A Bailarina de Auschwitz: um testemunho de força, amor e esperança

Maria Carolina Afonso
Semiosis
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8 min readApr 27, 2022

O livro que nós escolhemos é intitulado de A Bailarina de Auschwitz, de Edith Eger. Na sua essência, esta é uma obra que apresenta a vida da própria autora do livro e baseia-se na luta e sobrevivência desta senhora, uma das poucas sobreviventes do Holocausto que matou cerca de seis milhões de judeus na 2ª Guerra Mundial.

Esta autobiografia foi publicada pela primeira vez no dia 5 de setembro de 2017, pela Editora Desassossego.

Quanto à autora, Edith Eva Eger nasceu na Hungria a 29 de setembro de 1927 e tinha apenas 16 anos quando foi enviada para Auschwitz, em 1944. Tornou-se numa psicóloga de renome, tendo uma clínica na Califórnia e trabalha na Universidade da Califórnia, em San Diego. Ela dá palestras não só nos Estados Unidos como por todo o mundo. Também trabalha como consultora para o exército e marinha dos EUA, em treino de resistência e tratamento de distúrbio de stress pós-traumático.

A história

Em relação à história deste livro, Edith era judia e vivia com os seus pais e as suas duas irmãs, Klara e Magda. Magda era a mais bonita, vaidosa e confiante, Klara era intitulada de “O Prodígio”, pois era absolutamente extraordinária no violino e Edith era apaixonada pelo ballet.

Tinha Edith 16 anos quando foi enviada para Auschwitz com a sua família, exceto a sua irmã Klara, pois estava a estudar música no estrangeiro.

O inconcebível aconteceu, e os seus pais acabaram por ser mortos em câmaras de gás, deixando Edith e Magda absolutamente sós naquele inferno plenamente devastador, tendo sofrido horrores inimagináveis.

Múltiplas lições de vida

Para nós, uma das cenas mais notáveis neste livro, foi quando ambas se viram obrigadas a rapar o cabelo e Magda questiona à sua irmã: “como é que eu estou?”, e nesse momento é-nos apresentada uma das inúmeras lições de vida que este livro nos ensina. Edith percebeu que a partir daquele momento ia ser o espelho de Magda, e cabia-lhe a ela escolher se destacaria aquilo que a irmã perdeu, ou se a animaria elogiando aquilo que ainda tinha e, nesse momento, gabou os lindos olhos de Magda, apaziguando, assim, a sua dor.

Como acabámos de referir, este livro tem inúmeros momentos de máximo valor e importância que vão se revelando ao longo da história. Numa das situações em Auschwitz, Edith pôde comprovar, em primeira mão que, ao contrário do que se pensava ou do que ainda se pensa, nem todos os soldados tinham um mau interior, mas sim eram obrigados a praticar o mal. Ela esteve à beira da morte com uma espingarda apontada para si, mas o soldado teve pena dela e por isso, deixou-a viver sem que os outros se apercebessem disso. Outro momento de sobrevivência, foi quando foi forçada a dançar pela vida para o infame Joseph Mengele.

O mais extraordinário é que esta mulher foi e é sem dúvida uma força da natureza, pois apesar de tudo o que passou manteve sempre o pensamento positivo de que tudo iria correr bem, seguindo o lema Se eu sobreviver hoje, amanhã serei livre. Enquanto que a sua irmã Magda tinha como desejo de vingança matar uma mãe alemã, da mesma maneira que os alemães mataram a sua mãe, Edith tinha um desejo completamente distinto e só aí se revelam os traços da sua maravilhosa personalidade: “Eu desejo outra coisa. Desejo que um dia o rapaz que me cospe veja que não tem de odiar. Na minha fantasia de vingança, o rapaz que agora nos grita- “Judia suja! Verme!” — estende um ramo de rosas. “Agora sei”, diz ele, “que não há motivos para vos odiar. Não há motivo nenhum.”

Ela e a sua irmã acabaram por ser libertadas pelos soldados americanos num estado completamente moribundo. A sua sobrevivência só foi possível porque se tinham uma à outra e apoiaram-se incondicionalmente. Assim, Edith concluiu que a sobrevivência é uma questão de interdependência, que não é possível subsistir sozinho.

Ela acaba por conhecer aquele que seria o seu futuro marido Béla e engravida da sua primeira filha Marianne. Apesar de “força” ser o seu nome do meio, também ela fraquejou e durante muito tempo viveu na escuridão da negação e da depressão, engolida pelo desgosto e pelo trauma de ter sido impedida de viver o seu sonho. Há uma cena no livro em que ela está no cinema com o seu marido e a filha e estão a assistir a um filme com uma história muito parecida à dela e onde a própria afirma que na altura pensou o seguinte: «Sinto que estou a assistir à minha própria vida, a que eu teria vivido se não tivesse havido um Hitler, se não tivesse havido uma guerra. (..) Esqueço-me de que tenho uma filha. Só tenho vinte e três anos, mas parece que a melhor parte da minha vida já acabou. A dada altura no filme, Lermontov pergunta a Vicky: “Porque é que queres dançar?” Ela responde : “Porque é que queres viver?” Lermontov diz: “Não sei bem porquê mas tenho de o fazer.” Vicky responde: “Essa também é a minha resposta.” Antes de Auschwitz, mesmo em Auschwitz, eu teria dito o mesmo.»

