A Polémica de Assassins Creed: Shadows

Hugo Miguel Tavares Machado de Brito Rocha
Semiosis
Published in
4 min readJun 4, 2024

Mesmo ainda não estando disponível aos jogadores, Assasssins Creed: Shadows já é polémica e um exemplo do racismo entranhado no seio das comunidades gaming.

Os últimos dias têm sido atribulados na comunidade gaming. O novo título de Assassins Creed leva-nos aos tempos do Japão feudal, e algo que já é garantido pelos trailers e teasers lançados, é a participação de Yasuke uma figura história da cultura nipónica.

A história de Yasuke pode ser considerada uma mistura de facto e folklore. A versão mais vezes retratada é a de que Yasuke era um retentor, isto é, carregava consigo a espada do seu mestre, uma grande honra para qualquer guerreiro da época.

Apesar dos contornos deste momento histórico serem alvo de debate, é interessante olhar para um Japão feudal, fechado ao resto do mundo e com uma população etnicamente homogénia e imaginar um homem preto, moçambicano de 1.90m num país onde a média se aproximava de 1.60m.

Aparentemente, esta proposta não é suficientemente interessante para alguns membros da comunidade gaming que acusam a Ubisoft de “Wokismo” e de alterar a história. Wokismo é um termo cunhado no momento atual para colocar tudo o que seja sobre a busca de representatividade e ações de consciencialização numa pequena caixinha de forma a ridicularizar tanto estes movimentos como em quem neles acredita e ativamente milita.

Tweet de internauta denuncia um “meme” racista sobre AC: Shadows | Via X: Internauta @CerberusXt

A critica dos “Fãs”

Como já referido, muitos dos “fãs” da saga expressaram o seu descontentamento referente à proposta deste novo jogo. No entanto, existem duas questões que invalidam estas criticas:

Assassins Creed, apesar de viajar entre diversos momentos históricos, nunca se comprometeu a representá-los de forma 100% fidedigna. Muitas vezes o jogo subverte a história do mundo real em prol da narrativa do seu jogo. Além disto, estes “fãs”, os quais eu insisto em colocar entre aspas, fazem desta situação oportunidade para fazer piadas racistas sobre o jogo.

É muito claro que a presença de um homem preto incomoda, e muito, uma porção da comunidade gaming, que usa e abusa do já falado termo wokismo para branquear o seu patente racismo na busca de uma justificação para dizer tais barbaridades.

CGI é usado para trocar a cara de Yasuke pela de George Floyd de forma a ridicularizar a escolha do protagonista de AC: Shadows | Via X: Internauta @PapaUwUx

O Homem Preto no papel de protagonista

Grada Kilomba, na sua obra “Memórias da Plantação, Episódios de racismo diário”, descreve a segregação dando o exemplo de fronteiras geográficas que dividem o mundo puro da branquitude com o mundo da inferioridade, sujidade, maldade e infeção do negro.

Olhando aos videojogos é possível desenhar outro tipo de fronteiras no que toca a representação dos negros. Os negros, históricamente no mundo dos videojogos, são colocados em posições coadjuvantes. Apesar de existirem protagonistas negros nos videojogos, é possível observar uma tendência de representação da marginalidade e do crime, não apresentanto as virtudes que o sujeito negro, como qualquer outro, pode ter.

Yasuke quebra esta barreira. Vemos um homem negro, no periodo sengoku, que participa ativamente no mundo samurai, um mundo de honra e um espaço restrito tanto pela etnia como pela consanguinidade com os grandes senhores feudais e familias samurai. Este “não é o espaço” de um homem preto, e isso incomoda.

Grada (2008) conta uma história sobre como alguns alunos, aos quais ela dava aulas na Alemanha, lhe questionaram intensivamente sobre os seus antepassados. Este questionamento só parou quando finalmente chegou à geração africana da sua familia. Após isso, existe uma insistência em dizer que ela é africana, apesar de, para chegar ai, a conversa ter recuado inúmeras gerações. Esta busca começa com o tom de pele e acaba com a origem. O objetivo é só um: expulsar esta pessoa diferente de um espaço que lhe é negado, pela sua cor e origem ancestral.

Yasuke no trailer de Assassins Creed: Shadows

Conclusão

Todo o alarido feito nas redes sociais tem o objetivo claro de boicotar a figura negra num papel de relevância dentro deste videojogo. Infelizmente, é claro que, para alguns jogadores, aquele espaço, o espaço do protagonismo, é restrito. É então fácil ver o paralelismo entre esta rejeição a Yasuke, como figura relevante, e a segregação e os limites impostos ao sujeito negro, mencionados por Grada Kilomba.

Referências

Kilomba, G. (2008). Memórias da Plantação — Episódios de Racismo Quotidiano. Cobogó.

Ubisoft. (15 de maio de 2024). Assassin’s Creed Shadows: Trailer Cinemático Oficial da Estreia Mundial. Obtido de Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=vovkzbtYBC8

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