“A lição de Salazar”: o cartaz que vale mais que mil palavras

Raquel Reis
Semiosis
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6 min readJan 11, 2023

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Figura 1- “A lição de Salazar”

I. Introdução

António de Oliveira Salazar foi a figura central de um regime totalitário, ditatorial, autocrata e corporativista de Estado, que assombrou Portugal durante mais de quatro décadas.

O Estado Novo era de caráter forte, autoritário, e possuía atributivos de ditadura. Nesse sentido, foram implementadas algumas medidas por parte do regime salazarista, de forma a veicular os princípios ideológicos do Estado Novo e a promover a adesão ao Regime. A propaganda foi uma dessas medidas.

Este texto inicia-se com um enquadramento teórico que irá expor a informação obtida através da consulta e análise bibliográfica relevante, para a compreensão da temática em estudo.

De seguida, será realizada uma análise semiótica em torno do cartaz “a lição de Salazar”, na qual serão abordados três aspetos: o qualitativo-icónico; o singular-indicativo; e o convencional- simbólico.

Enquadramento teórico

A 28 de maio de 1926, um golpe de Estado levado a cabo pelo Marechal Gomes da Costa pôs fim à primeira República parlamentar portuguesa. Instalou-se em Portugal uma ditadura militar que se manteve até 1974.

Assim surgiu o Estado Novo, o regime totalitário de tipo fascista que vigorou em Portugal entre 1933 (data da Constituição) a 1974, criado por razões ideológicas e propagandistas, que assinalou a entrada num novo período político, o qual tinha como fundador e líder Antonino de Oliveira Salazar, que assumiu o cargo de Ministro das Finanças em 1928, o qual lhe valeu o epiteto de “Ditador das Finanças”. Além deste cargo, ascendeu também a Presidente do Conselho de Ministros.

Salazar criou um Estado forte, nacionalista, corporativista, repudiando o liberalismo, democracia e parlamentarismo. O Estado Novo procurou, desse modo, erguer novos valores nacionais assentes no Nacionalismo, Religião, Conservadorismo e Tradicionalismo.

É editada em 1938 uma série de sete cartazes intitulada “A Lição de Salazar”, distribuídos por todas as escolas primárias do país, como forma de celebração dos dez anos de governo salazarista. A escola era, assim, palco não só para a inculação dos valores do Estado Novo, como também para glorificar a obra feita até então pelo ditador. O principal objetivo destes, era demostar a superioridade de um Estado forte e autoritário sobre os regimes demoliberais.

II. Análise semiótica

Após a compreensão do contexto histórico, realizar-se-á a análise semiótica do cartaz em questão, por intermédio da conceção peirceana, que assume o signo como algo que representa alguma coisa para outra pessoa. Por isso, é de cariz essencial analisar todos os elementos presentes neste cartaz, tais como as suas cores, movimento, texturas, formas, e até efeitos que produz nos recetores.

2.1 Aspeto qualitativo-icónico

O cartaz será analisado do ponto de vista qualitativo-icónico, o qual analisa o fundamento do signo (quali-signo) e o seu impacto no objeto (ícone).

Primeiramente, uma das cores que mais saltam à vista no cartaz é o amarelo- cor que geralmente é associada a sentimentos como a alegria, prosperidade e felicidade, querendo com a presença destas Mendes Barata, o autor do cartaz, passar a ideia de que a prática de um estilo de vida semelhante ao presente no cartaz, é sinónimo de felicidade e prosperidade na vida de quem seguir esses valores e forma de viver. Essa cor, está presente em diversos elementos da imagem, tais como o quadrado no canto inferior esquerdo que contém o slogan: “Deus, Pátria, Família”; no título do cartaz: “A Lição de Salazar”, presente no canto superior direito; nas cadeiras; no chão da cassa, num tom de amarelo ligeiramente mais escuro, semelhante a castanho claro; no móvel da sala; nas panelas, em variados brinquedos de criança que se encontram no chão junto à menina; nas calças do rapaz que se está a utilizar; e até nas abóboras que se encontram do lado direito da imagem, no chão.

Outra das cores que destaca na imagem é o branco- cor presente nas paredes da casa, no pano que está sobre o móvel, e na toalha que está em cima da mesa, cujo significado está geralmente associado à paz e pureza, valores defendidos também pela religião, a qual está fortemente presente na imagem.

Por fim, ressalta à vista, ainda que em menor dimensão, na porta e no rebordo da janela a cor verde- cor que significa à esperança, liberdade, saúde e vitalidade, e que é associada ao crescimento, à renovação e à plenitude. Além disso o verde é uma das cores da bandeira nacional, sento o patriotismo um dos valores claramente defendidos no cartaz.

