CIBER-ALARME: THE SOCIAL MEDIA DILEMMA

Rita Silva
Semiosis
Published in
9 min readMay 15, 2024

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Num mundo cada vez mais cibernético, onde as redes sociais são uma presença diária, surge a questão: Até que ponto estamos realmente no controlo total das nossas interações online?

Numa atualidade onde a manipulação de imagens é uma ameaça omnipresente, torna-se difícil distinguir entre o que é autêntico e o que é encenado.

No panorama contemporâneo, as redes sociais não são apenas plataformas, para conectar indivíduos em todo o mundo, mas também espaços onde a estética desempenha um papel fundamental na forma como interagimos, percebemos e nos relacionamos com o mundo digital que nos rodeia.

O documentário “The Social Dilemma”, dirigido por Jeff Orlowski, foi lançado em 2020 e explora os impactos negativos das redes sociais na sociedade contemporânea.

Ao longo do filme é apresentada uma série de entrevistas a ex-funcionários das principais plataformas online, bem como, uma dramatização de uma família fictícia — que mostra como o uso das redes sociais afeta as suas vidas e os seus relacionamentos. Estas cenas ajudam a humanizar as questões abordadas e a mostrar como os algoritmos podem influenciar o nosso comportamento e a nossa percepção da realidade.

Trailer — “The Social Dilemma”

São ainda desvendados alguns dos mecanismos por trás de plataformas como: o ‘Facebook’, o ‘Pinterest’, o ‘Instagram’ e o ‘Twitter’ (atual ‘X’), bem como, as consequências profundas que estas plataformas têm no nosso quotidiano.

O documentário começa por contextualizar o surgimento e a evolução das redes sociais, destacando seu papel inicial como ferramentas de conexão e comunicação. No entanto, à medida que as plataformas se tornaram cada vez mais populares, foram também surgindo algumas preocupações sobre seu impacto na saúde mental da população, nas relações sociais e no panorama político.

Neste contexto, a filosofia surge como uma lente poderosa para compreender a complexa interação entre a experiência estética nas redes sociais e os aspectos mais profundos da condição humana.

A estética é um campo de estudo que, tradicionalmente, se concentra na beleza e no significado das formas, cores e composições — sendo que esta encontrou uma nova dimensão nas plataformas digitais. Através de fotos, vídeos, textos e outros elementos visuais e auditivos, os usuários destas plataformas moldam e compartilham narrativas sobre suas vidas, criando um mundo digital cheio de estímulos estéticos. No entanto, por trás dessa ‘aparente celebração estética’, surgem questões filosóficas profundas sobre a autenticidade, a representação e a verdade.

Várias questões são levantadas ao longo do filme, não só aos entrevistados mas também de uma forma sub-entendida ao espetador: “- De que forma, os algorítmos das plataformas digitais, influenciam as nossas preferências estéticas e os nossos padrões de consumo cultural?”; “- Existe necessidade de viver com estas novas formas de comunicação?”.

Excerto do filme — “The Social Dilemma”

A conexão entre a experiência estética nas redes sociais e a filosofia lembra-nos da importância de questionar e refletir sobre o mundo digital em que estamos inseridos. Ao explorar as profundezas da estética das redes sociais, somos desafiados a enfrentar questões essenciais sobre a natureza: da verdade, da identidade e da beleza — num mundo cada vez mais conectado e visualmente orientado.

Ao longo das entrevistas os indivíduos foram compartilham as suas experiências laborais nas empresas de tecnologia onde estavam inseridos e, acabaram por revelar, de que forma os algoritmos das redes sociais são projetados para manter os usuários envolvidos e viciados no produto. Explicam como a recolha massiva dos dados pessoais e a segmentação de audiência são usadas para personalizar conteúdos e anúncios próprios para cada indivíduo, criando assim ‘canais de filtro’ e ‘echo chambers’ (‘salas de eco’, em português) — que reforçam a visão de mundo e polarizam a sociedade.

Excerto do filme — “The Social Dilemma”

O primeiro entrevistado a aparecer em cena foi Tristan Harris — um especialista em ética de tecnologia, norte-americano. Tristan começou a sua carreira como especialista em ‘Ética de Design’, na Google. Atualmente é o diretor executivo e co-fundador do ‘Center for Humane Technology’ (Centro para a Tecnologia Humana) — uma organização sem fins lucrativos dedicada a promover o design ético de tecnologia com o propósito de consciencializar sobre os impactos negativos da tecnologia na sociedade, defendendo políticas públicas que protegem os usuários online. Ao longo da narrativa, compartilha ainda as suas experiências e perspectivas sobre o ‘design de produtos digitais’ e como as empresas de tecnologia podem priorizar o bem-estar dos utilizadores destas plataformas digitais.

