quando ouvi “Babylon By Gus, Volume 1: O Ano do Macaco” eu senti automaticamente vontade de fazer rap, foi meio espiritual a conexão com esse disco, a forma como o Gus pensa na rima, a levada, o surrealismo, a crítica e o flow. Esse álbum me inspirou e ainda me inspira muito.

Suas músicas fazem referência constante a Manaus e ao Amazonas. O que você busca dizer sobre esse seu lugar de origem?

Quando mais novo, não era comum ter orgulho de ter nascido em Manaus. Às vezes, alguns conhecidos da minha mãe de outras localidades falavam da cidade com um tom de maldição, por ser muito cara a locomoção para outras regiões do Brasil, outras vezes pelo perigo, outras vezes pela falta de incentivo para os profissionais das mais diversas áreas. E por que eu falo de Manaus? É só você olhar em volta, essa dualidade está presente no indivíduo que vive na região, olha essa cultura, olha a força dessa gente! Eu queria trazer minha verdade pro meu rap e nisso eu precisava falar da minha casa, não de uma maneira caricata com um cocar e uma flecha com aquelas cores artificiais que vendem no aeroporto para turista comprar, mas colocar o Amazonas na minha rima, fazer diferente e ser diferente.

Faixas como “Calor” e “Noite de Núpcias” partem da premissa de um Norte ainda invisível para o grande mercado da música brasileira. No ano passado, houve até uma movimentação nas redes sociais em torno desse assunto, após o Prêmio Multishow. O que falta acontecer para transpormos essas barreiras?

Profissionalmente, o que faltava acontecer já está acontecendo. Avançamos o nível técnico da produção de uma maneira assustadora. Temos artistas como Adanilo Reis atuando no filme “Marighella”, de Wagner Moura, temos artistas como Uýra Sodoma atraindo olhares do mundo para a Amazônia, fazendo arte, fazendo ativismo. O que atrapalha é o preconceito do Brasil com o Norte do Brasil. O que atrapalha é a falta de orgulho. O que atrapalha é a falta de apoio. O que atrapalha é você terminar o seu show, descer do palco e alguém falar: “Isso é tão bom que nem parece ser de Manaus”. Isso deveria ser crime, e o que atrapalha é pensar assim.

Entrevista publicada no informativo NaRede, da Faculdade de Artes da Universidade Federal do Amazonas (Faartes/Ufam), em abril de 2022

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Rosiel Mendonça
culturalab

Jornalista, pesquisador e produtor cultural | Manaus’AM