Descodificando a dissidência: uma análise semiótica da linguagem artística de Banksy

Análise semiótica do artista de rua Banksy, com o objetivo de desvendar a intrincada teia de símbolos, sinais e significados incorporados nas suas obras instigantes. Banksy, conhecido pelo seu anonimato e pelas suas obras de arte politicamente carregadas, serve como um tema fascinante para uma investigação semiótica. Esta análise procura aprofundar os códigos semióticos e os contextos culturais que definem a linguagem artística de Banksy, lançando luz sobre as formas como ele comunica.

EvaSofiaM
Semiosis
6 min readDec 22, 2023

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Imagem 1 — Cena do filme Exit Through the Gift Shop (2010). Fonte: notícia do jornal Público

Banksy, é o pseudónimo de um artista de rua conhecido mundialmente. Este ganhou reconhecimento internacional pela sua abordagem distinta à arte, através da combinação de comentários sociais com uma linguagem visual única.

Esta análise visa explorar a semiótica da arte de Banksy, examinando os signos e interpretantes utilizados para transmitir mensagens e provocar o pensamento. Ao decifrar os códigos semióticos contidos nas obras de Banksy, podemos obter uma compreensão mais profunda das implicações culturais, políticas e sociais incorporadas nas suas criações.

Esta análise semiótica visa assim fornecer uma compreensão diferenciada da linguagem artística de Banksy, oferecendo insights sobre as camadas de significado incorporadas nas suas obras. Ao decifrar os códigos semióticos em jogo, podemos obter uma apreciação mais profunda dos comentários sociopolíticos comunicados através da arte de Banksy.

Compreender a semiótica da arte de Banksy contribui para um discurso mais amplo sobre a intersecção entre arte, cultura e ativismo. Fornece uma lente através da qual se pode apreciar a complexidade das suas mensagens e o seu impacto nas perceções da sociedade.

Imagem 2 — Girl with Balloon, Banksy

A semiótica de Peirce envolve o estudo de signos para compreender o significado por trás deles nos variados contextos. Banksy, um artista de rua anónimo, é conhecido pelas suas obras politicamente carregadas e instigantes, pelo uso de estêncis quando faz as suas peças de arte simples, onde usa poucas cores, sendo o preto e o branco as mais presentes. A arte de Banksy pode ser analisada através das 3 instâncias do signo propostas por Peirce, o ícone, o índice e o símbolo.

Banksy costuma usar estêncis para criar a sua arte. O uso de estêncis pode ser visto como um sinal de produção e replicação em massa, possivelmente até, um comentário à mercantilização da arte. O estêncil é também uma forma simples de reproduzir ícones daquilo que Banksy pretende mesmo representar, quer seja uma menina pequena, como na obra Girl with Balloon, ou até mesmo um rato, como vemos na obra Love Rat. Através da utilização de ícones, Banksy pretende levar o público a perceber qual realmente é o objeto dinâmico da sua obra, uma vez que um ícone só pode mesmo sugerir ou evocar o seu próprio objeto real.

O uso deliberado de estêncis pode ainda simbolizar a acessibilidade da sua mensagem a um público amplo, enfatizando a universalidade das questões que aborda.

Imagem 3 — Love Rat, Banksy

Muitas das obras de Banksy abordam questões políticas e sociais, como a guerra, a desigualdade e a vigilância. Os signos e cenas nessas obras atuam como símbolos que representam problemas sociais mais amplos. Por exemplo, um rato pode ser um símbolo de decadência social, enquanto uma menina largando um balão pode simbolizar a esperança ou a inocência perdida.

Banksy frequentemente justapõe elementos contraditórios nas suas obras, usando a ironia para transmitir a sua mensagem. O uso do contraste e da ironia pode ser interpretado como um símbolo da complexidade das questões sociais. Por exemplo, um soldado a atirar flores em vez de explosivos, como se pode ver na obra Soldier throwing flowers, que foi pintada em Belém, na Palestina, mais precisamente na parede que separa Israel da Palestina. O próprio local escolhido para deixar a sua obra, até este pode ser considerado um índice, pois transporta imediatamente qualquer pessoa que observa a obra naquela parede em específico, para o conflito entre a Palestina e Israel que dura há anos.

