Kanye ‘Fenix’ West
Em 2021 Kanye West ficou em chamas no concerto de lançamento do seu álbum ‘DONDA’, em Atlanta.
Kanye West, em 2021, marcou um ponto de viragem na sua carreira com o lançamento do seu décimo álbum — ‘DONDA’.
Ao contrário dos habituais lançamentos via plataformas digitais, este foi realizado em formato de concerto, no Mercedes-Benz Stadium, em Atlanta com mais de 40 mil pessoas na plateia.
Mr. West organizou ainda vários eventos, antes da grande data, chamados ‘Donda Listening Parties’ — como forma de atrair mais atenções, marcas e curiosidades para o seu novo projecto — sendo que todos os cenários e narrativas foram diferentes a fim de causar expectativa para o concerto final.
Como tal, o presente texto serve como uma análise semiótica em torno deste concerto, utilizando o ponto de vista teórico de Charles Peirce.
Referente Teórico
A semiótica de Peirce oferece uma abordagem única para compreender os processos complexos de comunicação através da análise de signos. Segundo Peirce, um signo é algo que representa alguma coisa para alguém.
Para facilitar a compreensão, Peirce dividiu os signos em três tipos: ícones (assemelha-se ao objeto que representa); índices (está diretamente ligado ao objeto por meio de uma relação física ou causal); e símbolos (têm uma relação convencional ou arbitrariamente estabelecida com o objeto).
A teoria destaca ainda a importância de três elementos na comunicação: o signo em si; o objeto que o signo representa; e o efeito que o signo tem na mente de quem o interpreta. Estes elementos formam uma tríade, proporcionando uma visão mais completa e dinâmica da natureza dos signos e da comunicação.
Deste modo, deve fazer-se uma análise profunda sobre todos os componentes do concerto, tendo em conta os sons, as cores, os objetos, as imagens e as sensações.
Análise Semiótica
Elementos Visuais e Sonoros
O ícone principal era a casa que se encontrava no centro da arena (réplica da sua casa em criança) e, durante cerca de hora e meia de espectáculo, foi-nos apresentada toda uma narrativa à volta deste elemento visual.
O espectáculo tinha intenção de nos transportar para uma narrativa onde a personagem principal era, sem dúvida, o rapper e onde a história se centrava na sua vida, nas suas angústias, na perda da sua mãe, na sua relação com a fama e nas suas inseguranças enquanto pessoa.
O cenário era completamente preto, incluindo todos os elementos que iam entrando em cena, como as roupas dos artistas convidados, as roupas dos figurantes e a cor dos carros. Estes ícones ou elementos visuais, remetiam-nos para alguns índices como o sentimento de luto e perda. Visto que o evento era em homenagem à sua falecida mãe — Donda West.
Na arena estava uma tela gigante que mostrava a cara de Kanye West e dos artistas convidados em tempo real, bem como algumas imagens associadas a cada música. É ainda importante destacar que este ícone apresentado na tela estava em formato de ‘breaking news’, e que apresentava no rodapé, conforme as músicas iam mudando, diferentes versículos bíblicos associados aos sons.
O concerto começou apenas com Kanye West à porta de casa, sozinho no centro do cenário. O primeiro elemento a entrar em cena, a fim de quebrar a sua solitude em palco, foi um carro preto. Logo de seguida entraram mais alguns carros acompanhados de figurantes que, num passo lento, circularam em torno da casa, remetendo-nos a uma sensação de funeral.
Num valor semiótico, pode compreender-se que a escolha do contraste entre o branco da casa e o negro do cenário envolvente serve também para demonstrar que nada mais importa do que o verdadeiro significado de ‘casa’, ou seja, o ponto focal da história e do cenário. Servindo assim para demonstrar a futilidade e inutilidade de tudo o que não é o essencial à história. Nada mais importa: nem a fama, nem os carros, nem as pessoas, apenas a sua essência e as suas raízes.
Ao longo do concerto, conseguimos perceber que esse luto não é só direccionado para a perda da sua mãe mas também a um luto interno da sua persona tanto artística como pessoal, remetendo para a percepção de uma viragem na sua carreira e forma de estar.
Sob a análise peirceana, podemos comparar estes sentimentos com o índice. Tanto as emoções transmitas por parte do artista para o público, como a relação com a realidade vivida no concerto remetem-nos para uma sensação de perda e sofrimento. A casa era o ícone principal deste concerto, como se o artista nos transportasse numa viagem pela sua vida — desde a sua infância, até aos dias de hoje.
Elementos Simbólicos
O momento mais marcante dá-se quase no final do concerto, ao som do track ‘Come To Life’. A música começa com uma oração proclamada, e ao mesmo tempo vemos uma luz a sair de dentro da casa.
Esta luz é forte o suficiente para iluminar toda a arena remetendo-nos para a ideia de um milagre. Ou seja, temos um índice (o som e o sentimento causado), que está directamente ligado com um símbolo (a letra da música e a sensação de divino). Durante toda a canção as luzes ficam desligadas, deixando a arena completamente no escuro, como se o cantor nos tivesse preparar, através do silêncio, para a intensidade emocional do seu próximo ato.
