Desconstruir Normas: Um olhar Filosófico do Videoclipe “Man! I feel like a woman”

Adri.martinss
Semiosis
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6 min readJun 4, 2024
Imagem do videoclipe

O videoclipe e a música “Man! I Feel Like a Woman!” de Shania Twain, lançados em 1999 são emblemáticos símbolos na cultura pop, celebrados pela sua vibrante expressão de empoderamento feminino e desconstrução de estereótipos de gênero.

Contextualização - “Man! I feel like a Woman!”

“Man! I Feel Like a Woman!” é uma das canções mais icónicas da cantora canadiana Shania Twain, lançada como single em 1999, do seu álbum de grande sucesso “Come On Over” (1997). O videoclipe, dirigido por Paul Boyd, rapidamente se tornou um marco na cultura pop, destacando-se pela sua celebração vibrante e audaciosa da feminilidade.

No videoclipe, Shania Twain aparece inicialmente vestida com um smoking preto, subvertendo os tradicionais códigos de vestuário masculinos, apenas para depois revelar um look mais típico de diva pop, com um mini-vestido e botas de cano alto. Esta transformação visual, aliada à letra afirmativa e libertadora da canção, encapsula um espírito de autonomia e desafio às normas de género convencionais.

O clipe é ambientado num cenário de estúdio com luzes brilhantes e um grupo de homens vestidos de forma elegante como a sua banda de apoio, que contrastam com a atitude confiante e irreverente de Twain. A coreografia e a estilização visual reforçam a mensagem de que as mulheres podem ocupar e redefinir espaços tradicionalmente dominados por homens, tanto na aparência quanto no comportamento.

“Man! I Feel Like a Woman!” não só consolidou a carreira de Shania Twain como uma das artistas mais influentes da sua época, mas também se tornou um hino de empoderamento feminino, inspirando inúmeras pessoas a celebrar a sua identidade e a desafiar as expectativas sociais. Este contexto cultural e visual torna o videoclipe uma obra rica para a análise sob a perspetiva da teoria feminista e queer, como a desenvolvida por Teresa De Lauretis.

Contextualização - Teresa De Lauretis

Teresa De Lauretis é uma filósofa e teórica feminista italiana, reconhecida pelas suas contribuições inovadoras nos estudos de género e “teoria queer”. O seu trabalho centra-se na análise das construções sociais de género e sexualidade, questionando as narrativas normativas que sustentam estas identidades. De Lauretis é especialmente conhecida por ter introduzido o termo “teoria queer” no final da década de 1980, propondo uma abordagem crítica que desafia as categorias rígidas e binárias de género e orientação sexual.

Os seus estudos destacam a performatividade de género, argumentando que o género é uma série de atos e comportamentos repetidos, e não uma essência fixa. Além disso, De Lauretis explora como as representações culturais, como cinema, literatura e media, influenciam e moldam as perceções de género e identidade, perpetuando ou contestando normas sociais. A sua obra tem sido fundamental para entender as complexas interseções entre poder, discurso e identidade, proporcionando uma base teórica robusta para análises críticas no campo dos estudos de género.

Fundamentos da “Teoria Queer” de Teresa De Lauretis

De Lauretis argumenta que as identidades de género e sexualidade não são naturais ou essencialmente determinadas, mas sim construídas social e culturalmente. Ela desafia a visão binária tradicional que distingue rigidamente entre masculino e feminino, heterossexual e homossexual, propondo que essas categorias são fluidas e sujeitas a mudanças.

Inspirada por teóricos como Judith Butler, De Lauretis defende que o género é performativo, ou seja, ele é constituído através de atos repetidos e comportamentos que consolidam a aparência de uma identidade estável. A performatividade de género sugere que as identidades são continuamente criadas e recriadas através de práticas diárias.

A “teoria queer” de De Lauretis examina como as normas sociais e culturais impõem certas formas de ser e de desejar, marginalizando aquelas que não se enquadram nas convenções estabelecidas. Ela incentiva a análise crítica das instituições e discursos que produzem e mantêm essas normas, promovendo uma visão inclusiva que reconhece e valoriza a diversidade das experiências humanas.

De Lauretis sublinha a importância de considerar como outras formas de opressão, como a raça, a classe, intersectam com as questões de género e sexualidade. A “teoria queer” não pode ser entendida isoladamente, mas deve ser contextualizada dentro das complexas dinâmicas de poder e das diferentes experiências vividas pelas pessoas.

Contribuições e Impacto

A introdução da “teoria queer” por Teresa de Lauretis teve um impacto significativo nos estudos de género e sexualidade, promovendo uma abordagem mais flexível e crítica que questiona as essências e categorias fixas. Esta teoria abriu caminho para uma análise mais profunda das identidades e práticas não normativas, incentivando uma maior aceitação e compreensão da diversidade. Além disso, a teoria queer tornou-se uma ferramenta vital para ativistas e académicos que trabalham para desmantelar sistemas de opressão e promover a justiça social.