O anonimato de Banksy é um aspeto crucial da sua identidade. O uso do pseudónimo pode ser visto como um símbolo de resistência contra o culto à celebridade ou um comentário sobre a dinâmica de poder no mundo da arte. O anonimato pode significar que a mensagem é mais importante que o mensageiro, incentivando os espetadores a concentrarem-se nas obras em questão e não na personalidade do artista.

Imagem 4 — Soldier Throwing Flowers, Banksy

A escolha de espaços públicos por Banksy para a sua arte acrescenta ainda outra camada ao seu trabalho. A rua torna-se numa tela, desafiando as noções tradicionais de onde a arte pertence. O cenário da rua pode ser visto como um símbolo de democratização da arte, tornando-a acessível a todos, em vez de confiná-la às galerias. Também levanta questões sobre propriedade e controlo dos espaços públicos.

Numa análise utilizando a semiótica de Peirce, podemos ainda mencionar a tríade do representamen (primeiridade), do objeto (secundidade) e do interpretante (terceiridade). No caso do representamen, este é o signo em si, no caso de Banksy, este pode ser as cores que usa, a simplicidade ou a própria representação das suas obras, o local escolhido para as obras, o uso de estêncis e até o próprio anonimato do artista. Todo e qualquer elemento do artista e das suas obras pode ser considerado como representamen, uma vez que têm a capacidade de transmitir significado.

No que toca ao objeto, este é aquilo que é representado pelo representamen, que pode ser facilmente percebido quando Banksy usa uma menina pequena, como símbolo para representar a infância, ou um pouco mais rebuscado, amplo e indireto como o uso de um rato com a intenção de representar uma sociedade em decadência.

Quando entramos, por fim, na terceiridade, esta refere-se à interpretação ou ao efeito, o interpretante, que o signo pode ter sobre o intérprete, individual ou coletivo. Este pode ser imediato, dinâmico ou final.

Imagem 5 — Banksy’s Valentine’s Day Mural

Muitas das obras de Banksy procuram transmitir interpretantes dinâmicos, muitas vezes emocionais ou lógicos. Apesar de a interpretação e efeito das suas obras ser muito variada, pois esta é diferente para qualquer pessoa que as observe, o uso da cor vermelha tem, grande parte das vezes, um interpretante emocional de raiva, luta, paixão, emoções fortes. O facto de Banksy utilizar, quase sempre, apenas uma cor em contraste com o preto e branco utilizado no resto da obra, intensifica ainda mais as emoções transmitidas pela escolha da cor.

Através dos interpretantes dinâmicos lógicos, Banksy procura levar o público a mudar os seus hábitos, usando símbolos já conhecidos nas suas obras, o artista pretende criticar aspetos do real e levar o intérprete a questionar a sociedade e a forma como esta está organizada.

Em conclusão, ao analisar semioticamente o trabalho de Banksy, é importante considerar como os signos interagem para transmitir significados mais profundos sobre a sociedade, a política e a condição humana. Além disso, é preciso ter em conta que as interpretações podem variar e, dessa forma, os espetadores são incentivados a envolver-se criticamente com a arte para derivar os seus próprios significados.

Referências Bibliográficas:

Cambronero, G. A. (2022). La disidencia en la ciudad como toma de posición ideológica: Análisis semiótico de Banksy. Revista Arquis, vol. 12, n.1: 144–167

Fayed, S. (2021). A Visual Semiotic Analysis of Banksy’s Game Changer. Academia Letters, Artigo 723. https://doi.org/10.20935/AL723

Sales, A. J. & Alencar, R. L. (2023). A crítica social no graffiti: uma leitura de Banksy. Revista Crátilo, vol. 16, n. 1: 07–15

Pierce, C. S. (1977). Semiotics and Significs: The Correspondence between Charles S. Peirce and Victoria Lady Welby. Edited by C. S. Hardwick. University of Indiana Press.

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