Após muitos anos em negação, ela só começa o seu longo processo de cura após a tomada de consciência de que, como disse Viktor Frankl num dos seus livros: “Pode tirar-se tudo a um homem, exceto uma coisa: a derradeira liberdade humana; escolher a própria atitude em qualquer conjunto de circunstâncias, escolher o próprio caminho.” Por mais frustrante, aborrecida, limitativa, dolorosa ou opressiva que seja a nossa experiência, podemos sempre escolher a forma como reagimos. E foi essa consciencialização que mudou a sua vida para sempre e que nós achamos ser a maior lição de vida que este livro nos apresenta. Tudo se baseia numa escolha. Podemos viver na prisão do passado ou podemos deixar que ele seja a rampa de lançamento que nos ajuda a alcançar a vida que queremos agora.

Vitimização

Edith também reflete muito acerca do tema da vitimização. Para justificar isso ela diz: “é mais fácil responsabilizar alguém ou alguma coisa pela nossa dor do que assumir a responsabilidade de acabar com a nossa vitimização. A maioria das pessoas quer um ditador- embora um ditador benevolente- para poder passar a batata quente e dizer: “Obrigou-me a fazer isso. Não tenho culpa.” Mas não podemos passar a nossa vida a abrigar-nos no guarda-chuva dos outros e depois queixarmo-nos de que nos estamos a molhar.”

Vingança

Uma das coisas que é também condenada neste livro é mesmo a própria vingança em si. Afirma-se que esta é inútil, pois não pode alterar o que nos foi feito, não pode apagar as injustiças que sofremos, não pode trazer os mortos de volta. Na pior das hipóteses, a vingança perpetua o ciclo de ódio, mantém o ódio a circular infinitamente. Quando procuramos a vingança, mesmo que não seja violenta, estamos a resolver e não a evoluir.

O regresso a Auschwitz

A determinada altura da história ela toma uma decisão extremamente difícil. Decide voltar a Auschwitz. Inicialmente teve receio e não queria ir, mas o seu marido disse-lhe que se ela não voltasse lá então Hitler teria vencido a guerra. Isso deu-lhe força. Quando lá regressa, proferiu algo que para alguns pode parecer um pouco chocante mas que, na nossa opinião, faz todo o sentido: “Agora na véspera do meu regresso à prisão, relembro a mim mesma que cada um de nós tem um Adolf Hitler e uma Corrie ten Boom dentro de si. Temos a capacidade de odiar e a capacidade de amar. Aquele que escolhemos- o nosso próprio Hitler ou a nossa própria ten Boom- só depende de nós.” E nesta situação, mais uma vez, refere o tema da liberdade de escolha.

Crítica/Relação com a atualidade

Para concluir, nós consideramos que este livro é absolutamente deslumbrante, um exame profundo do espírito humano e da nossa capacidade de cura e recomendamos a todos a sua leitura, uma vez que, nos obriga a refletir muitos aspetos importantes, principalmente o da liberdade de escolha.

Este livro e o seu testemunho acaba por se ligar muito ao contexto que estamos a viver neste momento. Está-se a ultrapassar um período de guerras e conflitos, e este tipo de livros faz-nos, de certo modo, sentir mais próximos destas pessoas que sofreram barbaridades, tratados de forma desumana. Talvez cada vez mais, irão aparecer histórias como a desta senhora. Esperemos com o mesmo final feliz que o dela, apesar do processo para chegar lá.

Surgem também muitas questões, como se estes lesados da guerra na Ucrânia, por exemplo, serão capazes, também, de se erguer das cinzas sem sentimentos de vingança e ódio. Honestamente, não vemos essa situação a acontecer. Provavelmente, o sentimento de ódio é talvez aquele que mais prevalece nestes tempos. Não só ódio pela situação em si mas também para com aqueles que o estão a praticar. Como se pode não odiar alguém que está a matar vidas de forma tão gratuita? A destruir casas, hospitais, monumentos, igrejas, parques, estradas, pontes, tudo o que estiver à sua volta? Pois bem, é um teste difícil, mas não impossível. Através deste livro, podemos concluir que ódio mais ódio é igual a ódio. Acaba por se tornar num ciclo vicioso difícil de travar.

E voltando um pouco ao tema da vingança, na parte dos agradecimentos, Edith revela o que o seu marido lhe disse quando nasceu o seu primeiro neto: “Três gerações; é a melhor maneira de te vingares de Hitler.” Com esta afirmação podemos concluir então que a melhor vingança não advém do ódio mas sim do seu oposto, do amor.

Não sabemos ainda como é que esta guerra vai acabar. Podemos concluir, no entanto, que tal como na 2ªGuerra Mundial, já nenhum vai sair vencedor, porque numa guerra onde há destruição e mortes, não existe vitória possível.

Podemos é observar e valorizar a força do povo ucraniano e a sua resiliência, que acabam por se relacionar com as características de Edith.

Deixamos aqui no fim uma mensagem para todos eles e todos aqueles que estão a ler este texto. Foi com esta nota que Edith finalizou o seu livro:

Ri e chorei em palco. Estava tão cheia de adrenalina e alegria que mal consegui pronunciar as palavras. “Obrigada”, disse aos soldados. “O vosso sacrifício e o vosso sofrimento têm significado — e quando vocês descobrirem essa verdade no vosso âmago, serão livres.” Terminei o meu discurso como sempre fiz e sempre farei, enquanto o meu corpo mo permitir: com um grand battement. Aqui estou eu!, diz o meu salto. Consegui!

E aqui estão vocês. Aqui estão vocês! No sagrado presente. Não posso curar-vos — nem a ninguém — , mas posso celebrar a vossa escolha de desmontar a prisão da vossa mente, tijolo a tijolo. Não podem mudar o que aconteceu, não podem mudar o que fizeram ou o que vos fizeram, mas podem escolher como viver agora.

Meus queridos, podem fazer a escolha de ser livres.

Maria Carolina Afonso, Nº76052

Leandro Lopes, Nº71654

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