Entre Cores e Silêncios: Uma Análise Semiótica do Videoclipe ‘Happier Than Ever’ de Billie Eilish
Este trabalho propõe uma incursão analítica no videoclipe “Happier Than Ever” da renomada artista Billie Eilish, utilizando a abordagem semiótica para desvendar os múltiplos estratos de significado embutidos nas imagens, gestos e símbolos que compõem essa obra visual.
Na efervescência da cena musical contemporânea, poucas artistas emergiram com tamanha originalidade e impacto quanto Billie Eilish. Nascida em Los Angeles, Califórnia, em 18 de dezembro de 2001, como Billie Eilish Pirate Baird O’Connell, a jovem cantora, compositora e produtora tornou-se uma força inegável na indústria da música desde seu debut meteórico.
Billie consolidou sua reputação como uma artista multifacetada, explorando temas que vão desde as complexidades do amor até as lutas emocionais da juventude contemporânea. Suas músicas são conhecidas por sua profundidade lírica, muitas vezes abordando questões emocionais e sociais de maneiras que ressoam com uma audiência global.
O seu segundo e mais novo álbum, que contém o mesmo nome do videoclipe escolhido, ‘Happier Than Ever’ foi lançado em 30 de julho de 2021, através das gravadoras Darkroom e Interscope Records. Sob a co-autoria e produção do seu irmão Finneas, o álbum marca uma notável incursão no jazz, destacando-se como a expressão mais pessoal de Billie Eilish até o momento. Diferenciando-se de seus trabalhos anteriores, as letras maduras abordam temas como as desvantagens da fama, relacionamentos abusivos e assédio, com uma sonoridade madura e letras profundas, o álbum conquistou sucesso global. A escolha de analisar esta música específica se deve à sua riqueza lírica e ao impacto visual do seu videoclipe, proporcionando uma oportunidade única para explorar a profunda conexão entre a música e a semiótica na obra.
Neste videoclipe, dirigido pela própria cantora, conta com mais de 343 milhões de visualizações. As paisagens emocionais se desdobram em um cenário minimalista, onde cada frame retrata a complexidade das relações humanas. O clipe transcende a performance visual, transformando-se em um diálogo poético entre a música, a imagem e a mensagem subjacente.
À medida que Billie Eilish navega por cenários contemplativos, a audiência é guiada por uma narrativa visual que não apenas complementa, mas amplifica a experiência auditiva da música. O clipe começa com um estilo mais vintage combinando com a melodia da música, que retrata instrumentos mais leves e alegres, provocando uma leveza e certa segurança.
Neste trabalho, serão analisadas três cenas do videoclipe. Em relação ao cenário escolhido, uma casa vintage, com objetos clássicos como o disco de vinil, o telefone com fio, a escolha da estampa do sofá, juntamente com o modelo de lustre, por exemplo, evoca uma sensação de nostalgia e familiaridade.
As luzes amarelas e o ambiente bem iluminado sugerem a ideia de um ambiente acolhedor e confortável, juntamente com a melodia, que a priori começa uma melodia dançante e suave, até que acontece essa mudança das luzes que alteram a atmosfera. Combinando perfeitamente com o visual proposto e o foco começa com a Billie em uma ligação, como se a canção fosse uma conversa com alguém, já que a letra foi escrita em primeira pessoa.
A primeira cena analisada é quando o foco do videoclipe, que até então era a câmera acompanhando os movimentos da cantora enquanto estava ao telefone, é substituído com um take de uma gota isolada caindo do teto para o chão no 1 minuto e 57segundos.
Após esse momento, as luzes do cenário começam a piscar, chamando atenção da cantora, que desliga a ligação. O ritmo da música também muda de acordo com as mudanças visuais, transitando de uma pegada leve remetendo ao Jazz para um ritmo completamente diferente e mais pesado. À medida em que Billie anda pelo ambiente, pela sua expressão facial, tentando entender a causa do vazamento de água, representado pelas cotas, e da falha de energia, representada pelas luzes piscando, sua direção é rumo a porta que está prestes a abrir.
A abordagem semiótica de Peirce, resumidamente, constitui uma teoria que investiga os processos de significação e comunicação, baseando-se em três categorias principais: Ícone (representação por semelhança), Índice (representação por conexão lógica) e Símbolo (representação por convenção cultural). Na cena em questão, os elementos visuais das luzes que começam a piscar desempenham um papel crucial como símbolos. As luzes, além de sua função luminosa básica, transcendem para uma dimensão simbólica, indicando uma mudança no estado emocional.
Ao aplicar os três fundamentos do signo de Peirce a essa cena específica, podemos discernir o ícone, o índice e o símbolo. O tom amarelado e o piscar das luzes, como ícone, geram uma atmosfera visual que evoca uma sensação no espectador. Como índice, o piscar das luzes aponta diretamente para a iminência de uma mudança, estabelecendo uma relação física e causal entre a alteração luminosa e a transformação emocional na narrativa do videoclipe. E, finalmente, as luzes piscantes funcionam como símbolo ao representarem uma convenção cultural reconhecida, onde o espectador interpreta intuitivamente a associação entre o sinal visual e a mudança emocional iminente.
Nesta cena, ao observar as luzes piscantes durante a cena, pode ser interpretado o fenômeno como uma representação visual da volatilidade das emoções humanas. A mudança rápida e intermitente nas luzes pode sugerir que a felicidade, implícita na melodia da música e no cenário calmo, apesar de ser almejada, é efêmera e suscetível a alterações abruptas. O interpretante assim seria a compreensão de que a cena das luzes piscantes simboliza a fragilidade e imprevisibilidade das emoções, adicionando uma camada de profundidade à narrativa da música. Logo, as luzes não são apenas um efeito visual, mas um reflexo simbólico da natureza transitória e fugaz da felicidade.
