O valor da bandeira para uma nação

Limadaphny
Semiosis
Published in
6 min readNov 28, 2022

A bandeira é o símbolo representativo, a marca identitária de um país. Tem o papel de unir, e até mesmo de dividir. Esse texto tem intuito de fazer uma análise histórica da semiótica desse símbolo, a fim de perceber o quão grande é sua influência na sociedade.

Após a queda do império brasileiro e o início de uma nova era democracia urge a necessidade de um novo símbolo nacional. A fim de estabelecer vínculos culturais de identidade e pertencimento, pois as referências à nação só são relevantes no âmbito jurídico. Logo a bandeira surgiu como um símbolo político para a promoção do sentimento nacional, principalmente da República, visto que esta também acaba por proclamar o velho e o novo, expressando o pano de fundo do passado, assim como o presente da nação brasileira.

Notoriamente, na composição da bandeira cada elemento tem um significado. No caso da pigmentação, o verde representa a casa da família real portuguesa de Bragança, os bosques e florestas durante a República. O amarelo Leopoldina, a dinastia dos Habsburgos da família da Rainha, que agora representa os recursos minerais. O azul, o céu, o branco, a paz e as estrelas como símbolos nacionais (Notícias do Senado, 2020). O lema “Ordem e Progresso”, que tem o caráter positivista da filosofia de Augusto Comte, simboliza o objetivo maior do Estado, ajuda a “unir os brasileiros e incentivá-los a trabalhar pelo bem comum”. Segundo Reis Damaceno (2020, p. 107).

Dessa forma, na perspectiva da semiótica, ou seja, o estudo da linguagem, “as bandeiras são símbolos concretos que corporizam ideias abstratas” (Berg, 2008, p.92). Assim, como afirma Torres (2008, p. 138), é um signo que configura uma unidade político-geográfica e seus habitantes com um ideal de identidade cultural, formando um grupo étnico que luta ou celebra a nação.

Para compreender a apropriação e a ressignificação dos símbolos nacionais brasileiros à luz da semiótica peirceana, faz-se necessário a explicação de alguns conceitos presentes em seu em suas ideias. Neste, termos como fenômeno, consciência, símbolo, ícone, signo são formulações de ideias, por meio de palavras, que compõem a teoria peirceana e mantêm uma relação entre objetos e pensamentos. É essencial destacar que Peirce classificou os fenômenos em três categorias, que se referem às fases operativas do processo de percepção de todos os signos. São elas: primeiridade, secundidade e terceiridade. A primeiridade, conforme sugere a palavra, é o que ocorre primeiro à mente. É o sentir; a percepção primária, na qual o signo é percebido por meio dos elementos que causam a sensação, a emoção, o sentimento. Já a secundidade é o reagir; percepção secundária, em que o signo é decomposto em associações e relações, sendo percebido como mensagem. A terceiridade é o pensar; percepção final, na qual há a leitura simbólica, dentro de um contexto amplo de significações. O processo dinâmico de interligação entre os três aspectos apresentados acima foi chamado por Peirce de semiose.

A partir da semiótica peirceana, analisamos a apropriação e significado da bandeira Brasil, perante o passado e a atualidade.

“Os símbolos nacionais representam a nação brasileira e os fundamentos constitucionais: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Os símbolos nacionais exaltam os valores positivos de uma nação. A nação brasileira compartilha um conjunto de culturas e práticas. Nação significa união de um povo com sentimento de pertencimento e sentimento de unidade entre si” Gabriel Firme (apud Moura, 2020, p.)

De acordo com o enunciado acima, o significado de símbolo nacional é, então, de união de um povo, pluralismo político e sentimento de pertencimento. No entanto, quando determinado grupo, independente da vertente política, apropria-se do símbolo nacional, ele altera a conotação inicial, atribuindo-lhe sentido diferente para o qual foi criado.

