Igualdade de género e os altos números de violações: não será uma contradição?
Dinamarca, Finlândia, Suécia e Noruega são exemplos de alguns dos países que ocupam os primeiros lugares do mundo no que toca à promoção da igualdade de género. Contraditoriamente a estes dados, é também nestes países que se apresentam elevadas taxas de crimes de violação sexual.
Segundo o relatório da Amnistia Internacional, as vítimas estão a ser, em grande parte, negligenciadas pelos sistemas de justiça nos países nórdicos. O relatório indica falhas na legislação, mitos perigosos e estereótipos de género que resultam na impunidade dos agressores. A falta de confiança no sistema de justiça, o estigma social e as leis desatualizadas levam muitas vítimas a não relatarem os ataques.
Além disso, as leis da Finlândia, Noruega e Dinamarca ainda não definem a violação com base no consentimento, mas sim na violência física, ameaça ou coerção, ou se a vítima é incapaz de resistir.
Isto é problemático, pois nem todos os casos de violação são cobertos e a abordagem focada na resistência e violência, e não no consentimento, tem um impacto na denúncia e conscientização sobre a violência sexual. O relatório mencionado pede a adoção e implementação efetiva de leis baseadas no consentimento.
Existe um evidente paradoxo entre o facto destes países possuírem um historial de defesa da igualdade de género enquanto, ao mesmo tempo, sofrem níveis surpreendentemente altos no que toca aos casos de violações.
O facto de ocuparem os primeiros lugares no ranking mundial de igualdade de género, é um alerta importante para a sociedade como um todo. Ainda que estes países sejam admirados devido à sua progressividade e pelos avanços na luta pelos direitos das mulheres, a realidade da violência sexual é algo que não pode ser ignorado.
A violação é uma das formas mais graves de violência de género, sendo esta qualquer ato sexual não consensual, bem como toques indesejados ou qualquer outro tipo de contato sexual não consensual. A violação sexual é considerada uma forma grave de violência e uma violação dos direitos humanos.
A violação sexual pode ser cometida por alguém conhecido da vítima, como um parceiro íntimo, amigo ou familiar, ou por um estranho. É uma violação de um indivíduo não apenas fisicamente, mas também emocionalmente, psicologicamente e socialmente. As vítimas de violação sexual podem sofrer de trauma, depressão, transtorno de estresse pós-traumático e outros efeitos adversos duradouros. Posto isto, é inaceitável que as vítimas estejam a ser negligenciadas pelos sistemas de justiça.
Isto pode ser resultado de uma cultura de impunidade que ainda prevalece em muitas partes do mundo, onde a vítima é muitas vezes culpabilizada pela violência sofrida. É essencial que os sistemas de justiça destes países, assim como em qualquer outra parte do mundo, assegurem que as vítimas de violação sejam tratadas com o devido respeito e justiça, e que os agressores sejam responsabilizados pelos seus crimes.
Além disso, é preciso lembrar que a igualdade de género é um processo contínuo e que ainda há muito a ser feito para garantir que as mulheres estejam livres de violência e discriminação em todas as esferas da sua vida. Isso inclui a promoção de uma cultura de consentimento, onde todos os relacionamentos sejam baseados no respeito mútuo e na vontade expressa de todas as partes envolvidas.
Em suma, o relatório da Amnistia Internacional é uma chamada de atenção para a sociedade em geral. Precisamos de continuar a lutar pela igualdade de género e pelo fim da violência sexual, e isso deve ser feito em conjunto com os sistemas de justiça para garantir que as vítimas são tratadas com dignidade e justiça.
Pegando na opinião de algumas autoras que abordam este tema, bem como o feminismo, podemos estabelecer ligações ao que foi apresentado nos parágrafos anteriores. O livro “Lugar de fala”, por exemplo, de Djamila Ribeiro, pode ser útil para entender a importância de dar voz às vítimas de violência sexual. A autora argumenta que o conceito de “lugar de fala” é fundamental para garantir que as vozes das pessoas que sofrem opressão sejam ouvidas e valorizadas. Nesse sentido, é importante que as vítimas de violência sexual tenham espaço para falar sobre as suas experiências e que essas vozes sejam levadas em consideração na formulação de políticas públicas.
Também o livro “Feminismo em comum para todas, todes e todos”, de Márcia Tiburi, pode ser relevante para entender que a luta pela igualdade de género deve levar em conta as diferenças de raça, classe social, orientação sexual e outras questões de opressão. Isso significa que, ao abordar a violência sexual, é importante considerar não apenas a igualdade formal entre homens e mulheres, mas também as questões estruturais que contribuem para a violência, como a desigualdade social e a discriminação racial.
O livro “Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais”, organizado por Heloisa Buarque Hollanda, pode contribuir para uma reflexão crítica sobre as políticas de igualdade de género nos países nórdicos. A obra propõe uma perspectiva descolonial que procura questionar as estruturas de poder que perpetuam a opressão e a marginalização de grupos específicos. Isto pode ser útil para entender que a luta pela igualdade de género não pode ser desvinculada da luta contra outras formas de opressão, como a discriminação racial.
Por fim, O livro “Como derrotar Trump e outros ensaios”, de Slavoj Zizek, pode ser útil para entender as implicações políticas do combate à violência sexual. Zizek argumenta que, em muitos casos, as políticas de igualdade de género são instrumentalizadas para fins políticos, sem levar em conta as necessidades reais das vítimas. Nesse sentido, é importante que as políticas públicas sejam formuladas de maneira a atender efetivamente às necessidades das vítimas de violência sexual, algo que não está a ocorrer nos países nórdicos mencionados anteriormente.
Referências
ALMEIDA, Heloisa Buarque de; RIBEIRO, Djamila (Orgs.). Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. São Paulo: Bazar do Tempo, 2019.
RELATÓRIOS; DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS. (s.d.). Obtido de Amnistia Internacional: https://www.amnistia.pt/paises-nordicos-vitimas-de-violacao-unidas-contra-a-impunidade/
RIBEIRO, Djamila. Lugar de Fala. Belo Horizonte: Letramento, 2017.
TIBURI, Márcia. Feminismo em comum para todas, todes e todos. São Paulo: Record, 2018.
ZIZEK, Slavoj. Como derrotar Trump e outros ensaios. São Paulo: Boitempo, 2017.
Autora: Joana Rosado a72070