Em suma, a “teoria queer” de Teresa de Lauretis oferece um quadro teórico robusto para desafiar e pré-imaginar as conceções tradicionais de género e sexualidade, destacando a importância de uma abordagem inclusiva e crítica às identidades humanas.

Relação entre a “teoria queer” e o videoclipe musical

Teresa De Lauretis, oferece uma perspetiva rica e crítica para analisar o videoclipe “Man! I Feel Like a Woman!” de Shania Twain. A “teoria queer”, conforme articulada por De Lauretis, desafia as categorias rígidas e binárias de género e sexualidade, propondo que estas identidades são construções sociais e performativas, em vez de essências fixas.

No videoclipe, Shania Twain desafia e subverte as normas tradicionais de género através da moda e do comportamento. Inicia o clipe vestida com um smoking preto, uma peça de vestuário tradicionalmente associada ao masculino, para depois revelar um mini-vestido, um símbolo de feminilidade. Esta transição visual exemplifica a noção de performatividade de género defendida por De Lauretis e outros teóricos queer, como Judith Butler. Twain demonstra que o género é uma performance, um conjunto de atos estilísticos e comportamentais que podem ser adotados e alterados. Esta abordagem performativa sublinha a ideia de que as identidades de género são construídas socialmente e não são determinadas.

Além da performatividade, o videoclipe de Twain desconstrói normas de género ao celebrar a liberdade e o empoderamento feminino. A letra da canção e as imagens do videoclipe enfatizam uma identidade feminina confiante e autónoma, que rejeita as restrições impostas pelas normas de género tradicionais. Ao fazer isso, Twain está a ecoar a crítica de De Lauretis às normatividades de género que limitam a diversidade das experiências e identidades de género. Esta celebração de uma feminilidade empoderada desafia as narrativas normativas que frequentemente colocam as mulheres em papéis passivos ou secundários, oferecendo em vez disso uma visão de feminilidade multifacetada e poderosa.

A “teoria queer” de De Lauretis também destaca a importância das representações culturais na formação das identidades de género. O videoclipe de Twain serve como uma representação cultural que desafia e expande as possibilidades do que significa ser mulher. Ao apresentar uma figura feminina que é ao mesmo tempo glamorosa e assertiva, Twain oferece uma visão alternativa e mais inclusiva da feminilidade. Esta representação desafia as imagens tradicionais e unidimensionais de mulheres nos media, contribuindo para uma maior aceitação e valorização da diversidade das identidades femininas.

Além disso, o videoclipe pode ser analisado dentro de um contexto mais amplo de interseccionalidade, um conceito apoiado por De Lauretis. A celebração da feminilidade no videoclipe pode ser vista como parte de uma luta mais ampla por reconhecimento e igualdade que inclui não apenas género, mas também outras formas de identidade e opressão, como raça e classe. O empoderamento feminino apresentado no clipe pode inspirar outras formas de resistência e celebração de identidades marginalizadas, mostrando como a cultura pop pode ser um campo significativo de transformação social.

Em suma, ao relacionar a “teoria queer” de Teresa de Lauretis com o videoclipe “Man! I Feel Like a Woman!” de Shania Twain, fica claro como este trabalho audiovisual desafia as perceções tradicionais de género e promove uma visão mais inclusiva e empoderadora da feminilidade. Através da subversão das normas de género e da oferta de representações culturais alternativas, Twain contribui para a desconstrução das categorias rígidas de género, alinhando-se com a crítica e a celebração da diversidade propostas pela teoria queer.

Conclusão

Concluindo, o videoclipe “Man! I Feel Like a Woman!” de Shania Twain, analisado à luz da “teoria queer” de Teresa De Lauretis, revela-se uma obra poderosa que desafia as normas tradicionais de género. Através da performatividade de género e da celebração de uma feminilidade empoderada, Twain exemplifica as ideias centrais da teoria queer, mostrando que as identidades de género são construções sociais e não essências fixas. O videoclipe não só desafia as narrativas normativas de género, mas também oferece uma representação cultural inclusiva e multifacetada da feminilidade, ampliando as possibilidades do que significa ser mulher.

Em última análise, “Man! I Feel Like a Woman!” é mais do que um ícone da cultura pop; é uma declaração de autonomia e uma celebração da liberdade de expressão de género.

Referências Bibliográficas

Twain, S. Man! I feel like a woman!, 09 de Outubro de 2009. Disponível em : https://www.youtube.com/watch?v=ZJL4UGSbeFg

De Lauretis, T. (1987 )A tecnologia de Género. Indiana University Press.

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