Harris tem um papel ativo neste ramo e é várias vezes convidado a participar em diversas palestras, conferências e eventos, em todo o mundo com o intuito de divulgar as suas ideias, sobre a ética na tecnologia, e os desafios enfrentados pela sociedade digital, neste ramo. É também bastante ativo nas suas redes sociais — onde usa as plataforma para promover discussões sobre os impactos sociais e éticos da tecnologia.

Tristan Harris tornou-se assim um dos principais críticos vocais das práticas das empresas de tecnologia, especialmente no que diz respeito à manipulação da atenção dos usuários e ao impacto negativo das redes sociais na saúde mental. Argumenta ainda que as plataformas digitais são projetadas para maximizar o tempo de retenção e a recolha de dados, muitas vezes à custa do bem-estar dos utilizadores.

Imagem 1 — Tristan Harris

Jaron Lanier — cientista de computação, autor e pensador conhecido pelas suas contribuições para o campo da realidade virtual é uma das figuras principais deste documentário. A sua pesquisa e inovações na área da realidade virtual abriram caminho para muitas aplicações modernas, desde jogos, treinamento industrial e até simulações médicas.

É autor de vários livros sobre tecnologia, sociedade e cultura. E entre as suas obras mais conhecidas estão: “You Are Not a Gadget: A Manifesto” (Tu não és um Gadget: Um Manifesto); “Who Owns the Future?” (Quem Tem o Futuro?); e “Ten Arguments for Deleting Your Social Media Accounts Right Now(Dez Argumentos Para Apagar Já As Suas Contas nas Redes Sociais). Nestes livros, Lanier explora temas como a identidade digital, a economia da atenção, os impactos sociais da tecnologia e defende ainda uma abordagem mais responsável ao desenvolvimento de novas tecnologias.

Nos últimos anos, destacou-se pelas suas críticas à indústria de tecnologia e às redes sociais, argumentando que as plataformas digitais (como o ‘Facebook’ e o ‘Twitter), contribuem diariamente para a polarização, desinformação e dependência tecnológica. Lanier também levanta preocupações sobre questões de privacidade, manipulação de dados e o modelo de negócios baseado na atenção dos usuários. As suas ideias desafiam as convenções da indústria de tecnologia e destacam a necessidade de uma abordagem mais reflexiva e ética em relação ao uso da tecnologia.

Jaron Lanier — “The Social Dilemma”

O filme aborda também o impacto das redes sociais na saúde mental — especialmente nas crianças e nos adolescentes. É destacado o uso excessivo das plataformas sociais e como este pode levar a problemas como: a ansiedade, a depressão, a baixa auto-estima, a redução do tempo médio da capacidade de atenção, etc — exacerbados pela constante procura de validação e gratificação instantânea.

Excerto do filme — “The Social Dilemma”

Além disso, “The Social Dilemma” explora as ramificações políticas das redes sociais, incluindo a dissipação de desinformação, o surgimento de bolhas de opinião — as tais ‘echo chambers’ como supramencionado — e o enfraquecimento da confiança nas instituições democráticas.

Os entrevistados alertam sobre os perigos do compartilhamento descontrolado de informações falsas (as chamadas ‘Fake News’) e o potencial de manipulação de eleições por meio de campanhas de desinformação online. É perceptível que estas pessoas estão preocupadas e em alerta constante em relação às mesmas e que acabaram por se afastar do ramo, após entenderem que houve uma perda de controle sobre estas plataformas digitais.

Excerto do filme — “The Social Dilemma”

Embora não apareçam no documentário, os filósofos Gilles Lipovetsky e Byung-Chul Han também abordam estes temas nas suas obras.

Gilles Lipovetsky é um filósofo e sociólogo francês conhecido pelas suas análises sobre a modernidade e a pós-modernidade, com um foco especial nas transformações culturais e sociais do consumo e do individualismo. Byung-Chul Han é um filósofo e ensaísta sul-coreano, professor na Universidade de Artes, em Berlim.

Temas como: o narcisismo, o consumismo estetizado, a sedução, a transparência forçada, o cansaço, a manipulação psicológica, a cultura da positividade, e a homogeneidade das ‘bolhas de opinião’ são, não só abordadas no documentário, como também, estudadas por estes dois pensadores.

Lipovetsky afirma que ‘vivemos numa era de hiper-individualismo e narcisismo’ — onde a auto-imagem e reconhecimento são os focos principais e onde as redes sociais incentivam a criação de uma imagem pessoal idealizada — numa procura constante por validação através dos likes e dos comentários. Já Han descreve a sociedade como ‘transparente’, indicando a pressão para a produtividade constante e a auto-otimização — levando assim ao esgotamento dos indivíduos com a necessidade de estarem sempre conectados ao digital, afirmando que estamos perante uma ‘sociedade do cansaço’.