2.2 Aspeto singular-indicativo

Relativamente ao aspeto singular-indicativo, terá de ser analisada a relação entre o signo e o objeto (índice).

Este cartaz reflete de forma detalhada e específica diversas características do regime do Estado Novo, entre as quais a presença, já mencionada anteriormente, no canto inferior esquerdo na frase: “Deus, Pátria, Família: a triologia da educação nacional”, envolta num quadrado amarelo. Este slogan representa a triologia através da qual Salazar pretendia formar uma sociedade obediente, doutrina lançada num breve discurso do mesmo. A primeira palavra da trilogia (Deus) tem a ver com a forte ligação do Estado Novo à Igreja, que se traduz num grande conservadorismo, devendo a sociedade ser educada segundo o modelo cristão. A pátria, por sua vez, está associada a um forte sentimento nacionalista e patriotista que, segundo a doutrina salazarista, todos os portugueses devem nutrir pela sua Nação. Por fim, a última palavra (família) representa aquela que se desejava que fosse a base da sociedade.

As palavras presentes no slogan, estão também presentes na imagem por intermédio de outros elementos, como é o caso de Deus, que está simbolizado através do pequeno altar que se encontra em cima do móvel, o qual contém duas velas e um crucifixo, entre outros elementos associados à religião. A pátria está presente na bandeira que se pode observar através da janela. Já a família, encontra-se representada pela presença de uma família na imagem, composta pelo pai, mãe, e os dois filhos, existindo ainda uma tentativa de demostrar, por um lado harmonia familiar, e por outro lado o papel que cada um dos elementos do casal desempenha: enquanto que o homem vem da rua, provavelmente do trabalho, a mulher está em casa a limpar e a tomar conta dos filhos- facto que representa a forma sob a qual a sociedade vivia na época, sendo, assim, o papel da mulher outros dos aspetos que se pode analisar ao observar a imagem. Esta é a imagem de uma família tipicamente salazarista: remediada, pobre, trabalhadora e religiosa. Além disso pode-se também destacar que a filha se encontra a brincar com louças e bonecas, para um dia cumprir bem o seu papel enquanto mulher e mãe exemplar.

O ruralismo é outro dos aspetos que faz parte da imagem, dado que a casa apresenta vários elementos do campo, sendo o meio rural e o trabalho no campo valores que Salazar desejava incutir.

Os pratos estão encostados ordenadamente à parede, mostrando organização social.

Por fim, a mocidade portuguesa, organização tipicamente fascista, que surgiu a propósito da propaganda do regime para promover o enquadramento ideológico da sociedade nas crianças, está também presente no cartaz por intermédio da farda do rapaz.

2.3 Aspeto convencional-simbólico

Esta análise semiótica termina com o aspeto convencional-simbólico, isto é, a análise relação do legi-signo com o objeto (símbolo).

Este cartaz de propaganda mostra os valores que o regime da época pretendia transmitir: um lar cristão, patriarcal, rural, tradicional, sem utensílios de modernidade, onde não existe nenhuma referência ao mundo industrial.

É possível, desse modo, observar neste cartaz as fundações construídas da política corporativista de Salazar, baseada sobre a família, o que levou à propaganda do regime à consagração da sequência “Deus, Pátria, Família”. Ao dar o poder ao chefe de família, e às corporações que representavam “todos os cidadãos”, Salazar dava forma ao que acreditava ser o “verdadeiro sistema representativo”, e dando-se a si próprio o direito a ser o único chefe.

O consumidor deste cartaz, era assim levado a acreditar nesta doutrina de vida, e que se vivesse segundo esta teria uma vida de Glória, e um lugar no Céu.

III- Conclusão

Apesar da sociedade portuguesa atual não ser governada por um chefe de estado cujo regime é de caráter totalitário, tal já aconteceu no século passado, e acontece hoje em dia em diversos países à volta do globo. Por isso, revela-se crucial não só ter conhecimento acerca destes regimes, mas também o contexto em que estes surgiram e como operavam, porque só sabendo do passado, podemos evitar que determinados erros sejam cometidos no futuro. A nossa liberdade é dos bens mais preciosos que temos, e ter conhecimento histórico, é uma forma de a preservarmos.

Raquel Reis

Referências

Santaella, L. (2008). Semiótica Aplicada (1ª.ed.). São Paulo: Pioneira Thomson Learning.

https://oliveirasalazar.org/download/documentos/A%20lição%20de%20Salazar___4D121BE9-3394-4D43-AB1F-A81584CE2799.pdf

https://journals.openedition.org/cultura/3123

https://noseahistoria.wordpress.com/2011/12/12/a-licao-de-salazar/

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