A segunda cena escolhida foi um momento de grande impacto para o videoclipe, mostrada no segundo minuto e vinte sete segundos. Após Billie andar em direção a porta, ela a abre com força e é surpreendida com uma tonelada de água entrando pela casa, como se o ambiente já estivesse afundado há muito tempo, mas a única coisa que impedia que isso transparecesse era a porta fechada. No making of do clipe postado pela própria cantora no seu canal do Youtube, ela explica essa cena como uma metáfora: “Essa cena representa quando não enxergamos o quão terrível está uma situação até que isso nos sufoque, ou nesse caso, nos afogue”.
A entrada da água após as luzes começarem a piscar, pode ser entendida como um signo da invasão de emoções ou desafios inesperados na vida da artista. A água, nesse contexto, funciona como um índice que aponta para uma mudança emocional iminente e como um ícone, pela sua cor e pela sua força. A inundação do ambiente torna-se, assim, um símbolo da sobrecarga emocional, onde as emoções se tornam avassaladoras e incontroláveis, o que fica notório com a mudança drástica na melodia, que age como um interpretante sonoro dessa intensidade emocional.
Após a água invadir todo o ambiente até tomar conta de toda a casa, Billie começa a nadar tentando sair desesperadamente dessa situação. Desde o início do videoclipe, a câmera acompanha todos os movimentos da cantora, e nessa situação não é diferente. Na medida em que Eilish tenta escapar da água, a imagem é mostrada como se o telespectador estivesse presencialmente na cena. O minuto 2:37 revela um take como se a câmera também estivesse quase a se afogar.
As cores escuras e os tons azulados sugerem uma atmosfera melancólica e agonizante, sendo o azul um ícone do estado emocional mais frio e desesperador e ao mesmo tempo simboliza a turbulência emocional. A dinâmica do cenário, especialmente a movimentação da câmera enquanto Billie nada, transmite uma representação visual da luta para se libertar, sendo a câmera um interpretante visual que intensifica a experiência e a imersão emocional do espectador. Os elementos como a água, as luzes piscando e a casa vintage funcionam como símbolos interconectados, formando um sistema semiótico que estimula interpretantes variados, refletindo as experiências individuais dos espectadores diante dessa inundação simbólica de emoções.
No minuto 2:41 Billie consegue escapar e chegar ao topo da casa. É notório que, de acordo com sua expressão facial, está cansada e eufórica, gerando um sentimento de que escapou por pouco, que representa, metaforicamente, a imersão profunda nas emoções turbulentas, enquanto a chegada ao telhado sugere uma tentativa de ressurgir e superar adversidades. A cantora continua nadando até chegar ao telhado, onde ela consegue se levantar e recuperar o fôlego. Nesta cena, uma tempestade está acontecendo e se intensifica àmedida em que a letra e a melodia, de certo modo, tornam-se mais agressiva. O ambiente se torna cada vez mais pesado, a câmera não mantém uma estabilidade, intensificando cada vez mais o cenário turbulento.
Na perspectiva semiótica, o cenário escolhido, como dito anteriormente, foi o topo de telhado, lugar mais alto que se pode alcançar de uma casa, pode ser interpretado como um refúgio ou um local de resistência. Estar acima, fora do ambiente inundado, simboliza no contexto deste videoclipe a busca por uma superação de um momento conturbado.
A escuridão, a chuva e os raios são índices de um ambiente caótico e emocionalmente intenso, apontando para a turbulência emocional vivida pela personagem. A escuridão simboliza a intensidade emocional, enquanto a chuva representa purificação, visto que em alguns momentos a cantora ergue a cabeça para cima, relaxa os músculos faciais e apenas deixa a água cair no rosto, como uma forma de alívio. Por fim, os raios podem simbolizar a explosão de sentimentos, contribuindo para o caos emocional.
Logo, o videoclipe “Happier Than Ever” de Billie Eilish é uma obra audiovisual que transcende os limites convencionais, oferece uma narrativa visual rica e carregada de simbolismo. Ao longo do videoclipe a artista explora temas complexos, como emoções intensas, autenticidade e superação. Elementos semióticos, como a casa afundando, a natação até o telhado e a performance no ambiente caótico da chuva e dos raios são habilmente utilizados para aprofundar a experiência do espectador.
A escolha de símbolos, índices e ícones enquanto elementos que compõem os signos cria uma narrativa visual complexa, enriquecendo a interpretação da música e oferecendo uma experiência artística envolvente e multifacetada. O videoclipe não apenas complementa a música, mas se destaca como uma expressão visual autônoma, revelando a habilidade única de Billie Eilish em contar histórias de maneira inovadora e emocionalmente ressonante.
Em síntese, a análise de um videoclipe sob uma perspectiva semiótica nos permite adotar um olhar interpretativo, com objetivo de desvendar camadas de significados simbólicos, índices e ícones que compõem os signos e que enriquecem a narrativa visual e transcendem as barreiras da superfície. Proporciona um aprofundamento na linguagem visual, permitindo-nos decodificar as escolhas deliberadas do diretor, a intenção por trás de cada cena e a interação simbólica entre elementos visuais e sonoros.
Referências
Queiroz, Á. J. (2007). Classificações de signos de C.S.Peirce — de ‘On The Logic Of Science’ ao ‘Syllabus Of Certain Topics Of Logic’, 17. https://www.scielo.br/j/trans/a/wRx5kyRkfHvGrcWKyqHwbrf/?format=pdf
Santaella, L. (2003). Teoria Geral dos Signos. Editora Contexto.