É então que o momento mais impactante da noite acontece, quando no ecrã gigante, podemos ver Kanye West sentado numa cadeira onde a única luz é uma lâmpada que o sobrepõe. O cantor tem vestido um fato próprio anti-fogo dentro do qual começa a arder numa fracção de segundos, ao som da frase: ‘Hallelujah, thank you, Jesus, hallelujah, hallelujah’.
Enquanto vemos estas imagens a dar no ecrã, podemos ouvir o cantor a cantar ‘I’m Free’ repetidas vezes.
Num espectáculo de luzes, música e sentimentos, o artista transporta-nos para outra dimensão, onde nos leva a querer que este se encontra a renascer como uma fénix para um novo ciclo da sua vida — como se tivesse descido até ao inferno, queimado os seus pecados e fosse um homem pronto a recomeçar.
O segundo momento mais especial da noite, e que deixou os fãs ao rubro, foi quando na última música ‘No Child Left Behind’ a sua ex-esposa Kim Kardashian entrou na arena vestida de noiva — quebrando o cenário preto, como se uma luz de esperança se tratasse — num passo calmo no meio de todos os figurantes.
Kim caminhou em direcção a Kanye, recriando assim a cerimónia de ambos, como se estivesse a ir até ao altar.
Esta imagem aparentemente simples, remete-nos a um sentimento de amor, de família e sobretudo de paz emocional (tendo em conta a melodia). Na música pode ouvir-se repetidamente a frase ‘He’s done miracles on me’, como se estivesse a agradecer a Deus a presença dela na sua vida. De sublinhar que quando os dois se encontram no meio da arena, foi a primeira e única vez que vimos o rosto de Kanye West.
O facto dele tirar a máscara uma única vez remete ao fato dele conseguir ser ele mesmo ao pé de Kim — como se não precisasse de usar uma máscara ou uma ‘segunda personalidade’. Embora pareça algo simples, foi uma imagem muito forte.
O interlúdio que talvez seja mais marcante de todo o álbum foi o de Larry Hoover Jr, onde este em tom de desabafo, conta que o seu pai está preso desde 1973 com uma pena de prisão perpétua. Este momento acontece no meio do track ‘Jesus, Lord’ e acaba por ser um pouco controverso, devido ao nome da música.
Esta foi uma das formas que o artista encontrou para sensibilizar as milhares de pessoas que estavam a assistir ao espectáculo usando este caso como porta de entrada para o debate sobre o sistema carcerário Norte-Americano.
Considerações Finais
A verdade é que Kanye West é um artista que nos consegue levar do zero ao cem em poucos momentos. A sua genialidade misturada com a brutalidade de uma mente crua e sem filtros é algo raro de se ver e que gera bastante curiosidade para saber qual será o seu próximo passo.
Todo o álbum está pensado para funcionar como uma oração a Deus — podemos inclusive ouvir várias passagens de música gospel e orações que nos transportam para o cristianismo. Foi sem dúvida um dos trabalhos mais completos que Kanye West fez durante a sua carreira, conseguindo ter tracks que fizessem referência e tocassem em todos os estilos de música que já produziu: hip hop, rap, trap, gospel e rock. ‘DONDA’ está além de ser apenas música, é toda uma experiência cinematográfica.
Desde o albúm ‘Yeezus’ (produzido em 2013), que West faz várias referências à sua religião e que é perceptível que o artista está em constante transformação, à procura da sua identidade músical. Por muitos, ‘DONDA’ foi considerado a continuação do albúm ‘The Life Of Pablo’ (produzido em 2016), seguindo o mesmo modelo de oração constante.
Em suma, foi muito inteligente transformar o lançamento de ‘DONDA’ num concerto com esta dimensão. Kanye West já nos tinha habituado aos seus lançamentos fora da caixa, quando em 2010 lançou a sua mix-tape em formato de curta-metragem— ‘RUNAWAY’. Foi também nesta altura que o artista começou a dar mais importância à sua presença em palco, transformando os seus concertos em espectáculos cuidados, com bailarinos, figurantes e com vários atos e interlúdios.
Podemos ver uma evolução considerável ao longo da sua carreira artística e perceber que gosta de se desafiar e continuar a desconstruir os padrões daquilo que se pode considerar ‘habitual’.
Referencias Bibliograficas
Santaella, L. (2002). Semiótica Aplicada (1st ed.). Pioneira Thomson Learning.
Acta Diurna, (2021). Kanye West Presents Donda 2021 (Live Chicago) https://www.youtube.com/watch?v=SpNA62HWtTA
BRND, (2023). KANYE WEST DONDA SESSIONS DOCUMENTARY FOOTAGE
https://www.youtube.com/watch?v=--7XYTu4kw4
The Must Unruly, (2022). Ye (Kanye West) | Creating Donda
https://www.youtube.com/watch?v=fSQuDtjn370