No contexto contemporâneo, a bandeira foi tomada por projetos políticos como parte da propaganda governamental. Vale lembrar que essa dinâmica já era vista como ferramenta político-ideológica durante os regimes militares, em que símbolos e cores nacionais serviam de propaganda. Tal pratica é características histórica de partidos de extrema direita e regimes autoritário como fascismo e nazismo Analogamente, a teoria funcionalista busca entender a mídia como vendedora de produtos, hábitos e itens políticos, examinando o impacto da mídia baseada em estímulo-resposta na sociedade, identificando comportamento condicionado, alienação induzida pela mídia. Como a publicidade, segundo Harold Laswell (citado em Santos, 2013), a publicidade é um importante representante dessa teoria, é uma estratégia que visa influenciar as atitudes humanas por meio da manipulação de conteúdo representacionais (como símbolos) por meio do uso de rumores, reportagens da mídia e outras representações.

Além disso, entende-se agora que a mesma dinâmica de uso de símbolos nacionais na propaganda política vem se desenvolvendo desde as manifestações de 2013 e surgiu na retórica nacionalista bolsonarista em 2018. Tal retórica estimula a identificação de indivíduos que não compartilham essas características por exclusão, porque destaca a ideia de um grande grupo de pessoas com caráter patriótico e cristão. Nesse sentido, como elemento de comunicação de massa, a propaganda desse projeto é repleta de narrativas negacionistas, ato de mudança da relação simbólica entre a sociedade e o Estado, uma parte da qual não se identifica mais com o emblema nacional.

Retomando os conceitos de Peirce, observa-se que um símbolo nacional é também uma das formas de mediação dos significados, pois carrega o poder de representar algo para alguém. Neste caso, a bandeira, a camisa da seleção brasileira e as cores verde e amarela são símbolos dotados de significado. “Para Peirce, o signo existe tanto como um objeto externo em um plano de realidade objetiva como também existe na mente da pessoa que o percebe”.

Para abordar a questão levantada, recupera-se o conceito peirceano de significante, que é a forma do símbolo. Quando se olha para a bandeira brasileira, ocorre o que Peirce chamou de semiose, que é a ação de produzir e gerar signos. Os signos, são também símbolos ou sinais que expressam significados. Nessa perspectiva, partindo do pressuposto de que uma pessoa é brasileira e conhece a bandeira nacional, ao olhar para este símbolo, em sua mente ocorre o que Peirce chamou de primeiridade. Ou seja: o sentir! É o momento em que o signo bandeira brasileira é percebido por meio dos elementos que causam a sensação, a emoção, o sentimento. É importante ressaltar que, ao criar a bandeira, todos aqueles elementos ali colocados, como a cor verde, por exemplo, têm como intenção remeter ao verde das matas brasileiras; o amarelo ao ouro e às riquezas minerais do subsolo; o azul lembra o céu; o branco diz respeito à paz; e as estrelas fazem referência aos Estados brasileiros e ao Distrito Federal. Há ainda a frase “Ordem e Progresso”, que exalta o lema do positivismo. Todos estes elementos estão ali formando o signo e, ao visualizá-los, despertasse o sentimento de pertencimento a esta terra chamada Brasil, enaltecendo o orgulho e a emoção da celebração e da conquista (Santaella, 1990).

Já a secundidade é uma relação diádica — que é a relação com outra pessoa ou grupo — na qual ocorre a associação e passa a ser percebido como mensagem. Explicando melhor: secundidade é também a ação e a reação dos fatos concretos existentes no mundo real, é materialidade. No caso do símbolo bandeira, ao usá-la, seja em eventos públicos ou hasteando-a na janela durante o jogo da seleção brasileira, demonstra-se uma reação ou exaltação de um sentimento que pode ser de alegria, de identidade ou até de tristeza. São atos de reação e interação. Ou conforme as palavras de Santaella (1990, p. 21) “secundidade é aquilo que dá à experiência seu caráter factual”. Já o conceito de terceiridade sintetiza e permeia os anteriores. É o momento dos discursos, conceituações, interpretações, experiências e aprendizagens suscitadas pelo símbolo. Assim, ao usar uma bandeira, ocorre este processo de semiose.

Logo, a bandeira do Brasil é um símbolo nacional, não pode ser usada para representar um movimento político e nem ser utilizada como estandarte ideológico. Sobretudo, a sua apropriação indevida já é forte indício de ruptura institucional. Sendo assim, todo esse nó que produz o que se denomina como polarização, pode começar a ser desatado pela restituição da bandeira ao seu devido lugar.

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