Ambos os filósofos abordam temas sobre a ‘estetização da vida quotidiana’ e de que forma as redes sociais transformam todos os aspectos da vida num ‘espetáculo visual’ onde existe uma crítica muito clara à ‘cultura de positividade’ — apenas o positivo é valorizado e o negativo é reprimido. Havendo um incentivo constante em mostrar apenas os aspectos positivos e felizes, suprimindo os negativos e criando uma realidade distorcida.

Descrevem a sedução como uma das ferramentas centrais do mercado da sociedade — como forma de manter os indivíduos conectados com as redes sociais, onde existe uma ‘venda’ / promoção, não apenas de produtos, mas também estilos de vida e identidades. Assim, apontam para a questão que o ‘poder’ pode surgir de uma forma suave e sedutora, de forma a influenciar os comportamentos e os pensamentos das pessoas — ou seja, questionam de que forma os algoritmos manipulam e influenciam o comportamento dos indivíduos, através dos dados pessoais.

Por fim, Han destaca a ‘experiência do Outro’, onde o mesmo é constantemente refletido — ou seja (como supramencionado) de que forma os algoritmos criam ‘bolhas de filtro’, onde as pessoas são expostas apenas aos conteúdos que confirmam as suas próprias opiniões, eliminando a diversidade de perspectivas e reforçando a homogeneidade.

Imagem 2 — Byung Chul Han & Gilles Lipovetsky

CONCLUSÃO:
Em suma, a filosofia da estética convida-nos assim a refletir sobre a relação entre a experiência estética nas redes sociais e os ideais de beleza, felicidade e realização pessoal que permeiam a nossa sociedade.

A ética da cibercultura explora questões relacionadas com o uso, que a sociedade tem, da tecnologia digital e da internet. Podemos encontrar temas como: privacidade online, liberdade de expressão na era digital, segurança cibernética, inclusão digital e o impacto das redes sociais na sociedade e na política. São também abordados assuntos relacionados à cultura digital, como: a apropriação cultural na internet, os direitos autorais e a propriedade intelectual — além das implicações éticas da inteligência artificial, algoritmos, etc.

No final, o documentário encoraja os espectadores a repensarem sobre o seu relacionamento com as redes sociais e a considerarem maneiras de limitar seu uso e proteger sua privacidade online. O filme destaca a necessidade de uma regulamentação mais rigorosa das empresas de tecnologia e o papel dos utilizadores na procura de uma internet mais saudável e ética.

REFERÊNCIAS:

Jess Orlowski. (2020). “The Social Media Dilemma” (Original NetFlix Movie)

Netflix. (2020). “The Social Media Dilemma | Official Trailer | Netflix”
https://www.youtube.com/watch?v=uaaC57tcci0&t=45s

Professor Ross. (2020). “The Social Media Dilemma - Intermittent Positive Reinforcement”
https://youtu.b/zt_jhGXdxdc?si=O_6a5KoXgnxBA1Pc

Leon Idas. (2020). “The Social Media Dilemma — You are the product (gr subs)”
https://www.youtube.com/watch?v=zK-GIh4FJZQ

The School of We. (2020). “Jaron Lanier ⏐ The product is changing what you do, how you think, who you are”
https://www.youtube.com/watch?v=NulNjwUxr1w

Professor Ross. (2020). “The Social Dilemma - Influence of Social Media on Teen Depression and Behavior”
https://www.youtube.com/watch?v=Ui0UNXsEGJ8

Professor Ross. (2020). “The Social Dilemma - Social Media and Polarization Social Media and Polarization”
https://www.youtube.com/watch?v=xQAGWFkYhQk

Fronteiras do Pensamento. (2019). “Gilles Lipovetsky - O que é o “individualismo” afinal?”
https://www.youtube.com/watch?v=FuA_rii0ySs

Fronteiras do Pensamento. (2019). “Gilles Lipovetsky - A identidade do ‘Facebook’”
https://www.youtube.com/watch?v=-CHRMspK95Q

Joshua Krook. (2021). “The World According to Byung-Chul Han”
https://www.youtube.com/watch?v=qesYbU8ne14

CLINICAND — PSICANÁLISE E ESQUIZOANÁLISE. (2020). “Byung-Chul Han: Sociedade do Cansaço [Documentário Completo, 2015] Legendado/Subtitulado”
https://www.youtube.com/watch?v=VbPvH515KoY

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